Conversamos com Luis Rogério Santos, especialista em Saúde do Trabalhador, doutor em Saúde Pública, docente da Universidade Federal da Bahia e membro da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador (CIST) sobre o maior motivo de afastamento dos bancários pelo INSS: as LER/Dort. Confira.
Segundo informações divulgadas pelo INSS, a categoria bancária adoece 150% vezes a mais que a população geral no que diz respeito às LER/Dort. Ainda assim, a exploração faz parte do cotidiano desses trabalhadores que, há muito tempo, sofrem com a imposição de metas abusivas e desempenho inalcançável pelos bancos. Como combater essa realidade? Sinceramente, eu não sei. Eu tenho quase trinta anos militando no campo da saúde do trabalhador e nunca observei um momento tão regressivo, tão destrutivo para a saúde física e psíquica de quem precisa trabalhar para viver. Seja qual for a estratégia de combate a tal situação, esta não pode prescindir da compreensão da relação capital/trabalho. Ou o coletivo de trabalhadores entende que existe esse conflito, e que esse conflito não é invenção da esquerda, mas uma categoria sociológica universal, ou vai permanecer “enxugando gelo” com os punhos inflamados, ombros e pescoços doloridos e lágrimas nos olhos. Veja, esses dados sobre a LER/DORT que você coloca aqui, não é um resultado da fragilidade orgânica de homens e mulheres, é comprovadamente o resultado das péssimas condições de trabalho bancário sobre os corpos e mentes, que não respeitam os limites do humano. Quem nega isso, inclusive no campo da Medicina do Trabalho, é aliado do capital e não do trabalho. Esse conflito é sutil, quase imperceptível para quem não o estuda, mas é necessário entender essa dinâmica. Se sou bancário e nego o conflito capital/trabalho, eu não tenho porque me organizar para um embate político, entende? O banqueiro vai assim ganhando de W.O., ou seja, é quando o adversário sequer comparece ao jogo para jogar, para lutar por seus próprios interesses. Ele lamenta isolado na sua solidão política. Qual é o “saldo bancário” disso tudo, se me permite o trocadilho? Metas abusivas, salários reduzidos, mais lucro para os banqueiros e mais lesões musculoesqueléticas para quem ainda suporta trabalhar em tal cenário. Fora do coletivo não há saída. Nesse conflito é preciso se organizar, se solidarizar, ou vamos continuar adoecendo. Daí, os sindicatos têm papel importante na definição de estratégias de luta, de resistência a esse modelo econômico que adoece e mata cada vez mais.
Quais os principais sintomas das LER/Dort e qual o alerta para que o bancário ou a bancária busque auxílio médico imediato?
A fadiga muscular é o primeiro sintoma de que é preciso estar alerta aos fatores de risco no processo de trabalho. Geralmente, as pessoas ignoram essa fase. Depois vêm as dores decorrentes dos processos inflamatórios, que podem avançar para os músculos, tendões e nervos. Se não há o afastamento do fator de risco, se permanecem as mesmas metas abusivas, condições ergonômicas ruins, situações de assédio, o quadro pode piorar levando a incapacidade temporária ou permanente, tendo associadas ou não as questões de natureza psicológica, que quase sempre acompanham as LER/Dort nas fases mais avançadas.
Em 2019, quase 10 mil postos foram extintos nos bancos em todo o país. Quais os impactos que essa redução nos postos de trabalho podem ocasionar na saúde da categoria? É importante notar que essa redução de postos de trabalho obedece a uma lógica que ultrapassa a situação econômica do país. Já vivemos momentos melhores da economia nacional e nem por isso os bancos pararam de “enxugar” os seus quadros. Esse enxugamento, que se intensifica da década de 1990 para cá, é parte do modelo de gestão que o neoliberalismo econômico impõe à classe que vive do trabalho, para ampliar sua lucratividade. Nesse modelo neoliberal, a polivalência do sujeito que não é demitido é exigida ao extremo pelo banco, e quem fica no trabalho tem que ser flexível, tem que se esforçar para se manter útil, adaptável, disponível, ou seja, precisa se exaurir para provar que está apto, que é um funcionário que não reclama, que merece o emprego. Essa percepção, sob o temor de ser demitido, tem consequências danosas para a saúde – pelo menos é o que as estatísticas demonstram. Por exemplo, existem estudos que mostram relação entre trabalho degradante como um gatilho para a depressão, síndrome do pânico e o suicídio.
De que modo as reformas trabalhista e da Previdência estão contribuindo com o adoecimento da população trabalhadora?
Quando o governo federal retira direitos trabalhistas e previdenciários que protegem o trabalhador, você pode imaginar uma arena, um coliseu pós-moderno, onde os leões vão fazer o que querem com a classe que vive do trabalho, em modelos de gestão que beiram o escravismo oficializado. Destruíram o esqueleto do Ministério do Trabalho… Surgirão mais doenças do trabalho, teremos mais incapacidades e menos afastamentos para tratamentos, mais demissões, menos aposentadorias. Corremos o risco de ver instalado um caos social sem precedentes na área da saúde do trabalhador por conta disso, porque o SUS também está sendo destruído. Para mim, o mais triste é que tais reformas mexeram com conceitos básicos de trabalho. Por exemplo, eu vejo gente trabalhadora falando de “trabalho intermitente”. Ora, quem chama essa aberração de “trabalho” não sabe o que trabalho significa. Trabalho é um mediador entre o homem e a realização de seus sonhos. Trabalho é o que nos dá identidade de classe social, trabalho é o que nos dignifica, quando realizado em condições dignas, trabalho é o que nos permite formar uma família e mantê-la sob padrões básicos de humanidade. Uma atividade intermitente que deixa o sujeito à deriva, que não lhe permite imaginar o futuro, sonhar, não é, definitivamente, trabalho. Estamos perdendo a guerra e já levaram os despojos. É necessário resistir!
As opiniões expressas não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.