O plano de socorro aos estados na pandemia do novo coronavírus opõe Ministério da Economia a governadores.
Os chefe dos Executivos estaduais tentam emplacar, com o respaldo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um pacote de alívio financeiro a curto prazo e sem contrapartidas dos mandatários.
A equipe econômica considera a proposta uma bomba fiscal de R$ 180 bilhões.
Maia, em defesa do texto, disse que “não há nada de exorbitante”, afirmou que as contas do governo não batem e que os entes federados precisam dessas medidas para enfrentar a crise.
Para ele, seriam R$ 35 bilhões em gastos para compensar as perdas de arrecadação de ICMS (imposto estadual) e ISS (municipal) mais R$ 50 bilhões para garantias a empréstimos.
Apesar de encampado por Maia, o projeto de bondades aos governadores gerou desgaste até mesmo entre os deputados, inclusive aliados do presidente da Casa.
Congressistas resistem a aprovar ações que beneficiem adversários políticos em prefeituras ou em estados de origem.
O empenho de Maia é apontado por deputados, mesmo do grupo de centro na Câmara, como uma manobra para tentar privilegiar o Rio de Janeiro. O estado aderiu ao RRF (Regime de Recuperação Fiscal) em 2017.
Fiador da agenda liberal e reformista de Guedes, o presidente da Câmara, geralmente, dita o ritmo e a pauta de votações na Casa de forma alinhada com o ministro.
Na condução do projeto de socorro aos estados na crise do coronavírus, no entanto, Maia e Guedes entraram em rota de colisão. Os dois lados —governadores e equipe econômica— acusam o oponente de oportunismo.
Em março, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atendeu demandas dos governadores e anunciou um pacote de R$ 88 bilhões para fortalecer o caixa dos estados e municípios na crise.
O auxílio incluiu recomposição da verba para fundos, renegociação de dívidas com bancos públicos e suspensão de dívidas com a União. Poucos dias depois, os mandatários estaduais pediram que o valor do socorro praticamente dobrasse.
O texto em apreciação na Câmara prevê o socorro para os entes federados sem que os governadores e os prefeitos sejam cobrados por medidas estruturantes, como redução de gastos com servidores e venda de estatais dependentes dos cofres públicos.
Antevendo uma derrota na Câmara, o governo já trabalha para barrar o novo plano no Senado. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), avaliava o projeto nesta quarta-feira (8).
Já os estados afirmam que o governo quer impor mudanças estruturais num momento em que a discussão é socorro emergencial.
Até segunda-feira (6), a ideia de Guedes e de Maia era destravar o Plano Mansueto, conjunto de ações de médio e longo prazo para ajudar na recuperação do equilíbrio financeiro de estados e municípios que adotassem medidas de ajuste fiscal.
Essa proposta, apresentada em junho do ano passado, exigia que, para ter acesso ao financiamento com garantia da União, era necessário adotar 3 de 8 medidas, como privatizar empresas dos setores financeiro, energia, de saneamento ou de gás; e reduzir em 10% os incentivos ou benefícios tributários.
O Tesouro Nacional havia reservado R$ 40 bilhões, sendo R$ 10 bilhões por ano, para dar aval a empréstimos estaduais. Governadores, no entanto, consideraram que as exigências são muito duras, o que contribuiu para o entrave do plano.
Na crise do novo coronavírus, o Ministério da Economia então apostava na aprovação rápida do Plano Mansueto —cujo nome faz referência ao secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida—, mesmo que fossem incluídas medidas de curto prazo. A estratégia falhou.
O plano emergencial, articulado por Maia, foi oficializado nesta quarta e substitui completamente o projeto original do governo. A nova versão, contestada por Guedes, atropelou o Plano Mansueto a contragosto do ministro.
“Muitos sabem que a votação do Plano Mansueto hoje [esta quarta] seria de alto risco, e muitas emendas seriam aprovadas, contaminando e prejudicando o futuro dos estados brasileiros. Essa é uma votação que facilita e unifica o Parlamento”, disse o presidente da Câmara, antes do início da sessão do plenário.
Ao longo das discussões, porém, Maia percebeu uma insatisfação crescente entre líderes partidários, o que poderia comprometer a aprovação. Decidiu, então, adiar a votação para esta quinta-feira (9).
O texto em apreciação na Câmara tem um dispositivo que, na avaliação de deputados contrários à medida, anistiaria o pagamento de valores devidos por estados em crise.
Quando o Rio de Janeiro aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal, renunciou à prerrogativa de ingressar com ações contra a União e reconheceu que teria que pagar juros. O parágrafo do plano de socorro abriria brecha para que o estado não precisasse pagar esses valores.
O projeto emergencial, de relatoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), prevê que a União pague uma recomposição do ICMS (imposto estadual) e do ISS (municipal). O custo dessa medida, estimado em cerca de R$ 40 bilhões, tem efeito no Orçamento federal.
“Toda a conta da queda de arrecadação está sendo repassada para a União, que já está com elevados compromissos no atendimento à emergência sanitária”, disse o economista Marcos Mendes, colunista da Folha.
Além disso, o texto permite que estados possam contratar empréstimos e financiamentos, limitados a 8% da receita corrente líquida do ano passado, para bancar medidas de enfrentamento ao novo coronavírus e para estabilizar a arrecadação em 2020.
Maia estimou que os estados possam contratar R$ 50 bilhões. Esse é um dos pontos mais polêmicos, na avaliação do time de Guedes.
Técnicos acreditam que o crédito, portanto, não será restrito ao combate à pandemia e poderá ser usado inclusive nos próximos anos.
O Tesouro deverá dar as garantias para essas operações de crédito, mesmo para estados com baixa condição de pagamento.
A equipe econômica calcula que a proposta tenha um impacto de R$ 180 bilhões, entre medidas primárias (bancar a queda do ICMS e ISS) e financeiras, como a suspensão do pagamento de dívidas com a União, que deve aliviar o caixa dos estados e municípios em R$ 45 bilhões.
Sem prever contrapartidas para acesso aos recursos, o governo afirma acreditar que a proposta desestimula que governadores façam a adesão futura a planos estruturantes para controle das contas públicas, como o Plano Mansueto, que precisaria ser ressuscitado por Guedes após a pandemia.
O VAIVÉM DO SOCORRO AOS ESTADOS
23.mar
Ajuda prometida soma R$ 88,2 bilhões
- Suspensão da dívida de estados com a União no valor de R$ 12,6 bilhões
- Manutenção do FPE (Fundo de Participação dos Estados) e do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) nos mesmos níveis de 2019 (complementação de R$ 16 bilhões em quatro meses)
- Destinação de R$ 8 bilhões para que estados apliquem em Saúde
- Renegociação de dívidas de estados e municípios com bancos (R$ 9,6 bilhões), assistência social (R$ 2 bilhões), operações com facilitação de créditos (R$ 40 bilhões)
8.abr
Proposta na Câmara articulada por Maia soma R$ 180 bilhões
- Cerca de R$ 35 bilhões em reposição de arrecadação de ICMS aos estados por três meses
- Compensação por ISS da ordem de R$ 5 bilhões a municípios
- Inclui R$ 45 bilhões de suspensão de pagamento da dívida com a União
- R$ 50 bilhões em empréstimos
- R$ 16 bilhões de compensação perdas do FPE e FPM
- R$ 30 bilhões com outras medidas de ajuda
Fonte: Folha de São Paulo, com informações do Ministério da Economia