Há muitos direitos em jogo que podem se perder com a dupla Temer-Cunha no poder; saída é a tomada de consciência e a mobilização.
Por Maria Rita Serrano
A aprovação da abertura de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff pelos deputados federais, na noite de 17 de abril, dá início a um processo de mudanças que pode ter como consequências a perda de direitos duramente conquistados após os anos de ditadura civil-militar. São direitos em várias áreas – humanas, trabalhistas, civis -, muitos deles resultantes da Carta de 1988, a chamada Constituição-cidadã. Outros, ainda, frutos da livre organização das categorias em seus sindicatos, estabelecidos em acordos e convenções coletivas.
Durante os anos de Lula e Dilma na presidência não foram apenas os programas sociais que impulsionaram o desenvolvimento do País. Ao contrário dos anos FHC, quando os movimentos sindical e social foram tratados como caso de polícia (exemplos claros são o Exército invadindo a Petrobras para acabar com a greve ou o massacre de Eldorado dos Carajás), os governos populares de Lula e Dilma abriram canais de conversa com as entidades representativas dos trabalhadores e valorizaram a negociação.
Nos bancos públicos esse avanço foi ainda mais visível, com a garantia da representação sindical finalmente respeitada. Com ela veio o fim de normativas estapafúrdias na Caixa, como a que permitia a dispensa imotivada, a unificação da campanha salarial com os bancos privados e a garantia da presença de representantes dos trabalhadores nos conselhos de administração e nos fundos de pensão, com eleição direta e gestão paritária. A categoria bancária, de modo geral, recebeu aumento real em todas as campanhas nacionais unificadas desde 2004 e, a cada ano, pode garantir acordos melhores para a Participação nos Lucros e Resultados, entre outras cláusulas sociais. Toda essa evolução, porém, corre agora o risco de estagnação ou, pior ainda, de retrocesso.
Se a dupla Temer-Cunha der as cartas, o plano de governo Ponte para o Futuro, do PMDB, entra em ação. Entre outras premissas, ele estabelece a aposentadoria mais distante, com aumento da idade mínima, e a desvalorização do salário mínimo, além de colocar as leis trabalhistas em segundo plano. Fere de morte as empresas estatais, já que se propõe a “executar política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada (…), concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura (…), retorno a regime de concessões na área de petróleo”. E acaba de vez com os programas sociais, que “serão avaliados por comitê independente, que poderá sugerir a continuação ou fim do programa”.
O cenário fica ainda mais ruim para os trabalhadores quando se sabe que há pelo menos 55 projetos tramitando hoje no Congresso Nacional que podem resultar na perda de direitos. A análise foi feita pelo Diap, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Como já se viu, as forças conservadoras são hoje dominantes no Congresso, e a possibilidade de que muitos desses projetos sejam aprovados cresce junto com a possibilidade do impeachment da presidenta. Entre essas chamadas ´pautas-bomba´ está a terceirização sem limites, inclusive na atividade-fim, o que decretará o fim de milhares de empregos, e novas regras para os fundos de pensão, com impedimento para que os trabalhadores sejam eleitos, e a privatização das empresas públicas.
A julgar pelo comportamento da grande imprensa, cuja cobertura foi francamente favorável à abertura do processo de impeachment, mesmo com o inaceitável recurso da manipulação editorial, os brasileiros vão passar por esse período como se estivessem frente a mudanças para melhorar suas vidas e o País. É o mesmo discurso enviesado que se faz atualmente contra os fundos de pensão, colocando a culpa dos déficits nos conselheiros eleitos pelos trabalhadores, quando a crise é de ordem conjuntural e econômica.
Por tudo isso, é preciso ficar atento, de olhos bem abertos, e não esmorecer diante das dificuldades, que certamente serão muitas neste ano, tanto na luta contra o Estatuto das Estatais (que agora se tornou o PL 4918, para votação na Câmara) quanto nas campanhas salariais. Os empresários, amparados por uma política privatista e voltada para o mercado, sem respeito à negociação e ao diálogo com os trabalhadores, vão apostar no enfraquecimento dos sindicatos e entidades representativas da sociedade. A saída será a mesma que, até agora, fez avançar o Brasil e os brasileiros: organização, mobilização e disposição para garantir e ampliar conquistas, tanto no mundo do trabalho quanto nas questões relativas à cidadania.
Maria Rita Serrano é coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Caixa, dirigente sindical da Contraf-CUT e do Sindicato dos Bancários do ABC e mestra em Administração.
Fonte: Bancários do ABC