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Consequências da abolição inacabada ainda permanecem na vida das pessoas negras

Após 137 anos da assinatura da Lei Áurea, negros ainda carregam sequelas de quase 400 anos de escravidão. Uma dessas sequelas é a escala de trabalho 6×1

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O regime da escravidão, que perdurou no Brasil por quase 400 anos e trouxe à força cerca de 5 milhões de negros e negras da África, deixou sequelas profundas em nosso país. A abolição inacabada, que nesta terça-feira (13) completa 137 anos, deixou a população negra à margem – sem acesso à educação, moradia, saúde e trabalho decente.

Ainda nos dias atuais, pessoas negras carregam as consequências desse processo inconcluso. Durante quase quatro décadas, homens negros e mulheres negras foram escravizados, sustentando, assim, a economia brasileira do período colonial nas lavouras e na manutenção de todas as atividades rentáveis desse período. Em 13 de maio de 1888 foi, formalmente, abolida a escravidão no Brasil por meio da Lei 3.353, conhecida como Lei Áurea.

Após a abolição da escravatura, os negros foram deixados à própria sorte, pois não houve uma política que atendesse às necessidades do povo, agora livre. Nesse contexto, surgiram os Movimentos Negros que reivindicavam representatividade nas instâncias políticas, melhores condições de vida. O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão.

Durante a escravidão, os trabalhadores escravizados eram forçados a trabalhar praticamente todos os dias da semana, com jornadas longas e exaustivas. A lógica era extrair o máximo de produtividade possível, sem se preocupar com o bem-estar do trabalhador — já que ele era tratado como propriedade.

Escala 6×1 como consequência da abolição inacabada

As consequências desse processo inconcluso permanecem ainda na vida da maioria das pessoas negras pela ausência de condições dignas de vida. Uma dessas sequelas é a escala de trabalho 6×1 (seis dias de trabalho para um de descanso) que é frequentemente criticada por ser um resquício de uma lógica produtiva que tem raízes no período da escravidão, especialmente no Brasil.

“O debate sobre o fim da escala 6X1 recupera o fato inexorável de que o mundo do trabalho, no Brasil, nasceu do ventre do modo de produção escravista”, diz a doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Adriana Moreira, alertando que as relações sociais do trabalho se forjaram e se perpetuaram tal e qual no modelo da escravidão.

Ela concorda que de fato, houve a abolição jurídica da escravidão e a instituição do trabalho formal no país, entretanto, a maneira com a sociedade brasileira se relaciona com a ideia do trabalho permanece como no modo escravista.

Adriana cita como exemplo o direito de maternar que era negado às mulheres escravizadas que trabalhavam sem descanso, e muitas vezes, ofertavam seu leite para os filhos dos senhores de engenho.

“Com a abolição jurídica da escravidão, mulheres de forma geral e, em particular, a mulheres negras, continuam tendo seu direito de maternar negado na jornada 6X1, que nega o direito de amamentar seus filhos, numa jornada exaustiva de trabalho fora de casa com o trabalho reprodutivo em seus lares”, completa a doutora.

Embora formalmente regulada e legalizada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a escala 6×1 ainda carrega a mentalidade de maximização da produtividade com descanso mínimo.

Desigualdade estrutural

A manutenção de escalas exaustivas como a 6×1 afeta principalmente as classes trabalhadoras mais pobres, que em sua maioria são compostas por pessoas negras — os descendentes diretos dos escravizados. Isso perpetua desigualdades raciais e sociais históricas.

Para Júlia Nogueira, secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT, a maioria dos trabalhadores nessa escala são pessoas negras, especialmente mulheres, e em setores com condições precárias e remuneração baixa.

“As pessoas negras foram historicamente sujeitas a jornadas de trabalho exaustivas e extensas. Além disso é vista por muitos como “preparada” para o trabalho braçal e extenuante, sem direito ao descanso”.

Mesmo após a abolição da escravidão, muitas práticas de trabalho continuaram a mesma, apenas com adaptações. A escala 6×1, regulamentada no século XX, reflete essa tentativa de “modernizar” o sistema sem romper de fato com os padrões opressivos do passado.

Um único dia de folga semanal não permite ao trabalhador um descanso completo e adequado, considerando deslocamento, obrigações domésticas e cuidados familiares. Isso é criticado como desumano ou excessivo, especialmente em contextos de atividades físicas ou mentais intensas.

É fundamental para desmistificar a naturalização do trabalho excessivo e reconhecer o direito ao descanso, lazer, a educação e a vida em família como um direito humano fundamental. Temos que trabalhar para viver e não adoecer e morrer de tanto trabalhar

– Júlia Nogueira

Adriana Moreira afirma que acabar com a jornada 6X1 significa mais um passo que o país pode dar (no sentido destituir a centralidade do modo de produção escravista da sociedade brasileira).

“Reconhecer a dimensão de que a vida das pessoas, sobretudo das mais pobres, das pessoas negras, está para além do tempo da produção para o mercado de trabalho, estabelece um avanço de dimensão civilizatória para a sociedade brasileira”, finaliza.

Por que a abolição é considerada “inacabada”?

Falta de políticas públicas pós-abolição

Nenhuma medida foi tomada para incluir os ex-escravizados na sociedade:

  • Sem reforma agrária.
  • Sem acesso à educação.
  • Sem indenização.

Foram deixados à própria sorte, muitas vezes indo para favelas ou voltando ao trabalho informal em condições precárias.

Racismo estrutural

A ideologia de inferioridade negra permaneceu.

A exclusão sistemática se converteu em racismo estrutural, visível até hoje em:

  • Violência policial.
  • Disparidades no mercado de trabalho.
  • Sub-representação política.

Desigualdade social histórica

A abolição não rompeu a concentração de terras e riquezas herdada do período escravista.

A elite branca manteve seus privilégios, enquanto a população negra foi marginalizada economicamente.

Ausência de reconhecimento histórico

A narrativa oficial sobre a abolição muitas vezes omite a luta dos próprios negros (quilombos, revoltas, abolicionistas negros).

A princesa Isabel é muitas vezes exaltada isoladamente, apagando o protagonismo dos movimentos negros.

Fonte: Cut

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