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‘Bolsocaro’? O que explica inflação mais alta para os mais pobres durante a pandemia

Por Laís Alegretti, da BBC News Brasil

Em um ano de pandemia do coronavírus, os brasileiros (alguns mais que outros) viram os preços dos alimentos subirem. A alta da inflação virou alvo de campanha de críticos ao governo do presidente Jair Bolsonaro, que espalharam cartazes em São Paulo com o termo “Bolsocaro”, com reclamações sobre disparada nos preços nos mercados.

Apesar de o preço em si ser igual para todo mundo, o tamanho do impacto dos aumentos varia para cada família, de acordo com a chamada cesta de consumo — ou seja, depende dos grupos de produtos que elas costumam consumir e quanto do orçamento delas esses itens representam.

Em um ano de pandemia (março de 2020 a fevereiro de 2021), a inflação sentida pelas famílias brasileiras mais pobres foi de 6,75%.

Essa taxa representa o dobro do impacto para as famílias mais ricas, de 3,43% no mesmo período, segundo os dados do indicador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de inflação por faixa de renda.

O indicador divide as famílias brasileiras em seis faixas de renda e avalia como a inflação afeta, mês a mês, cada um desses grupos.

A classificação da pesquisa considera como famílias de renda muito baixa as que têm ganho domiciliar menor que R$ 1.650,50. E as famílias classificadas como de renda alta são aquelas cujo ganho domiciliar é superior a R$ 16.509,66.

O que explica a diferença

A economista Maria Andreia Lameiras, pesquisadora responsável pelo Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, explica que, antes da pandemia, o nível de inflação era mais parecido entre as diferentes faixas de renda, com variações mensais mais distribuídas em diferentes itens, em vez de uma pressão concentrada em um grupo de consumo específico.

“Antes, as coisas iam se contrabalanceando, era mais parecido. A pandemia explode alta de preço de alimentos e joga para baixo o preço de serviços.”

E por que a alta em alimentos impacta mais os mais pobres? Porque essas famílias gastam cerca de 25% de seu orçamento com alimentos em domicílio, enquanto os mais ricos gastam menos de 10% nessa categoria, segundo Lameiras.

Outro fator que explica essa disparidade, segundo a pesquisadora, é que houve uma redução em parte dos serviços consumidos pelas famílias mais ricas.

“Eles não só sofreram menos com alta dos alimentos, como se beneficiaram da queda do preço de serviços”, disse. “Os mais ricos, que tinham parte do orçamento destinada a passeios, cinema, jantares, isso tudo eles pararam de consumir. Essa parcela do orçamento dessas famílias foram preservadas. Até gastos fixos, como mensalidade escolar, muitos colégios particulares deram descontos nas mensalidades com o ensino à distância.”

Por que os alimentos ficaram mais caros

Lameiras destaca que a pandemia levou muitas pessoas para casa, o que aumenta o consumo de supermercado, e lembra que houve um medo geral em relação às condições de abastecimento.

“Além do aumento do consumo imediato, muitos países começaram a ter medo de falta de abastecimento e o que aconteceu: países que produziam e exportavam parte da sua produção começaram a diminuir ou ficar com a produção interna. Então teve aumento da demanda e, ao mesmo tempo, a oferta não consegue dar conta.”

Ela lembra que, diferente de outros itens, o alimento é um produto que você não tem como aumentar a oferta rapidamente. “Você está colhendo uma coisa que plantou um ano atrás, em outro cenário.”

Se o descasamento entre oferta e demanda ocorreu no mundo todo, no Brasil também entra no cenário a grande desvalorização do real. “Aí, essa alta de alimentos no Brasil fica ainda maior, porque aquele alimento que tenho que importar fica mais caro e porque o produtor do grão, da carne, vê que é mais vantajoso exportar do que vender para o mercado interno, porque ele vai receber em dólar e acaba tendo rentabilidade muito maior”.

O auxílio emergencial também entra nessa conta, na avaliação de Lameiras. “As vendas de supermercado cresceram ao longo de 2020, a indústria de alimentos foi uma das poucas que subiram em 2020. Mesmo o alimento estando mais caro na prateleira, as pessoas compraram ele porque elas tinham renda, porque veio o auxílio emergencial”, diz.

Em 2020, como forma de compensar impactos da pandemia principalmente para os trabalhadores informais, o governo criou o auxílio emergencial, que inicialmente tinha parcelas de R$ 600.

No início deste ano, os beneficiários ficaram sem uma definição (e pagamentos) e, em março, o Congresso aprovou a PEC Emergencial, proposta de alteração da Constituição que cria mecanismos para conter gastos públicos e libera R$ 44 bilhões extras para custear a volta do auxílio emergencial. O início do pagamento ainda depende da publicação de uma Medida Provisória pelo governo Jair Bolsonaro com as novas regras do benefício.

A disparidade entre a taxa de inflação dos mais pobres e dos mais ricos já chegou a ser maior em 2020, considerando o acumulado de janeiro a setembro. Naquele período, o aumento para as famílias mais pobres (2,5%) foi mais de 10 vezes maior que a alta sentida pelas pessoas mais ricas (0,2%).

Diferente de outros aspectos da economia, a alta inflacionária puxada por alimentos está no dia a dia da população, aponta Lameiras. “Um dia ela vai lá e a batata tá R$ 5 e, no outro dia, tá R$ 7. Isso está muito próximo. Isso traz para ela a percepção de que a economia brasileira está mal.”

Quanto menor o orçamento familiar, menos margem a família tem para acomodar eventuais aumentos nos preços.

“Quando a gente fala de aumento de inflação, falamos que a situação das famílias mais pobres está piorando”, diz. “Muitas vezes a alta até acontece por fatores exógenos. Não necessariamente uma alta de preços de alimentos está ligada a alguma política errada do governo. Mas, para a população mais pobre, o que ela vê é que o alimento está subindo na boca do mercado e o dinheiro dela tá cada vez valendo menos. Isso de fato gera uma insatisfação para essas famílias.”

Disparidade da inflação deve diminuir

Apesar de a inflação ter subido muito mais para os mais pobres em um ano de pandemia, o resultado de fevereiro (último dado disponível) é diferente. Houve aumento de preço para as seis faixas de renda pesquisadas, mas os aumentos foram levemente maiores para as faixas de renda mais altas.

Em fevereiro, segundo o relatório, “a maior contribuição inflacionária, em todos os segmentos de renda, veio do grupo transportes, impactado pela alta de 7,1% dos combustíveis”.

Para as famílias mais pobres, além do combustível, houve impacto dos reajustes de 0,33% do ônibus urbano e de 0,56% do trem. Outra contribuição à alta da inflação das famílias com menor renda veio da habitação, que inclui aumentos de 0,66% dos aluguéis, de 1% da taxa de água e esgoto e de 3% do botijão de gás.

Para as mais ricas, houve uma alta em educação, devido ao reajuste de 3,1% das mensalidades escolares. Na área de transportes, em contrapartida ao aumento do combustível, a queda de 3,0% nos preços das passagens aéreas ajudou a atenuar o aumento para este grupo.

A inflação de fevereiro para a faixa de renda mais alta foi de 0,98% e, para a de renda mais baixa, 0,67%.

Ela diz que espera uma alta menor do preço de alimentos neste ano e uma retomada de serviços. E aponta que esse cenário também depende do comportamento do câmbio.

Apesar disso, ela diz que ainda não dá pra esperar uma queda no preço dos alimentos no mercado. “Ninguém espera queda de preços de alimentos em 2021, ainda que para alguns produtos possa ter queda em um mês ou outro. Mas, no geral, estamos esperando que alimentos subam menos.”

Fonte: CTB

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