Nessa edição, conversamos com a delegada da Polícia Civil de Barra do Choça, Gabriela Garrido, sobre assédio sexual e abusos contra a mulher.
Sabemos que o machismo ainda está longe se ser superado em nossa sociedade e que com as crises econômicas e políticas, a violência e abusos contra as mulheres se intensificam ainda mais. Neste cenário, o que é compreendido pela Justiça enquanto assédio sexual?
O crime de assédio sexual consiste no fato do agente “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” (CP, art. 216-A, caput). Assim temos um crime definido em lei. Observe-se que o ordenamento jurídico possui outros tipos penais que descrevem crimes de natureza notadamente sexual, é uma seara bastante ampla. São três os elementos que integram o delito: (1) a conduta de constranger alguém; (2) com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual; (3) devendo o agente prevalecer-se de sua condição de superior hierárquico ou de ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função.
A dificuldade das trabalhadoras em denunciar o assédio sexual gira em torno das necessidades de provas materiais do crime. De que forma as vítimas conseguiriam avançar na denúncia?
Os requisitos são os mesmos que ocorrem para se provar assédio moral e geralmente dependem de prova testemunhal. Você pode comprovar assédio sexual apresentando depoimento de testemunhas, documentos, gravações, emails, por exemplo. Os tribunais consideram legítimas as gravações telefônicas por um dos interlocutores, ainda que feitas sem o conhecimento da outra parte; cópias de correspondências eletrônicas; bilhetes; presentes e relatos de testemunhas. Embora não seja imprescindível, o Boletim de Ocorrência é prova recomendável no âmbito civil e trabalhista.
Temos visto exemplos de ataques públicos onde, mesmo com provas, os agressores são liberados por conta do entendimento que não houve violência. Como a Sra. avalia decisões como essas? Quanto às decisões o problema não é a Lei, mas o próprio fato dos aplicadores da Lei interpretarem com sua própria visão de mundo os eventos examinados. Veja só o artigo 213 do código penal que define o estupro versa o seguinte: “Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Aí nós pegamos o simples significado das palavras, pegando o caso mais recente que é o do molestador do ônibus. Para o homem médio ejacular é ato libidinoso? Logicamente sim. E constranger significa embaraçar, tolher, coagir, obrigar pela força, insatisfação, desagrado, acanhamento. Então se eu estou indo para o meu trabalho e um homem se masturba e ejacula em mim, sem a minha conivência ou permissão, temos estupro, salvo melhor juízo. Aí eu te pergunto: é necessário que 17 mulheres passem por isso para que a nossa Justiça perceba isso? Um juiz sabe o que andar num ônibus lotado, com alguém se esfregando, mas, pela absoluta falta de espaço você não consegue trocar de lugar? É preciso que a Justiça, para que alcance sua finalidade, se aproxime da realidade e que o julgador tenha alguma empatia. Alguns vão falar: o cara é um doente. Concordo plenamente. Mas isso não exime o estado de sua responsabilidade, pois existem medidas de segurança para pessoas com problemas mentais.
O que precisaria mudar na legislação para que se tornasse mais efetiva as denúncias e condenações de assédio sexual?
A legislação é moderna e adequada. Falta sua aplicação e a existência de profissionais – como psicólogos, assistentes sociais – nas delegacias a fim de que as denúncias sejam melhor embasadas e as vítimas se sintam mais apoiadas.
Como podemos avançar no sentido de modificar os comportamentos sociais que favorecem a cultura do assédio e violência contra a mulher em nossa sociedade?
A cultura machista, onde a mulher é vista como objeto de satisfação do homem perpetua casos de assédio e violência. Apenas com políticas públicas efetivas, que promovam uma visão de igualdade de gênero, poderemos corrigir o problema a longo e médio prazo.
As opiniões expressas na entrevista não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.