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Congresso empurra com a barriga casos de Chico Rodrigues e Flordelis e sonha em ter aliado no STF

Mesmo que a opinião pública lhe ponha contra as cordas, o Congresso não cede. Os parlamentares das duas casas articulam intensamente para evitar, ou ao menos adiar, qualquer punição a um senador que foi pego escondendo 33.150 reais na cueca durante uma operação policial, Chico Rodrigues (DEM-RR), e a uma deputada federal ré sob a acusação de mandar assassinar o marido, Flordelis Souza (PSD-RJ). Nos dois casos que envolvem aliados do atual Governo, vivem em uma espécie de fio da navalha. Por um lado se inclinam ao corporativismo, protegendo seus pares diante de crimes de ampla repercussão. Por outro, querem ao menos afastar essa imagem de blindagem para não justificar o que consideram excessos do Supremo Tribunal Federal, que nos últimos anos multiplicou os casos em que interfere no destino dos mandatos do poder legislativo.

Para evitar o desgaste interno, no Senado, os parlamentares convenceram Chico Rodrigues a se licenciar por 121 dias, um prazo superior aos 90 dias de afastamento determinado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, na semana passada. A esperança é que daqui a quatro meses diminua a pressão para que ele seja punido pelo Conselho de Ética por ter escondido dinheiro entre as nádegas durante uma operação que apurava desvio em recursos públicos destinados ao combate à pandemia de covid-19 ―Rodrigues nega qualquer desvio. Já no caso de Flordelis, o movimento entre os deputados é o da inação. Também por conta do coronavírus, as comissões estão paralisadas. Assim, mesmo com um parecer da corregedoria da Casa de que o processo de cassação dela deveria prosseguir, nada acontece porque a comissão de ética dos deputados está sem funcionar desde março.

Pela legislação, cabe à Câmara e ao Senado decidirem sobre afastamentos ou cassações de seus representantes. No entanto, o STF afastar parlamentares de suas funções tornou-se algo comum nos últimos quatro anos, quando ao menos cinco deputados e senadores foram, em tese, apeados de seus cargos por decisões monocráticas. Foram eles: os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Aécio Neves (PSDB-MG), Chico Rodrigues (DEM-RR), além dos deputados Eduardo Cunha (MDB-RJ) e Wilson Santiago. Na prática, apenas Cunha ficou fora do cargo e, acabou cassado e preso mais tarde no âmbito da Operação Lava Jato. Renan descumpriu uma decisão que o afastaria da Mesa Diretora do Senado, em 2016, e acabou obtendo uma segunda decisão judicial a seu favor. No ano seguinte, Neves teve seu pedido derrubado pelo Senado, que cassou a decisão do STF. O mesmo ocorreu com Santiago em fevereiro passado, que ficou apenas dois meses longe da Câmara. Chico Rodrigues, acabou pedindo licença da função. Seu filho e primeiro suplente, Pedro Arthur Rodrigues (DEM-RR), assume o cargo.

Para o doutor em direito e professor do Instituto do Legislativo Paulista Yuri Carajelescov, algumas questões não deveriam acabar no Judiciário, sob o risco de comprometer todo o sistema democrático em que os poderes são autônomos. “O Supremo tem interferido demasiadamente em outros poderes. O que, para mim, está errado”. Para este especialista, o ideal era que o próprio Congresso tomasse a frente e decidisse por conta própria abrir um processo de punição contra Chico Rodrigues, sem precisar ser provocado pelo Judiciário. “O que está em jogo é a soberania popular.”

Para quem acompanha os meandros do poder em Brasília, os movimentos no caso de Chico Rodrigues despertaram uma sensação dúbia de autoproteção e de interferência entre os poderes. Os principais articuladores para que o processo interno esfriasse foram o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o presidente do Conselho de Ética, Jayme Campos (DEM-MT) e o principal líder do Centrão na Casa, Ciro Nogueira (PP-PI).

Além de proteger um colega e um correligionário, os senadores querem evitar qualquer embate com o Supremo em um momento-chave para Alcolumbre. O atual presidente do Senado quer que o Supremo reveja a legislação e o autorize a concorrer à reeleição para a presidência da Casa. O cálculo feito por Alcolumbre foi o seguinte: o plenário do Supremo iria referendar a decisão monocrática de Barroso. E pressionados pela polêmica do dinheiro na cueca, os senadores não se sentiriam seguros em derrubar a decisão judicial. Por isso, colocaram uma espécie de venda nos próprios olhos e fingiram que não viram as acusações contra o senador, de ampla repercussão pública. Chico Rodrigues ficará afastado até a segunda quinzena de fevereiro. Até lá, a eleição da Mesa Diretora, ou seja, a renovação da cúpula do Senado, já terá ocorrido.

“Dificilmente o Chico ia conseguir provar a origem do recurso. Sem isso, é difícil segurá-lo no cargo, por mais que vários de nós quiséssemos”, afirmou um senador governista ao EL PAÍS. Em sua defesa, Chico Rodrigues enviou mensagens a seus pares dizendo que o dinheiro apreendido em sua casa e em sua cueca era para pagar alguns de seus funcionários. Pediu para não ser condenado previamente e que tem sido massacrado, humilhado e ridicularizado.

A indicação de Kassio Nunes Marques

Um ingrediente que não foi ignorado neste momento também é a indicação que Jair Bolsonaro fez para ocupar uma vaga no Supremo. O juiz federal Kassio Nunes Marques será sabatinado nesta quarta pelos senadores da Comissão de Constituição e Justiça. A previsão é que a comissão e o plenário da Casa aprovem a sua indicação para o cargo por ampla maioria de votos no mesmo dia ou, no mais tardar, na quinta. Ao menos 44 senadores já se manifestaram a favor de sua aprovação – três a mais que o mínimo necessário—, não vendo qualquer problema nos indícios de que ele fraudou dados de seu currículo e que plagiou texto acadêmico de um amigo.

Marques teve o apoio de seu conterrâneo Ciro Nogueira, um dos principais nomes do Centrão, o bloco de centro-direita que consolidou seu apoio ao Planalto. O nome do desembargador foi levado ao presidente pelo primogênito dele, Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e pelo antigo advogado da família, Frederick Wassef. A expectativa que une o Centrão de Nogueira ao clã Bolsonaro é que Kassio Nunes Marques se alie ao bloco do Supremo que enxerga “excessos” e demonização da política em ações da Lava Jato e congêneres. Já Jair Bolsonaro sonhava em ver ficar nas mãos do provável novo magistrado o caso que investiga se ele interferiu na Polícia Federal, uma ação motivada pelas acusações de seu ex-ministro Sérgio Moro ―o tema estava na mão do decano Celso de Mello, vaga que ele assume. Essa esperança, no entanto, acabou nesta quarta. Atendendo a um pedido de Moro, o presidente da Corte, Luiz Fux, anunciou que o caso envolvendo o presidente seria redistribuído, isto é, haveria um sorteio para ver quem seria assumir o processo. O nome sorteado foi o do ministro Alexandre de Morais, que também conduz o processo que envolvem notícias falsas e manifestações golpistas contra o Supremo.

Fonte: El País

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