A campanha nacional dos bancários começa nesta quarta-feira (13). Depois de uma jornada de preparação que envolveu debates regionais nos estados e uma conferência nacional unificada, com 627 delegados representantes de trabalhadores de bancos públicos e privados – encerrada no domingo (10) –, o Comando Nacional da categoria entrega à Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) a sua pauta de reivindicações.
Paralelamente à reunião com a Fenaban, uma manifestação no Largo da Batata, zona oeste de São Paulo, lembrará que a mobilização nos locais de trabalho e nas ruas, componente de todas as campanhas salariais da categoria em mais de três décadas, terá de fazer a diferença novamente.
É a primeira vez que uma convenção coletiva de trabalho deverá ser renovada depois de um período de dois anos de vigência. Celebrado em setembro de 2016, o acordo de validade nacional que determina as condições de trabalho e de vida de 485 mil profissionais do setor em todo o país expira em 31 de agosto. O impacto das conquistas dos bancários na política e na economia do país é importante.
E as preocupações são muitas. Alguns dos primeiros resultados do golpe de 2016, a “reforma” trabalhista e a lei da terceirização trouxeram problemas como a “legalização” do uso abusivo da mão de obra terceirizada precária, a possibilidade da contratação por “empreitada” com trabalho intermitente, a “pejotização” e até mesmo a possível perda dos direitos previstos do acordo vigente caso este não seja renovado a partir da data-base, 1º de setembro.
A primeira medida do Comando Nacional da reunião desta quarta com os bancos é buscar um pré-acordo que mantenha as atuais cláusulas da convenção coletiva em vigor até que uma nova seja celebrada. Os acordos específicos negociados por banco após a assinatura da convenção também são parte dessa demanda.
Empregos e salários
O reajuste reivindicado pela categoria inclui a reposição da inflação dos últimos 12 meses acrescido de aumento real de 5%, baseado na elevada rentabilidade do setor. A mesma valorização deve ser aplicada à participação nos lucros ou resultados (PLR). E não é para menos.
Os cinco maiores bancos do país – que concentram mais de 80% dos trabalhadores e das operações do sistema – alcançaram lucros de R$ 77 bilhões no ano passado, com aumento de 33% em relação ao ano anterior, mesmo com a equipe econômica da dupla Temer-Meirelles afundando o país numa crise sem precedentes.
“O resultado por si só torna inexplicável que, desde o golpe, há dois anos, os bancos tenham eliminado 40 mil empregos e ainda pretendam agravar a precarização das condições de trabalho”, afirma a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contra), Juvandia Moreira.
Daí o fato de ter forte peso nas negociações a defesa dos empregos, da garantia contra demissões em massa, do reconhecimento de terceirizados como bancários, da realização de homologações com supervisão dos sindicatos, da composição de mesa única de negociações e da extensão dos direitos acordados para todos os trabalhadores.
“Num momento em que a nova lei após a reforma permite a negociação direta entre empregador e empregados, e até individual para faixas salariais mais altas, é fundamental que seja assegurado que qualquer discussão de contrato, jornada e condições de trabalho passe pelo Comando Nacional dos Bancários e pelos sindicatos”, diz a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Ivone Silva, reiterando a defesa da manutenção da universalidade das cláusulas do acordo para todos os bancários.
“E se há um setor no país em condições de negociar um acordo decente e partilhar de maneira mais justa seus ganhos com os trabalhadores e com toda a sociedade, na forma de melhores condições de atendimento, são os bancos”, afirma Ivone, lembrando que o sistema começou este ano como iniciou o anterior: com lucros de quase R$ 21 bilhões de janeiro a março (20% mais que em igual período de 2017).
Nesta segunda-feira (11), Ivone e Juvandia participaram do programa Momento Bancário, produzido pelo sindicato, ao lado dos também diretores executivos da entidade João Fukunaga e Dionísio Reis, coordenadores das comissões de empregados do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, respectivamente. No programa, que pode ser visto na íntegra logo abaixo, os dirigentes sintetizaram os debates da conferência nacional realizada no fim de semana.
Os bancários e o país
A 20ª Conferência Nacional dos Bancários, realizada entre sexta e domingo em São Paulo, discutiu temas nacionais que têm conexão direta com a realidade da categoria. Entre eles, a defesa dos bancos públicos no âmbito das questões profissionais e também do papel social e estratégico dessas instituições para a economia.
O controle público e o fortalecimento de Banco do Brasil, Caixa, Banco do Nordeste, BNDES e de empresas como a Petrobras e a Eletrobras são parte, segundo o Comando Nacional dos Bancários, de um mesmo objetivo: defender a economia e a soberania do país das agressões da geopolítica externa e das ambições do capital privado voltado para o interesse exclusivo do mercado.
A diferença entre a política de regulação de preços da Petrobras de antes do golpe e a atual é apenas um exemplo dessa importância. “Como pode um país com a riqueza natural e mineral do Brasil deixar de investir em refinarias para bancar sua autossuficiência? Importar o que poderia ser produzido aqui, gerar empregos aqui, praticar preços para satisfazer os acionistas e petrolíferas estrangeiras, e não o interesse nacional”, questiona Juvandia.
A questão é estendida aos projetos de privatização da Eletrobras, que pode transformar a farta capacidade de geração e distribuição em mercadoria, um negócio de multinacionais estrangeiras (inclusive estatais, como a italiana Enel, que acabou de adquirir 73% do controle da Eletropaulo). Ou seja, privatizada no final dos anos 1990, a Eletropaulo volta agora a ser estatal. Italiana.
O coordenador da Comissão de Empresa da Caixa Econômica Federal, Dionísio Reis, alerta que a política do governo Temer para os bancos públicos é uma evidente ação de desmonte voltada para a privatização. “O próprio ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles diz que a Caixa está ‘pronta’ para a venda”, observa Dionísio. “A Caixa responde por 90% do financiamento habitacional do país, e vem reduzindo essas operações, só que os bancos privados não estão ocupando esse papel com a mesma qualificação”, afirma.
O Banco do Brasil, por sua vez, fundamental para a oferta do crédito não apenas do agronegócio, mas sobretudo dos empreendimentos de agricultura familiar que são responsáveis por colocar comida na mesa dos brasileiros, também está na mira do mercado privado e em processo de sucateamento.
“O BB tem um déficit aproximado de 500 funcionários nas agências. Já tem cliente querendo brigar com funcionários por falta de condições de atendimento. E se faltar o crédito aos pequenos produtores familiares, vai faltar comida saudável na mesa e vai sobrar o veneno dos agrotóxicos. O alimento vai encarecer”, alerta o coordenador da Comissão de Empresa do Banco do Brasil, João Fukunaga.
O papel das empresas públicas torna a campanha dos bancários estratégica também para os demais trabalhadores brasileiros. Isso porque parte dessa luta, como concluíram os delegados presentes na convenção, passa pelas eleições de outubro. Os bancários não decidiram apoiar um nome para a eleição presidencial. Mas reafirmaram a defesa do direito de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “preso político e sem prova de crime”, se candidatar.
E decidiram pelo apoio a todos os candidatos do campo progressista, com objetivo de propor a revogação das leis da “reforma” trabalhista e da terceirização, da emenda constitucional que impõe um congelamento de gastos sociais com educação, saúde e políticas de distribuição de renda por 20 anos. O objetivo vale também para os poderes legislativos.
“É preciso restaurar a democracia. Não basta eleger presidente e governadores progressistas e manter uma maioria conservadora, golpista no Senado, na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas. A disputa por um Brasil soberano, que respeite a Constituição e que olhe para o conjunto da sociedade passa pela eleição de parlamentares comprometidos com os interesses nacionais e dos trabalhadores”, afirma Juvandia Moreira, da Contraf.
O resgate do Estado democrático de Direito foi um dos assuntos abordados na conferência, tema do jurista Pedro Serrano. Segundo o professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o capitalismo mundial vive uma onda de supressão de direitos que contraditoriamente põe em risco até seus próprios preceitos liberais.
“Hoje é muito claro isso. Algumas pessoas falam que a esquerda divide a sociedade. Todo mundo já deve ter visto essa bobagem no Facebook. Não é a esquerda que divide a sociedade. É a democracia que divide a sociedade. Democracia é o modo de compor os conflitos sociais de forma pacífica”, explica Serrano.