Apesar de forte queda no lucro e altas nas provisões, balanços foram vistos como positivos – contudo, fluxo de notícias recente não é “amigável” para setor (Por Lara Rizério)
Segundo trimestre, auge da pandemia do coronavírus no Brasil – e também destacado o pior momento econômico da história do País pelo vice-presidente executivo do Itaú Unibanco, Milton Maluhy. Assim, era de se esperar que, a exemplo do primeiro trimestre, os bancos também sofressem com uma forte queda dos seus lucros no período, em meio ao aumento das provisões para lidar com os efeitos econômicos da pandemia.
Pelo critério recorrente, os quatro maiores bancos de capital aberto da B3 – Banco do Brasil (BBAS3), Bradesco (BBDC3;BBDC4), Itaú Unibanco (ITUB4) e Santander Brasil (SANB11) – registraram queda acumulada de 37% do lucro no segundo trimestre na comparação anual.
Ainda que, juntos, tenham lucrado R$ 13,4 bilhões, as provisões para perdas foram mais que o dobro dessa cifra, de cerca de R$ 30 bilhões.
Porém, ainda que com forte baixa dos lucros, os resultados foram destacados por casas de análise como prova da resiliência dessas instituições financeiras, que conseguiram manter boas métricas, ainda que algumas linhas do balanço possam ter desagrado os investidores.
Quem se destacou positivamente entre os balanços foram justamente os primeiros a reportarem seus números: o Santander Brasil e o Bradesco.
Sobre a subsidiária brasileira do banco espanhol, vale destacar que o seu resultado foi bastante impactado pelo aumento das provisões que não tinham sido feitas no primeiro trimestre (e que fizeram com que, estranhamente, o lucro subisse nos primeiros três meses do ano).
Porém, a alta despesa líquida com provisão de devedores duvidosos, que somou R$ 6,53 bilhões, patamar 91% maior do que no trimestre anterior, foi bem recebida pelos investidores. O banco informou que constituiu R$ 3,2 bilhões em despesas de provisão extraordinária no trimestre feito por conta da pandemia do novo coronavírus.
Conforme destacou o Bradesco BBI, embora possa parecer contra-intuitivo, uma vez que provisão em alta pode ser vista como um sinal de deterioração da qualidade dos ativos, o aumento substancial registrado no segundo trimestre deve colocar o Santander Brasil mais próximo de seus pares quando se trata de registrar ganhos recuperáveis nos próximos períodos.
Porém, não foi só isso: o desempenho do resultado financeiro foi mais forte do que o esperado, com maior resiliência da margem financeira bruta (NII, na sigla em inglês), impulsionada principalmente pelo resultado da tesouraria, que se beneficiou da queda da taxa de juros em renda fixa (ALM) e um menor custo de captação.
Já o Bradesco, mesmo não tendo um pregão pós-resultado positivo, teve seus números vistos de forma positiva pelos investidores. O banco reforçou, pelo segundo trimestre seguido, as suas provisões com perdas no crédito, num valor de R$ 3,8 bilhões. No primeiro trimestre, o Bradesco já havia constituído R$ 2,7 bilhões em provisões para se proteger do impacto da crise do coronavírus sobre os clientes.
Com isso, o total de provisões atingiu R$ 8,89 bilhões, alta de 155% em relação ao mesmo período do ano passado e de 32,5% ante os três primeiros meses do ano (R$ 6,7 bilhões). O colchão de proteção total, assim, foi para R$ 15,6 bilhões, vindo acima do esperado e fortalecendo o balanço do banco.
O Credit Suisse ainda reforçou que, antes do impacto das provisões, o lucro ficou acima das estimativas dos analistas do banco em 15%. “O Bradesco aproveitou o forte desempenho operacional em NII, opex [despesas operacionais] e em seguro para fortalecer as suas provisões, criando inclusive provisões extras no valor de R$ 747 milhões para compensar o índice de cobertura baixo na subsidiária de seguro”, avaliaram Marcelo Telles, Otavio Tanganelli e Alonso Garcia, analistas do banco suíço.
Assim, o banco conseguiu mostrar dados positivos principalmente após o resultado do primeiro trimestre, que havia desagradado o mercado em meio à deterioração da qualidade dos ativos, com destaque para o aumento da inadimplência. Esta linha do do balanço, aliás, foi, “definitivamente”, o maior destaque positivo do trimestre, avaliou Marcel Campos, analista da XP Investimentos. O índice de inadimplência acima de 90 dias recuou para 3% no fim do segundo trimestre, ante 3,7% em março e 3,2% em junho de 2019.
A inadimplência, por sinal, ficou bastante controlada entre os quatro grandes bancos da Bolsa. Nesse cenário, vale destacar que os bancos fizeram programas de renegociação e alongamento de dívidas. Contudo, uma vez que esses programas acabem, a qualidade dos ativos também pode registrar deterioração – sendo um importante ponto a ser monitorado nos próximos trimestres.
Na sequência, vieram os números do Itaú que, muitas vezes “acostumado” a performar acima de seus pares, decepcionou os investidores em algumas linhas do balanço na comparação com Santander e Bradesco, ainda que seus números não possam ser considerados negativos, conforme ressalta o BBI.
Enquanto o crescimento de sua carteira total de crédito (ajustada pela variação cambial) foi semelhante, entre 0% a 1% na variação trimestral, o Itaú reportou maior mudança na composição dela, com redução mais acentuada na exposição ao segmento varejista (pessoa física).
Com isso, o resultado com intermediação financeira com clientes foi mais fraco em uma base relativa (para baixo sequencialmente, enquanto Bradesco e Santander Brasil registraram melhores números na
variação trimestral). Já do lado das tarifas, o desempenho do Itaú também foi mais fraco, com a receita caindo 11,8% na variação trimestral (+11,6% na variação trimestral quando as comissões de seguros são adicionadas), enquanto a receita com tarifas do Santander Brasil contraiu 8,5% na mesma base de comparação e Bradesco teve queda de 7,9% na variação trimestral.
“No entanto, em termos de despesas operacionais, o Itaú ficou entre os melhores desempenhos, principalmente diante de sua já forte eficiência”, avaliam os analistas do banco.
O Itaú registrou um lucro líquido de R$ 4,205 bilhões no segundo trimestre, queda de 40,2% em relação ao mesmo período do ano passado, mas um avanço de 7,5% na comparação trimestral. As despesas com provisões atingiram R$ 7,770 bilhões, um aumento de 92,1% na base anual, mas queda de 23% na comparação com os três primeiros meses do ano, quando as provisões totalizaram R$ 10,087 bilhões.
Apesar do desempenho de destaque do Itaú, o controle de despesas foi também apontado como positivo pelos analistas para o setor em geral, um ponto importante nesse momento de pandemia, que também serviu para catalisar os processos de transformação digital das instituições financeiras como um todo.
Nesse sentido, o Banco do Brasil também apresentou controle de despesas, com as operacionais, ajustada pela participação nos lucros, caindo 1% no trimestre. As despesas com pessoal cresceram quase 2% no trimestre, mas foram compensadas pelas despesas gerais e administrativas (queda de 0,3% no trimestre).
Contudo, mesmo com o bom resultados, alguns analistas destacam que outros fatores devem continuar pesando sobre as ações BBAS3, limitando o potencial de uma recuperação mais pronunciada. Dentre eles, a recente saída do CEO, Rubem Novaes, e os riscos de o banco desempenhar um papel mais anticíclico durante a crise.
Mas, mesmo de saída, Novaes deu algumas indicações sobre quais podem ser os próximos passos do novo CEO (até agora, ainda que o nome tão tenha sido confirmado, tudo indica que será André Brandão, do HSBC). Em paralelo ao resultado, o BB anunciou que vai investir mais R$ 2,3 bilhões em tecnologia nos próximos três anos e também confirmou o lançamento de um plano para aportar recursos em novatas da tecnologia.
Durante teleconferência de resultados, o presidente demissionário do BB ressaltou que estão em andamento discussões com o Bradesco sobre divisão de ativos no setor de cartões. Os dois bancos dividem o controle da empresa de meios de pagamentos Cielo (CIEL3), a maior do país, e a venda da participação do BB já chegou a ser cogitado anteriormente, podendo ser acelerada na nova gestão.
Assim, a instituição passa por um momento de transição da sua chefia ao mesmo tempo que tem que enfrentar uma série de desafios pelos quais o setor como um todo está tendo que passar – e que está levando à forte volatilidade dos ativos no ano (até antes mesmo da pandemia).
Desafios do setor continuam
“Não há dúvida de que o setor bancário brasileiro está passando por um dos momentos mais difíceis da história, se não o mais difícil. Mesmo antes do surto de coronavírus, os bancos já estavam lidando com as incertezas decorrentes das discussões sobre o open banking (veja mais clicando aqui) e seus efeitos sobre a concorrência. Agora, como os bancos precisavam se preparar para uma provável inadimplência crescente nos próximos meses, os resultados foram fortemente impactados pelas provisões crescentes durante a primeira metade do ano”, apontam os analistas do Bradesco BBI.
Por outro lado, a boa notícia é que, dadas as perspectivas atuais, as provisões constituídas ao longo dos últimos trimestres devem ser suficientes para lidar com os maiores índices de inadimplência em anos. Dessa forma, espera-se que as despesas de provisionamento caiam nos próximos trimestres, permitindo que os bancos voltem a registrar lucros crescentes e recuperem a lucratividade.
Os analistas, contudo, ressaltam que o fluxo de notícias recente não é “amigável” para o setor. “Se os recentes resultados mais fracos não fossem suficientes, as preocupações de ontem com as mudanças regulatórias voltaram à cena”, apontam.
Vale destacar que, na última quinta-feira, coincidentemente no mesmo dia em que saíram os números do Banco do Brasil, o Senado aprovou o projeto de lei que estabelece um teto de 30% para os juros cobrados no cartão de crédito e cheque especial ao ano durante o estado de calamidade pública.
Os senadores ainda aprovaram uma emenda do PT abrindo espaço para o tabelamento permanente dos juros em operações de crédito com cartões após o período de calamidade pública, no próximo ano. A medida prevê que o Conselho Monetário Nacional (CMN) regule o limite de juros no cartão, assim como fez com o cheque especial, após o período de calamidade pública.
O CMN é formado por dois representantes do Ministério da Economia (o ministro e o secretário especial de Fazenda) e o presidente do Banco Central.
Embora o projeto ainda tenha que passar pela Câmara e pela sanção do presidente Jair Bolsonaro, ele é uma preocupação para as instituições financeiras. Isso porque, em um País marcado pelos altos juros, o tabelamento possui forte apelo popular, ainda mais em um momento de crise.
Para a Febraban, “o tabelamento, ao invés de promover alívio financeiro, pode agravar a crise por distorcer a formação de preços, criar gargalos e gerar insegurança jurídica”. Por isso, a entidade “vê com preocupação propostas que promovem intervenção artificial na atividade econômica e nos contratos”. “Situações como essas ocorreram no passado e a história já revelou que não se mostraram eficazes”, acrescentou a federação.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, sinalizou que não deve colocar em votação na Casa o projeto aprovado pelos senadores, o que deu um certo ânimo às ações do setor durante a sessão desta sexta-feira, dando sinais claros de maior resistência em votar o projeto na Casa. Contudo, os ativos do setor logo voltaram a cair.
Cabe destacar que, segundo análise do JPMorgan, o limite de juros pode derrubar o lucro dos bancos entre 8% e 12%, mesmo que seja válido apenas até o fim do ano. Eles não consideram o efeito retroativo, até março, como aprovado no projeto.
Segundo os analistas, o Santander Brasil seria o mais afetado, com queda de até 11,5% no lucro, o Itaú poderia ter impacto negativo no lucro de até 10,9%, sendo seguidos por Banco do Brasil (8,1%) e Bradesco (7,8%). Por outro lado, eles ressaltam que, se o projeto virar lei, os bancos poderiam promover mudanças no chamado “parcelado sem juros”, o que impactaria as adquirentes e atenuaria um pouco o efeito para os bancos.
De qualquer forma, qualquer indicação sobre pautar ou não o projeto, agora nas mãos na Câmara, deve ser mais um fator de volatilidade para as ações do setor.
“Considerando os níveis em que as ações dos bancos estão sendo negociadas, acreditamos que a maioria dos riscos já está precificada. Infelizmente, o fluxo de notícias negativo tem prevalecido sobre a expectativa de provável melhora nos lucros. Uma vez que os investidores se sintam mais confortáveis com as tendências de ganhos futuros, acreditamos que as ações possam passar por algum processo de reavaliação”, aponta o BBI.
Segundo a equipe de análise, provavelmente não retornando aos níveis pré-crise, mas provavelmente passando a ter valuations mais razoáveis, precificando um retorno sobre o patrimônio líquido (ROE, na sigla em inglês) sustentável de 16% a 19% a longo prazo.
Já os analistas do Credit Suisse apontam que os resultados podem ser um catalisador para apontar para uma recuperação mais consistente à frente – os analistas possuem recomendação equivalente à compra para os ativos dos quatro bancos.
Porém, enquanto os temores sobre: i) aumento da concorrência; ii) novo sistema de pagamentos (PIX), desenvolvido pelo Banco Central e; iii) possível aumento de impostos a ser discutido no Congresso Nacional não forem dissipados, a expectativa é ainda de fortes emoções para os ativos do setor, apesar da resiliência comprovada no difícil primeiro semestre de 2020.
(com informações da Bloomberg e Agência Estado)
Fonte: InfoMoney