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Dois únicos técnicos negros do Brasileirão escancaram o racismo: “Negar e silenciar é confirmá-lo”

“Eu sei o que estou representando, como técnico do Fluminense, para as pessoas da nossa cor”, afirmou Marcão às vésperas do jogo no Maracanã. “Temos outros negros com capacidade para trabalhar no futebol, mas, muitas vezes, o que falta é oportunidade. Estou aqui porque eu me preparei e quero contribuir para que mais profissionais capacitados recebam essa chance de mostrar seu potencial.”

Enquanto Marcão, 47, ex-auxiliar, foi efetivado no comando do Fluminense após a demissão de Oswaldo de Oliveira, Roger Machado, 44, já havia tido experiências como treinador de clube grande no Grêmio, Atlético Mineiro e Palmeiras antes de chegar ao Bahia, em abril. Apesar do prestígio no mercado, ele faz questão de se posicionar sobre a discriminação racial em postos privilegiados de trabalho.

“Negar e silenciar é confirmar o racismo”, disse o técnico durante uma contundente entrevista coletiva depois da derrota de seu time para o Fluminense. “Minha posição como negro na elite do futebol condiz com isso. O maior preconceito que eu senti não foi de injúria. Eu sinto que há racismo quando eu vou ao restaurante e só tem eu de negro. Na faculdade que eu fiz, só tinha eu de negro. Isso é a prova para mim. Mas, mesmo assim, rapidamente, quando a gente fala isso, ainda tentam dizer: ‘Não há racismo, está vendo? Vocês está aqui’. Não, eu sou a prova de que há racismo porque eu estou aqui.”

Para Roger, a escassez de técnicos negros no futebol reflete o racismo estrutural da sociedade. Além dele e Marcão, apenas Hemerson Maria, do Botafogo-SP, figura como negro em função de comando entre 40 clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro. “A gente tem mais de 50% da população negra e a proporcionalidade [entre treinadores] não é igual. Temos de refletir e questionar. Se não há preconceito no Brasil, por que os negros têm o nível de escolaridade menor que o dos brancos? Por que 70% da população carcerária é negra? Por que quem morre são os jovens negros no Brasil? Por que os menores salários, entre negros e brancos, são para os negros? Entre as mulheres negras e brancas, são para as negras? Por que, entre as mulheres, quem mais morre são as mulheres negras? Há diversos tipos de preconceito. Se não há preconceito, qual a resposta? Para mim, nós vivemos um preconceito estrutural, institucionalizado.”

Desde que pendurou as chuteiras e começou a se preparar para virar técnico, Roger Machado nunca se omitiu de falar sobre racismo. No entanto, seus posicionamentos mais marcantes, como o discurso no Maracanã, coincidem com a chegada ao Bahia, clube pioneiro no país ao criar um núcleo de ações afirmativas e que levanta a bandeira, em diversas campanhas de responsabilidade social, contra a discriminação étnica, de raça e de gênero.

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“Acreditamos por muito tempo no mito da democracia racial. Quando eu respondo para as pessoas dizendo que eu não sofri preconceito diretamente, a ofensa, a injúria, é só o sintoma dessa grande causa social que nós temos”, contou, cobrando do Governo para que as políticas de reparação em favor dos negros não amarguem retrocessos. “A responsabilidade é de todos nós, mas a culpa desse atraso, depois de 388 anos de escravidão, é do Estado, porque é através dele que as políticas públicas, que nos últimos 15 anos foram instituídas, que resgataram a autoestima dessas populações que ao longo de muitos anos tiveram negadas assistências básicas, estão sendo retiradas neste momento.”

Roger Machado ainda contextualizou a falta de negros no alto escalão do futebol com a história mal resolvida do país diante das consequências da escravatura e da colonização. “A bem da verdade é que 10 milhões de indivíduos foram escravizados. Mais de 25 gerações. Passou pelo Brasil Colônia, pelo Império e só mascarou no Brasil República. Esses casos que vêm aumentado agora, de feminicídio, homofobia e preconceito racial, mostram que a estrutura social é racista. Ela sempre foi racista.”

No desfecho de seu tocante relato, Roger criticou correntes que apontam para uma ideia de racismo às avessas, como se os negros fossem culpados por questionar os padrões racistas que os afligem. “Nós temos um sistema de crenças e regras que é estabelecido pelo poder: o poder do Estado, o poder da Igreja, o poder das comunicações. Quando esses poderes não enxergam ou não querem assumir que o racismo existiu e não querem fazer uma correção nesse curso, muitas vezes dizem que estamos nos vitimizando, ou que há um racismo reverso. É por isso que o futebol, diferentemente de outras áreas da nossa sociedade, nos torna um pouco mais brancos. E faz com que sejamos bem aceitos.”

Marcelo Carvalho, pesquisador e mentor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, se emocionou ao comentar a satisfação de ver o encontro entre os dois treinadores, vestindo a camisa da única organização que se dedica a estudar o preconceito no ambiente do esporte. “Não tenho palavras pelo que aconteceu. E a emoção foi completa pela entrevista coletiva do Roger. Que sigamos na luta e que outras vozes se levantem.”

Fonte: El País

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