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Emprego informal dobra e ‘ioiô’ na renda empobrece brasileiro

Projeto no Senado prevê seguro contra perdas e especialistas defendem cadastrar vulneráveis

O ritmo na criação de empregos informais dobrou no Brasil nos últimos seis anos e tem sido a principal marca da medíocre recuperação econômica desde 2017. De um total de 89 milhões de ocupados, 36,3 milhões são informais.

Eles representam hoje 4 em cada 10 ocupados, segundo o IBGE. Sem nenhuma proteção trabalhista, são informais os sem carteira (no setor privado e doméstico) e os sem CNPJ (empregadores ou empregados por conta própria).

Nos últimos anos, milhões de brasileiros que estudaram mais visando aumentar a renda acabaram na informalidade, subutilizados ou desempregados. Apesar do aumento de 27% nos anos de estudo na metade mais pobre do país, sua renda caiu 26,2% em dez anos, segundo a FGV Social.

Quase 32 milhões de brasileiros trabalham menos do que gostariam ou estão desocupados. Os desempregados equivalem à população combinada de São Paulo e Curitiba (14,1 milhões). Entre eles, há quase 4 milhões que não encontram oportunidades há mais de dois anos —o dobro em relação ao início de 2016.

Movimento na praça do relógio São Pedro, em Salvador, com forte presença de comerciantes informais – Raul Spinassé – 22.jan.2020/Folhapress

Nesse caso, o prognóstico é muito negativo para o aumento da produtividade da economia via capital humano, pois esses trabalhadores tendem a se desatualizar e ter dificuldades de readaptação à frente.

Embora a economia deva recuperar neste ano o terreno perdido em 2020, o emprego informal deve seguir predominando, pois não haverá crescimento adicional significativo.

O Brasil registra desde 2014 recorrentes déficits primários, com as despesas do governo federal ultrapassando as receitas (sem contar juros). Isso levou ao abrupto aumento da dívida pública (hoje 82,7% do PIB) e a forte retração empresarial. Desde 2015, o PIB cresce pouco ou encolhe.

Nos anos 2000, quando havia superávits para controlar a dívida, a economia cresceu 3,7%, em média —com recordes na formalização de empregos.

Hoje, no entanto, a ocupação avança mais em setores tipicamente informais e pior remunerados —como construção, agricultura e serviços domésticos, além dos conta própria sem CNPJ. E quanto mais pobre o trabalhador, maior sua prevalência na informalidade.

Dificultando a aceleração da economia por serem menos produtivas, as vagas informais expõem cada vez mais trabalhadores a um entra e sai do mercado, com altos e baixos na renda entre períodos de atividade e desocupação —numa espécie de “ioiô” que alterna trabalhos mal remunerados e pobreza.

Segundo especialistas, o aumento da informalidade —que pode vir a se tornar estrutural com as transformações no mercado, a “economia dos aplicativos” e o baixo crescimento— exige políticas de proteção a essa parcela da força de trabalho.

Os programas de auxílio a desempregados cobrem apenas trabalhadores formais, que têm direito ao seguro desemprego e ao FGTS. Mesmo os pior remunerados (até dois salários mínimos) recebem um abono salarial equivalente a até um salário mínimo por ano; e podem se aposentar pelo INSS.

Entre os informais, com a exceção dos meses de pandemia em 2020 e 2021, quando receberam parcelas decrescentes (em valor e total de beneficiários) do auxílio emergencial, inexiste rede de proteção aos que trabalham e perdem renda abruptamente.

Em 2020, quando o PIB encolheu 4,1% e a renda dos informais despencou 16,5%, eles puderam contar com o auxílio emergencial. Na recessão de 2015-2016, não houve proteção, apesar de o PIB ter encolhido 7,2%.

Naquele biênio recessivo, a taxa de pobreza extrema (renda domiciliar per capita inferior a R$ 261/mês, segundo critério da FGV Social) chegou aos dois dígitos e é hoje a maior em uma década (13%, ou 27,4 milhões de pessoas; equivalente a quase uma Venezuela).

“Nos últimos episódios de volatilidade, que têm sido a característica da economia, muitos dos informais de baixa renda acabaram escorregando para a miséria. São crises temporárias que têm causado cicatrizes permanentes”, diz Fernando Veloso, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

O economista afirma que esse cenário de volatilidade recorrente e aumento das ocupações sem carteira provoca “vulnerabilidade estrutural” entre os informais —e requer medidas para protegê-los.

Patrocinados pelo CDPP (Centro de Debates de Políticas Públicas), Veloso e outros quatro especialistas apresentaram ao Congresso no ano passado proposta para a criação de uma espécie de seguro para proteger os informais em momentos de perda acentuada de renda.

O plano previa a diferenciação entre os que não conseguem obter renda alguma, que continuariam em um tipo de Bolsa Família ampliado e mais focalizado, e os informais, que sofrem com a oscilação de seus rendimentos e que teriam acesso ao seguro.

Para se tornar viável, sem custos adicionais, o Programa de Responsabilidade Social prevê a junção e revisão de programas existentes, como Bolsa Família, o abono salarial, o salário-família (ambos dirigidos a trabalhadores formais) e o seguro-defeso.

Para os informais, haveria a criação de um seguro custeado pelo governo, acionado em momentos de perda de renda.

Considerando dados do Cadastro Único, sistema nacional de informações para fins de inclusão em programas sociais, a expectativa do seguro seria cobrir 12,5 milhões de famílias, a partir de depósitos médios mensais de R$ 39 —a um custo anual de R$ 5,8 bilhões na proposta original.

Para efeito de comparação, só o abono salarial tem orçamento de R$ 21 bilhões para 2022.

A proposta foi encampada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) no Projeto de Lei 5.343/2020 (Lei de Responsabilidade Social). Agora, tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado com algumas modificações nas fontes de financiamento, que incluem dinheiro de emendas parlamentares e outros recursos. O abono-salarial não seria extinto, mas reformulado.

O projeto de lei também cria metas para os três primeiros anos de vigência do programa: reduzir a pobreza (considerando renda mensal per capita abaixo de R$ 250) de 12% para 10% da população; e a pobreza extrema (renda menor que R$ 120) de 4% para 2%.

“A ideia geral foi emular algumas das proteções existentes para os trabalhadores formais e concedê-las também aos informais”, diz Vinicius Botelho, outro autor do projeto.

“O mundo e o Brasil estão migrando para o trabalho informal. No caso brasileiro, infelizmente, muitos desses trabalhadores mais pobres estão se tornando miseráveis.”

No segundo trimestre de 2021, a proporção de domicílios sem renda do trabalho foi estimada em 28,5% —quase três em cada dez. Isso significa que 46 milhões de pessoas viviam em residências sem dinheiro obtido por meio de atividades profissionais, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

No final de 2019, antes da pandemia, a proporção era menor, de 23,5%, o equivalente a 36,5 milhões.

Os economistas Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado, do Insper, defendem a ampliação do Cadastro Único para que haja detalhamento maior do perfil dos informais, a fim de adotar políticas mais focalizadas.

“Sabemos muito bem quantos eles são, mas não temos nenhum cadastro nominal que permita identificar onde vivem, em quais empresas trabalham, quais clientes atendem e as necessidades de cada um”, afirmam.

Eles projetam que o custo de inclusão e da gestão da informação no Cadastro Único ficaria abaixo de R$ 30 por família.

“Se a meta for manter informações atualizadas para os 10% mais vulneráveis da população, ou cerca de sete milhões de famílias, o custo anual desse sistema seria da ordem de R$ 200 milhões, uma parcela minúscula [0,01%] do gasto público social [estimado em cerca de 25% do PIB]”.

A sugestão dos economistas é que o avanço na identificação e no atendimento seja feito por meio da ampla capacidade já instalada nos Cras (Centros de Referência de Assistência Social) e Creas (Centros de Referência Especializados de Assistência Social), com 10 mil unidades no país.

O Brasil conta ainda com outros 15 mil centros para o acolhimento (diário ou de longa duração) de famílias vulneráveis, que poderiam auxiliar no cadastramento e acompanhamento dessas famílias.

“Hoje, ofertamos uma quantidade relativamente pequena de recursos a uma quantidade muito grande de pessoas que não conseguem superar a situação de pobreza ou extrema pobreza”, afirma Muller Machado. “É um problema de ‘matching’. Temos os recursos, mas não conseguimos identificar e chegar a essas pessoas.”

Responsável pela implantação do Cadastro Único no Brasil, a ex-secretária de Estado de Assistência Social no governo FHC (1995-2002), Wanda Engel, também defende que os Cras e Creas sejam usados para ampliar a identificação e o acompanhamento dos mais vulneráveis.

“É fundamental conter o movimento ‘ioiô’, e essas unidades [Cras e Creas] deveriam ser usadas em buscas ativas para o cadastramento. Os mais vulneráveis precisam de tratamento ‘VIP’, de uma espécie de ‘cartão diamante’ para que tenham prioridade no acesso aos serviços públicos”, afirma.

Segundo o último Censo (2010), 95% dos municípios tinham Cras ou Creas ativos, o que confere cobertura nacional ao sistema. “Mas, em muitos casos, a assistência social nas cidades é relegada a segundo plano, normalmente gerenciada pela mulher do prefeito, não por profissionais da área”, afirma Engel.

Em sua opinião, a prioridade no atendimento dessas unidades deveria ser para mulheres com filhos pequenos, que precisem sobretudo de acompanhamento escolar.

“É inadmissível que crianças prossigam na trajetória escolar sem estarem alfabetizadas, o que é frequente. Quando jovens, elas vão acabar abandonando a escola e constituindo outras famílias pobres. Essa é a grande armadilha da pobreza”, afirma.

Fonte: Folha de São Paulo

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