Entidades médicas preparam medidas judiciais para obrigar o Ministério da Saúde a retirar de seu site na internet as orientações para que profissionais de saúde administrem precocemente cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes com coronavírus.
Os médicos afirmam que o fato de a orientação existir formalmente dará margem à população para exigir o uso dos medicamentos mesmo quando a avaliação clínica não recomendar a prescrição.
A maioria das unidades básicas de saúde no país não tem, por exemplo, eletrocardiógrafos para aferir se os pacientes podem usar a cloroquina, que apresenta a arritmia como um de seus principais efeitos colaterais.
Mais de 90% dessas unidades também não dispõem de profissionais de segurança, e o temor dos médicos é que, como a escalada da epidemia, muitos pacientes acabem exigindo de forma mais enfática o uso dessas drogas.
Segundo Daniel Knupp, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), que reúne 47,7 mil equipes de atenção básica no país, o governo federal está colocando os médicos em um “fogo cruzado” com a publicação das orientações pelo Ministério da Saúde.
“Haverá pressão da população para o uso desses medicamentos, sendo que o próprio governo está sendo tecnicamente omisso em sua orientação”, diz Knupp.
O documento que abre possibilidade para o uso precoce da cloroquina não é um protocolo do Ministério da Saúde, o que exigiria a assinatura de algum responsável do corpo médico da pasta. A contrário, a orientação sequer tem um responsável identificado.
“Esse foi o subterfúgio usado para que não haja uma disputa técnica sobre o uso da cloroquina”, diz Knupp.
Segundo ele, a cloroquina deve começar a ser largamente distribuída pelo governo nos próximos dias por conta da produção que o Exército vem realizando.
Com a orientação para o seu uso publicada no site do ministério, os médicos que não concordarem com ela podem acabar sendo pressionados a fazê-lo.
Na ação contra a manutenção do documento no site, a SBMFC usará o seu próprio texto como argumento contra o uso dos medicamentos.
Em sua primeira nota técnica, o documento afirma que “ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o beneficio inequívoco dessas medicações para o tratamento da Covid-19”.
A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) estuda participar da mesma ação ou tomar medidas jurídicas individualmente.
“Há evidências suficientes para a não utilização da cloroquina e das demais medidas recomendas pelo ministério em pacientes infectados pela Covid-19”, afirma Suzana Margareth Lobo, presidente da Amib.
A Sociedade Brasileira de Infectologia também emitiu nota afirmando que vários estudos mostraram o “potencial malefício” dessas drogas. A entidade recomenda que o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 seja feito “prioritariamente em pesquisa clínica”.
Fonte: Folha de São Paulo