“O malfadado déficit da Previdência Social nada mais é do que uma falácia, criada para esconder a responsabilidade do Estado por suas frequentes políticas de renúncias fiscais, desonerações e desvinculações de receitas, além de sua ineficiência na cobrança de dívidas ativas dos grandes devedores”. Foi assim, de maneira didática e concisa, que Floriano Martins de Sá Neto, da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), desconstruiu a tese de déficit do sistema previdenciário público, ampla e equivocadamente difundida por governos e pela mídia conservadora, no intuito de impor “reformas” que favoreçam os ganhos de certos segmentos, em detrimento de políticas e conquistas sociais.
A declaração foi feita durante o seminário Funcef e Previdência, aberto em Brasília nesta quarta-feira (13), no Hotel San Marco, por iniciativa da Comissão Executiva dos Empregados (CEE/Caixa), que assessora a Contraf/CUT, a Fenae e a Associação Nacional dos Participantes dos Fundos de Pensão (Anapar). Floriano Martins proferiu palestra no debate sobre Previdência Social e, na ocasião, afirmou que “o sistema de proteção social brasileiro foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988”. Assim ocorreu, segundo ele, pela introdução do conceito de seguridade social (saúde, previdência e assistência social), que é a primeira experiência no Brasil de reconhecimento universal de direitos sociais inerentes à cidadania.
“A Previdência Social compõe o tripé da seguridade social, conjuntamente com a saúde e assistência social. Seu orçamento é único, não havendo distinção de origem de recursos para cada vertente. A saúde, em termos constitucionais, é direito de todos e com acesso universal. A assistência social, por outro lado, destina-se a quem dela necessitar, enquanto a Previdência Social, diferentemente, é organizada em caráter contributivo e de filiação obrigatória”, explicou. Ele disse ainda que o orçamento do setor é constantemente superavitário, conforme demonstrado contabilmente, a ponto do total de receitas em dois anos seguidos ter chegado a R$ 686,1 bilhões (2014) e R$ 707,1 bilhões (2015), respectivamente, face a despesas de R$ 632,2 bilhões e R$ 683,1 bilhões.
Ao afirmar que a necessidade de financiamento da Previdência Social é coberta com recursos oriundos de contribuições sociais, criadas para bancar a seguridade social, Floriano Martins classificou como falso o discurso dos defensores do déficit, que dizem que o rombo da Previdência atingiu R$ 85,8 bilhões no ano passado. E completou: “Os governos divulgam cálculo de déficit porque consideram apenas parte das contribuições sociais, somente a arrecadação previdenciária direta urbana e rural, excluindo outras fontes como Cofins, CSLL e PIS/Pasep e ignora as renúncias fiscais, nada falando dos valores desviados pelo mecanismo da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que retira anualmente recursos do orçamento da seguridade social para outros fins de interesse do Estado”.
Segundo ele, “o verdadeiro cálculo, que detalhadamente considera todas as receitas e despesas do sistema de seguridade social, formado pela saúde, assistência e previdência, aponta que no ano de 2014, por exemplo, o superávit atingiu mais de R$ 53 bilhões”. Para o auditor fiscal da Receita Federal, é urgente e necessário buscar a justiça fiscal, onde todos, de acordo com sua capacidade contributiva, devem contribuir igualmente para o financiamento da seguridade social. “Para buscar essa justiça e garantir os recursos necessários, não é preciso criar novos tributos. Também não são necessárias reformas previdenciárias, cujo único objetivo é atacar os direitos dos trabalhadores”, admitiu. Ele disse ainda que, em 2015, o total de proventos pagos pelo INSS atingiu 32.701.562 beneficiários no país. E defendeu, por fim, que “as reformas com objetivos de proteção atuarial futura devem alcançar apenas as gerações futuras, de forma lenta, gradual e juridicamente segura, sem reformas incidentais constantes, preservando o direito às regras atuais a quem por elas se programou, de modo a garantir a segurança jurídica e a credibilidade do sistema”.
Em sua palestra no seminário Funcef e Previdência, Floriano Martins contestou a proposta de reforma da Previdência, anunciada pelo governo interino e ilegítimo de Michel Temer. Um dos alvos de suas críticas é a adoção da idade mínima, “presente no cenário político desde os anos 1990, mas que não é uma questão pacífica e nem de fácil análise”. Para ele, outro ponto crucial é a expectativa de vida no Brasil, que “aumenta a cada momento, a ponto de, em um futuro próximo, um segurado passar mais tempo aposentado do que em atividade, seguida da inversão da pirâmide demográfica, que revela que em breve o Brasil contará com mais beneficiários do que contribuintes”.
No debate com representantes das Apcefs e das entidades sindicais, o dirigente da Anfip defendeu a tese de que o envelhecimento da população deve ser acompanhado pela melhoria das condições de vida da população, com aposentadorias dignas, melhor gestão do sistema e maior fiscalização por parte do Estado quanto aos riscos sociais. E concluiu: “Bem-estar e justiça social, objetivos da Ordem Social brasileira, conforme dispõe o artigo 193 da Constituição Federal, devem ser o norte de qualquer mudança na legislação previdenciária”.
Seminário prossegue até quinta-feira
Além da Previdência Social, o seminário da CEE/Caixa-Contraf, Fenae e Anapar debateu ainda temas como previdência complementar e a CPI dos Fundos de Pensão, na desta quarta-feira (13). Na quinta (14), serão finalizadas as discussões iniciadas e iniciadas outras sobre a Funcef, abordando o balanço de 2015, o contencioso judicial e bandeiras de luta das entidades que atuam em defesa dos participantes e assistidos.
Um das metas do evento é definir diretrizes de ações do movimento nacional dos empregados da Caixa Econômica Federal, para fazer frente às iniciativas neoliberais do governo interino e ilegítimo de Temer. De antemão, porém, as entidades representativas combatem as propostas que visam alterar as atuais regras da aposentadoria no país.