Nesta quinta-feira (27), acontece a cerimônia de posse de João Jorge Santos Rodrigues para o cargo de presidente da Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura. Sua nomeação ao cargo foi publicada em 21 de março, emblemática data em que se marca o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial.
Baiano de Salvador, 66 anos, João Jorge é produtor cultural, um dos fundadores do bloco afro Olodum, advogado, egresso da Universidade Católica de Salvador (UCSal) e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Ele integrou o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), de 2009 até 2016 e dirigiu a Fundação Gregório de Matos, órgão da gestão cultural da Prefeitura de Salvador, entre 1986 e 1998. É autor do livro Fala Negão: Um discurso sobre Igualdade (2021) e filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Nesta entrevista, ele analisou o papel da Fundação Palmares no cenário político nacional e a importância do reposicionamento do órgão.
Brasil de Fato – O senhor é muito conhecido no Brasil e fora como presidente do Bloco afro baiano Olodum e escritor, como encara esse novo “lugar de fala”?
João Jorge – Eu sou um homem do movimento social brasileiro, 47 anos nas ruas lutando por igualdade, 44 anos em blocos afro, 4 anos no Ilê e 40 no Olodum. E fui do Movimento Negro Unificado, fui do Grupo Negro da UCSal, tenho sido a expressão do que o movimento negro pensa, têm muitos outros militantes bacanas no Brasil, muitas mulheres, muitos homens, mas eu sou da geração de Abdias, de Lélia Gonzalez, de Honório Garcia, de Mãe Stella aqui, de Mestre Didi, sou um filhote dessa turma toda e vou expressar na [Fundação] Palmares o pensamento de meus ancestrais, os vivos e os mortos. O que é que esse movimento pensa? Democracia, igualdade, oportunidade, um papel destacado das mulheres. A Fundação Cultural é para a cultura, para a cultura afro, para a cultura negra.
Diante do novo desafio, que mensagem o senhor quer transmitir para a população brasileira nesse cenário político da atualidade?
Eu quero falar da necessidade da gente defender a democracia. Não a democracia apenas daquele que elege um outro. Eu falo num ponto de vista mais plural, grandioso – negros, indígenas, mulheres – todos nós temos que defender a democracia, o Estado Democrático de direito e, acima de tudo, que o Brasil devolva a seus cidadãos a riqueza que nós temos – terra, água, ouro, petróleo, prata e tudo – mas que a gente possa viver melhor.
Nós somos apenas duzentos e poucos milhões de pessoas, temos uma riqueza incrível, temos uma história bonita e temos uma diversidade fantástica. Então, agora é hora de levantar cada pessoa e trabalhar para o bem comum. O bem comum é conviver com o outro, mesmo que o outro tenha ideias diferentes, mesmo que o outro queira coisas diferentes, mas fazer disso uma riqueza. Eu indivíduo posso ter minhas formas de pensar, de ser e agir, mas eu não posso impedir o outro de ter formas diferentes de agir. É hora de um levante nacional, é hora de uma independência agora informal, é hora de uma democracia agora de roupa, todos se vestirem com a roupa da democracia. Por pouco, alguns brasileiros assumiram que não deviam ser democráticos, por pouco, brasileiros decidiram que iam perseguir o outro, matar o outro. Nós perdemos Moa [do Katendê] nessa trajetória. Também a população indígena Yanomami vive o drama de um genocídio que há gente que ainda tenta dizer que é defensável.
Nós precisamos de sensibilização. Então, eu estou convocando todo mundo: vamos partir para uma democracia efetiva. Ela é cara, é difícil, é construída, pode não ser a melhor coisa, mas não há outro modelo, no momento em que se vive, 2023, melhor do que construir democracias sólidas. E elas passam pela sociedade civil. Ela passa pelo indivíduo, homem, mulher, baixo, alto; passa no Norte, no Sul; passa por línguas diferentes. Agora, passa por uma força que controla o Estado, passa por uma força que, em vez de armas, cria mais escolas, em vez de liberar a morte pelas armas, cria programas de proteção à vida. E, ao mesmo tempo, entender que um Estado que não defende a vida não pode ser um Estado. E uma civilização que convive com feminicídio, racismo, homofobia, gordofobia não pode ser chamada de civilização. E nós gostamos de nos apresentar como a civilização brasileira. Tá na hora, então, dela ser real.
Que papel a Fundação Palmares tem nesse contexto?
Eu sou um brasileiro e gosto do meu país, gosto do que faço aqui, gosto da luta. Agora, eu quero que esse seja um país que eu tenha motivo para lutar por ele. Por isso aceitei o desafio de ser presidente da Fundação Palmares. Não para ajudar a Bahia, ou Salvador, ou uma entidade, mas pelo contexto de 27 estados, de mais cinco mil municípios. E olho para as pessoas que tenho visto no Rio, São Paulo e cada lugar a necessidade de ter resposta do Estado brasileiro. E, agora, eu faço parte do Estado brasileiro para dar resposta e vou dá-las e vou buscá-las.
O primeiro recorte é evitar uma ação aqui, outra ali e a dispersão dos recursos. Então, os programas da Fundação terão sintonia com a cultura do estado, do município, mas vamos também levar a Fundação para lugares em que ela nunca foi: Amapá, Acre, Santa Catarina, um pouco do Paraná e Rio Grande do Sul. Os recursos não deverão ficar concentrados na tríade Bahia, Rio e São Paulo. Eles têm que alcançar lugares que jamais alguém recebeu alguma coisa da Palmares.
Os países africanos voltarão a ser parceiros da Fundação Palmares. Já foram antes com João Rufino, com Bira, com Zulu. E os países americanos também, Colômbia, Equador – os países americanos com grande população negra –, e o Caribe também. Fiz mais de oito viagens para países africanos, tenho parcerias com universidades, com museus, com intelectuais. Então, a ideia é assim: a Fundação Palmares tem que ser uma fundação pan-africanista, envolvendo África, Caribe, Bolívia, Equador, Uruguai, onde há negros, e o Brasil. Quebrar esse isolamento.
Fonte: BdF Bahia