Com lucro recorde e redução de despesas durante a crise sanitária, instituições recorrem para não pagar indenizações
Bancos privados que atuam no Brasil são alvos de ações judiciais que questionam o descumprimento do compromisso público de não demitir trabalhadores durante a pandemia de covid-19.
Em meio à crise sanitária, os bancos reduziram despesas, tiveram lucro recorde e, ainda assim, fecharam cerca de 12 mil postos de trabalho no período, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Em um ano, Bradesco, Caixa e Banco do Brasil fecharam juntos 16.439 postos de trabalho. A defasagem para o dado anterior deve-se ao fato de que, em bancos como o Itaú, houve reposição de vagas em outros setores, como tecnologia da informação, “amenizando” o balanço final.
“O Bradesco responde por praticamente 60% do fechamento de vagas em 12 meses”, observa Vivian Machado, mestre em Economia Política e técnica do Dieese, na subseção da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF-CUT).
A sentença judicial mais importante até o momento foi contra o banco espanhol Santander, em 3 de agosto. O juiz Jeronimo Azambuja Franco Neto, da 60ª Vara do Trabalho de São Paulo, condenou a instituição em R$ 50 milhões por danos morais, em ação aberta pelo Sindicato dos Empregados Estabelecimentos Bancários São Paulo.
Além da demissão de 3.220 trabalhadores na pandemia, considerou-se que o Santander perseguiu dirigentes sindicais.
O banco espanhol recorreu, e a indenização está suspensa até o julgamento do recurso. Se a condenação for confirmada, os R$ 50 milhões irão para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, destinado a reparar danos à sociedade como um todo.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Santander para comentar o caso, mas não houve retorno até o fechamento da matéria.
A promessa
Assim que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou o início da pandemia, o Comando Nacional dos Bancários, que representa os trabalhadores da categoria, apresentou uma lista de demandas à Federação Nacional dos Bancos (Fenaban).
“A gente solicitou uma reunião e cobrou da Fenaban que, primeiro, isolasse as pessoas de grupos de risco, que não podiam trabalhar presencialmente. Pedimos também EPIs – álcool em gel, máscaras –, que houvesse rodízio nas agências, uma série de reivindicações”, explica Neiva Ribeiro, secretária geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.
“Dos bancos privados, um dos compromissos que a gente conseguiu era que não haveria demissões naquele período. Eles fizeram compromisso público, chamaram a imprensa, disseram que estavam fazendo a parte deles”, completa.
No primeiro semestre de 2020, os bancos usaram diferentes canais de comunicação para propagandear essa promessa.
“O Bradesco faz parte do ‘Não Demita’, um movimento para evitar a demissão de milhares de pessoas nesse momento de quarentena. É nosso dever, como um dos maiores bancos brasileiros, cuidar das pessoas que nos ajudam diariamente”, escreveu o Bradesco em suas redes sociais.
Na demonstração financeira publicada em abril, o Santander – que também aderiu ao ‘Não Demita’ – informou que “devido ao contexto atual da covid-19, o Santander firmou o compromisso de não demitir funcionários durante a crise.”
A promessa durou até julho de 2020. Foi quando Santander, Itaú e Bradesco, respectivamente, começaram a demitir.
O Dieese trabalha com estimativas a partir de dados informados pelos próprios bancos, uma vez que, desde a reforma trabalhista, as homologações não são feitas nos sindicatos.
Santander e Bradesco teriam fechado 10.933 postos de trabalho entre julho de 2020 e março de 2021. O Itaú foi o único dos grandes bancos privados que aumentou o número de funcionários, com 1,8 mil postos de trabalho a mais – resultado da incorporação de uma empresa de tecnologia.
Rotatividade
Presidenta da CONTRAF-CUT, Juvandia Moreira lembra que a “Mesa Covid”, envolvendo representantes dos trabalhadores e dos bancos, resultou em um compromisso verbal para manutenção do emprego.
“O Santander começou a demitir em julho. O Itaú, no final de agosto, e o Bradesco, em outubro. A desculpa deles era que ninguém sabia quanto tempo iria durar a pandemia, e que não se tratava de um acordo coletivo, mas apenas de um compromisso”, conta.
“Na nossa visão, eles teriam condições de manter os empregos, com certeza. É só ver os lucros dos bancos no período. Não tem justificativa”, enfatiza Moreira.
De setembro de 2020 a agosto de 2021, os bancos cortaram 9.165 postos de trabalho.
“Este ano, houve 27.642 contratações e 26.194 desligamentos até agosto. O saldo está positivo, mas só por causa da Caixa. Quando se analisa só Itaú, Santander, Bradesco e os que aposentaram do BB, temos um saldo negativo de 1.401 postos”, explica a presidenta da CONTRAF-CUT.
“O número de demissões e admissões é alto, o que mostra que eles fazem rotatividade, para reduzir o custo. Ou seja, demitem quem tem salário maior e contratam, no lugar, pessoas com salários menores.”
Mais lucro, menos despesa
Em plena migração para o formato digital, bancos privados fecharam ao menos 1.647 agências desde março de 2020.
“Eles aproveitaram a pandemia para fazer ajustes internos”, relata a sindicalista Neiva Ribeiro, trabalhadora do Bradesco.
No 1º trimestre de 2020, houve queda nos balanços, mas não por problemas na atividade financeira. Diante de um cenário imprevisível, com a pandemia decretada, os bancos elevaram o provisionamento, temendo uma explosão da inadimplência – não pagamento de empréstimos e outros compromissos.
Provisionamentos são reservas que os bancos criam para cobrir perdas futuras estimadas.
O cenário foi menos desastroso do que se imaginava, devido a planos emergenciais de crédito lançados pelo Banco Central. A inadimplência caiu, e o provisionamento excedente foi revertido, gerando crescimentos expressivos de lucros em 2021.
No primeiro semestre, o lucro dos cinco maiores – Itaú, Banco do Brasil, Caixa, Bradesco e Santander – atingiu R$ 54,7 bilhões, com alta média de 61,4% em doze meses.
O segundo trimestre de 2021 teve um dos maiores saltos da história recente do setor: 63,6% em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Um dos fatores centrais para entender o crescimento da lucratividade é a redução das despesas, por meio do fechamento de agências e da demissão de trabalhadores.
A economia estimada pelo Dieese foi de R$ 766 milhões, entre água, luz, gás, materiais, vigilância e transporte.
“Não é justo socialmente, enquanto concessões públicas, eles estarem cada vez mais demitindo, fechando postos de trabalho, especialmente em um momento delicado como esse”, afirma Vivian Machado, técnica do Dieese, em entrevista ao Brasil de Fato.
“Os bancos alegam que estão digitalizando tudo porque é interesse do cliente, mas tem muita gente que precisa da agência. Se não tivesse essa procura, as lotéricas e a Caixa Econômica não estariam sempre cheias.”
Outros processos
A maioria dos processos contra bancos que demitiram na pandemia foram abertos individualmente por trabalhadores.
O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, por exemplo, não entrou com ação coletiva com esse objeto. O tema é apenas mencionado em ações referentes às alterações feitas pelo Banco do Brasil e à prática “antissindical” do Santander.
Parte significativa das ações individuais se concentram no Rio de Janeiro, ainda sem sentença definitiva.
Conforme levantamento do portal JOTA, a Justiça do Trabalho tem considerado, na maior parte dos casos, que as dispensas feitas por empresas que aderiram ao movimento “Não Demita” são ilegais. O portal identificou ao menos 15 ações referentes ao tema em Tribunais Regionais do Trabalho da 1ª (TRT1) e 2ª Regiões (TRT2).
Duas decisões do TRT1, por exemplo, ordenaram a reintegração de trabalhadores demitido pelo Bradesco, alegando violação do princípio da boa-fé objetiva, expresso no artigo 422 do Código Civil.
O banco alega que “não se imaginava que a pandemia tivesse a duração e os efeitos deletérios que até o momento perduram.”
A sindicalista Neiva Ribeiro espera que as decisões sejam confirmadas por tribunais superiores, formando jurisprudência e garantindo direitos a todos que foram demitidos em meio à crise sanitária.
“Como a nossa economia vai reaquecer sem emprego, sem crédito? As pessoas estão comendo pé de galinha como se fosse filé, e os bancos vão fazer o quê com todo esse dinheiro?”, questiona a sindicalista Neiva Ribeiro.
“As ações estão pipocando, e a gente espera que logo se crie jurisprudência. Os bancos precisam entender que o melhor caminho para ter uma economia forte, uma democracia forte, é com sindicatos fortes também. Precisamos fazer acordos que sejam bons para a sociedade como um todo, e não só para eles, se não eles vão ter que responder por anos na Justiça”, finaliza.
Juvandia Moreira, presidenta da CONTRAF-CUT, concorda que o caminho prioritário deve ser o negocial.
“Se a gente não tivesse negociado esse compromisso, os trabalhadores teriam sido demitidos antes. Os acordos têm que valer, os bancos têm que cumprir. É isso que a gente cobra deles. Porque eles não falaram ‘não vamos demitir durante quatro meses’. Falaram que não iriam demitir na pandemia”, observa.
“Os sindicatos estão recorrendo à Justiça para buscar o cumprimento do acordo. São iniciativas importantes. Já fizemos outros acordos verbais que eles [bancos] cumpriram. Se eles tivessem nos avisado antes que estavam planejando demitir, a gente poderia ter negociado. O problema, além da falta de justificativa para essas demissões, é não avisar e criar uma desconfiança para as próximas mesas de negociação”, completa.
Outro lado
O Brasil de Fato apresentou as críticas e questionamentos à Fenaban, à Federação Brasileira de Bancos (Febraban), ao Bradesco e ao Santander.
A Febraban respondeu por meio de nota. Confira:
“A Federação Nacional dos Bancos não negociou ou assinou nenhum acordo setorial sindical para a não realização de desligamentos durante a pandemia. A rotatividade de trabalhadores do setor bancário é tradicionalmente cerca de 3 vezes menor do que a média nacional. Os bancos se valem dos desligamentos voluntários, como pedidos de demissão, PDVs e aposentadorias, para adequar sua estrutura à nova realidade do mercado.
E o crescimento das operações digitais não tem como consequência a redução do número de pessoas que atuam no setor, pelo contrário. O avanço dos serviços digitais tem levado as instituições financeiras a contratar um grande volume de profissionais, especialmente em áreas como TI e segurança contra fraudes digitais, por exemplo.”
O Bradesco disse que não vai comentar o assunto. Os demais não responderam até o fechamento da reportagem.
Fonte: Brasil de Fato