O silêncio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) após a derrota na eleição presidencial e a viagem para os Estados Unidos às vésperas de deixar o cargo criaram um sentimento de frustração entre aliados do ex-chefe do Executivo.
A avaliação de antigos aliados é que Bolsonaro adotou decisões equivocadas após perder o pleito e que isso estremeceu sua base eleitoral.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, publicou um vídeo nas redes sociais nesta semana para se dirigir a quem está “magoado” e reforçou o apoio do partido ao ex-mandatário. A fala foi replicada no Instagram da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
“Acredito que muitos brasileiros e brasileiras, crianças, jovens, adolescentes, pessoas de todas as idades sentiram orgulho da bandeira nacional, orgulho das nossas cores, orgulho do nosso país. Isso a gente deve a Jair Bolsonaro”, disse Valdemar no vídeo.
“Quero dizer que, se existe alguém, por algum motivo, que teve alguma decepção, mágoa ou frustração, queria dizer a vocês: Jair Messias Bolsonaro tem nosso crédito, tem nosso apoio, tem um significado incrível para o nosso país e vai continuar tendo”, completou.
A mensagem tem endereço: trazer um alento para a militância decepcionada e buscar evitar um racha ainda maior na base de Bolsonaro.
Havia uma expectativa entre aliados do então chefe do Executivo de que ele pudesse aproveitar o seu capital político e se tornar uma liderança forte e emblemática da oposição, o que, até o momento, não ocorreu. Bolsonaro perdeu a disputa, mas teve 58 milhões de votos.
Um dos reflexos da desmobilização da base bolsonaristas é que alguns parlamentares que foram leais ao ex-mandatário agora já sinalizam uma aproximação com Luiz Inácio Lula da Silva (PL). Há casos de aliados que marcaram presença em posses de ministros do petista e até compartilharam fotos nas redes sociais.
Os dois meses que se seguiram após o segundo turno das eleições foram marcados por uma mudança radical de postura de Bolsonaro, até então acostumado a usar as redes sociais em transmissões ao vivo e realizar passeios de moto para interagir com a população.
Ao mesmo tempo em que militantes bolsonaristas acampavam em frente a quarteis do Exército, o presidente praticamente transferiu seu gabinete para a residência oficial, o Palácio da Alvorada, e desde então foram raras as suas aparições públicas.
Aumentou assim o clima de suspense a respeito de sua postura na hora de entregar o cargo. Apoiadores bolsonaristas acampados em frente a quartéis esperaram até o último momento uma intervenção militar.
Os aliados políticos, por sua vez, esperavam que Bolsonaro atuasse como liderança e mantivesse sua base informada de que não teria como evitar a posse de Lula. O que todos viram, entretanto, foi um Bolsonaro acuado e em silêncio, o que fomentou teorias da conspiração.
Interlocutores do ex-presidente dizem que ele ainda ficará recluso por alguns meses. Eles apostam que, passado esse período, Bolsonaro deve ressurgir politicamente.
Outros ex-auxiliares dizem que Bolsonaro já conquistou seu papel na história como alguém que conseguiu pautar politicamente o debate da direita conservadora.
Mesmo com a reclusão, aliados apostam que ninguém terá força suficiente para ocupar o espaço de Bolsonaro como líder do campo conservador até a próxima eleição presidencial.
“Eu pessoalmente acho natural [a posição do ex-presidente]. Ele [Bolsonaro] teve uma derrota, isso abala. Ele optou pelo silêncio, embora muitos quisessem que ele botasse lenha na fogueira, outros já falavam em prendê-lo, porque ele estaria à frente de movimento. Ele manteve o silêncio, manteve recluso. Cada um reage de uma maneira a isso. Eu tenho a compreensão que realmente foi a escolha dele”, afirma o ex-líder do governo Bolsonaro no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ).
O senador rebate a ideia de que a base bolsonarista está sofrendo com defecções, pelo menos na Casa legislativa em que atua.
“Eu não vejo esse sentimento [de mudança de lado de bolsonaristas, por causa da postura de Bolsonaro], pelo menos no Senado. No Senado não houve nenhum, pelo menos que eu me recorde aqui”, afirmou.
O Senado foi onde a força bolsonarista se mostrou mais claramente no primeiro turno das eleições, com o presidente conseguindo transformar a bancada do PL na maior da Casa, além de eleger aliados próximos e ex-ministros, como Damares Alves (Republicanos-DF), Marcos Pontes (PL-SP) e o ex-secretário da Pesca Jorge Seif (PL-SC).
As cerimônias de transmissão de cargo para os ministros de Lula, ao longo da primeira semana de atividades do novo governo, foram marcadas pelas presenças de alguns políticos que até há pouco estavam nas fileiras bolsonaristas.
Um deles foi o senador Wellington Fagundes (PL-MT), do próprio partido de Bolsonaro, que compareceu à posse do novo ministro da Secretaria Especial de Comunicação Social, Paulo Pimenta (PT). À Folha o parlamentar disse que nunca teve uma posição ideológica radical e não descartou uma proximidade maior com o governo Lula.
No dia seguinte, durante a posse do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, foi notada a presença de Chico Rodrigues (União Brasil-RR), que foi vice-líder do governo Bolsonaro no Senado. Ele ganhou notoriedade ao ser alvo de uma operação da Polícia Federal e ter tentado esconder dinheiro na cueca.
O partido do parlamentar, a União Brasil, indicou três ministérios no governo Lula. Daniela Carneiro foi nomeada para a pasta do Turismo, enquanto que o deputado Juscelino Filho (MA) é titular das Comunicações.
O ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (PDT), também é considerado da cota da União Brasil, tendo como fiador o senador Davi Alcolumbre (União-AP).
Em suas redes sociais, Chico Rodrigues publicou um vídeo no qual afirma que vai se manter “vigilante”, mas por outro lado exalta o novo governo.
“Estamos iniciando um novo ano, com um novo governo que se implanta, governo do presidente Lula que tem todo o compromisso e responsabilidade em tornar a vida dos brasileiros melhor”, afirma o senador, que ainda acrescentou que é preciso “acreditar” e ter “confiar” na nova gestão.
Fonte: Folha de São Paulo