Pesquisa do Instituto Nexus revela que metade da população vê Washington como agressivo nas relações internacionais, enquanto a China avança na percepção como parceira não intervencionista
Metade dos brasileiros (50%) consideram que os Estados Unidos agem de forma mais autoritária em suas relações com outros países do que a China, apontada por 38% dos entrevistados. O dado, divulgado nesta segunda-feira (8) pelo Instituto Nexus, reflete uma visão cada vez mais crítica do Brasil em relação ao comportamento da potência ocidental, em especial sob a gestão de Donald Trump.
Segundo Marcelo Tokarski, CEO da Nexus, a contradição entre a imagem de democracia dos EUA e a percepção de autoritarismo não surpreende: “Não é porque uma nação seja vista como democrática que não possa ser tida também como autoritária. Os brasileiros sentem o governo Trump interferindo na política e na economia mundial, sobretudo nos países do Brics, como China, Rússia, Índia e África do Sul”.
A pesquisa realizada em agosto de 2025, expõe uma percepção crescente: a democracia norte-americana parece não se estender além de suas fronteiras. Enquanto a China investe em parcerias comerciais sem condicionalidades políticas, os EUA seguem na cartilha do “faça como eu digo — ou sofra as consequências”. E os brasileiros estão percebendo.
Democracia x autoritarismo: dilema brasileiro
A percepção da democracia norte-americana é maior entre pessoas de renda mais alta e com ensino superior, mas cai entre jovens, trabalhadores de baixa renda e moradores do Sudeste — justamente os segmentos que mais enxergam autoritarismo nas ações de Washington.
Esse contraste revela o peso das campanhas de propaganda e da influência cultural dos EUA, mas também um desgaste crescente diante da postura agressiva de Trump nas relações comerciais e diplomáticas.
A figura do presidente norte-americano emerge como essa percepção negativa. Seu estilo agressivo, protecionista e frequentemente xenófobo reforçou a imagem de um país que, em nome de seus interesses, despreza a soberania alheia. O “tarifaço” contra produtos brasileiros não foi apenas uma medida econômica — foi um ato político de força que ecoou mal entre a população.
A crítica ao autoritarismo dos EUA é mais forte justamente entre os mais jovens (54% entre 16 e 24 anos) e entre as camadas de menor renda — justamente os mais afetados pelas crises globais provocadas por decisões unilaterais de Washington. Enquanto isso, aqueles que ainda enxergam a China como “mais autoritária” são justamente os mais ricos e escolarizados — grupos historicamente mais alinhados à narrativa ocidental.
“Não é coincidência que quem defende a narrativa de ‘ameaça chinesa’ seja quem mais se beneficia da ordem global liderada pelos EUA”, observa Tokarski. “Já as classes populares, o Nordeste, os jovens — todos sentem na pele os efeitos das políticas de ingerência norte-americana.”
Influência internacional: hegemonia em xeque
Quando o tema é poder global, 70% dos brasileiros ainda reconhecem os EUA como mais influentes que a China, contra 20% que citam o país asiático. Contudo, especialistas avaliam que a ampliação da presença chinesa na América Latina, na África e no próprio Brasil pode reduzir essa diferença nos próximos anos, especialmente se os EUA mantiverem sua política de confrontos e sanções.
Enquanto os EUA ameaçam, sancionam e boicotam, a China negocia, investe e constrói infraestrutura. Para o Brasil, que busca soberania e desenvolvimento, a escolha começa a ficar claro: melhor um parceiro que respeita sua autonomia do que um “aliado” com condicionantes.
Meio ambiente: empate simbólico
No campo ambiental, houve equilíbrio. Para 42% dos entrevistados, os EUA são os maiores responsáveis por danos ao meio ambiente, exatamente o mesmo percentual que atribui essa responsabilidade à China. O empate evidencia que, para os brasileiros, ambas as potências compartilham responsabilidades — mas também aponta que Washington já não detém a aura de liderança ética em questões globais.
Mas há um detalhe crucial: enquanto a China investe significativamente em energias renováveis, mobilidade elétrica e reflorestamento, os EUA seguem como maior acumulador histórico de emissões — e Trump prometeu voltar a sabotar acordos climáticos.
“Esse empate é revelador”, diz Tokarski. “Mostra que o brasileiro médio já entende que a narrativa ocidental de ‘vilão ambiental chinês’ é propaganda. Ambos poluem, sim — mas só um deles age para mudar isso de forma estrutural.”
A crítica ambiental aos EUA é mais forte no Nordeste (46%) e entre idosos (43%) — regiões e faixas etárias que sofrem diretamente com secas, desertificação e falta de políticas públicas — muitas delas agravadas por decisões econômicas globais lideradas por Washington.
Um retrato da disputa entre potências
A pesquisa ouviu 2.005 pessoas, entre 15 e 19 de agosto, em todas as 27 unidades da federação. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
Os dados do Nexus apontam para uma mudança silenciosa, mas profunda, na percepção geopolítica dos brasileiros. A velha narrativa da “democracia contra ditadura” já não cola. O que importa agora é: quem respeita nossa soberania? Quem traz desenvolvimento sem amarras? Quem envelhece com previsibilidade e não com arrogância?
A China, apesar de todas as críticas ocidentais, começa a aparecer como resposta a essas perguntas. Já os EUA, mesmo com seu verniz democrático, são vistos como potência em declínio moral — que compensam sua perda de hegemonia com mais autoritarismo, mais avaliações, mais ingerência.
“O Brasil não quer escolher lados”, conclui Tokarski. “Quer escolher parcerias . E nesse jogo, a China está jogando melhor — porque entende que o mundo não é mais unipolar, e que os países do Sul Global não aceitam mais serem tratados como quintal.”
Fonte: Vermelho