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Mola de emprego e do PIB, indústria brasileira não reage e emperra avanço da economia

Foto: Antonio Pinheiro/ GERJ

Além da lenta recuperação da economia brasileira, os dados do Produto Interno Bruto (PIB) divulgados nesta quarta-feira revelam que a crise que atravessa a indústria brasileira há anos não dá sinais de melhoras. Nos últimos três meses do ano passado, o setor industrial continuou estagnado e avançou 0,1% em comparação ao período anterior. A retração reforça ainda a trajetória de queda da participação da indústria de transformação, responsável por converter matérias-primas em bens de produção e consumo, no PIB nos últimos anos. Em 2019, o setor que abrange a indústria de plástico, alimentos, bebidas, metalurgia, têxtil, entre outras, representou apenas 11% da atividade econômica. Há duas décadas, a atividade respondia por mais de 15% do PIB. Em 1970, a participação era de 21,4%.

A indústria brasileira é uma das que mais apresentaram recuo no mundo em quase 50 anos. Segundo levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o Brasil teve a terceira maior retração do setor entre 30 países, desde 1970, ficando atrás apenas da Austrália e do Reino Unido. O que nos diferencia, contudo, é que estes países já tinham obtido uma renda elevada no momento em que começou o declínio e continuaram aumentando sua renda a um ritmo muito superior ao Brasil nos anos que se seguiram. Para Rafael Cagnin, economista-chefe do Iedi, a desindustrialização da economia brasileira é bastante particular e aconteceu de forma muito precoce. “É normal que a indústria perca espaço quando a renda per capita das famílias começa a crescer, já que elas consomem mais serviços e menos bens”, explica.

Uma população com poder aquisitivo maior consome progressivamente mais serviços de turismo e lazer, de informação, serviços financeiros, serviços pessoais, saúde privada e educação superior. “É uma trajetória que acontece em vários países desenvolvidos, mas, no caso do Brasil, não atingimos uma renda per capita alta ou nos enriquecemos o suficiente para a nossa estrutura produtiva migrar de forma tão rápida”, explica. Segundo o IBGE, a renda média per capita no Brasil ficou estagnada em 2019 no valor de 1.439 reais. Em 12 Estados brasileiros, a renda média per capita ficou abaixo de um salário mínimo.

Marcos Ross, economista da corretora XP Investimentos, concorda que há um descompasso muito grande da atividade industrial brasileira com o mundo. “É um setor muito central na economia, que está estagnado há anos. Essa é uma das razões que explicam porque o Brasil não decola. A demanda vem vindo, mas parte da oferta está parada”, explica. “A indústria teve um comportamento diferente em relação a 2018, puxada pelo crescimento na construção, após cinco anos de desempenho negativo. Já a indústria de transformação, que havia crescido mais em 2018, ficou estagnada em 2019”, ressalta Rebeca Palis, coordenadora das Contas Nacionais do IBGE.

Na avaliação de Cagnin, o país não foi capaz tampouco de criar condições para que a indústria investisse em inovação e tecnologia. “Nos Estados Unidos, por exemplo, você tem uma queda do setor no peso do PIB, mas há uma mudança na composição da indústria. Ela é menor, mas constituída de seguimentos voltados à tecnologia. Esse movimento não foi seguido pelo Brasil”, diz.

O economista ressalta ainda que a indústria é a única atividade econômica que tem um departamento específico, o de bens de capital, cuja função é incorporar conhecimento científico e tecnológico em máquinas e equipamentos que serão utilizados por vários setores. “Esse ramo específico abre possibilidade de ganhos de produtividade no tecido produtivo como um todo, mas quando há um desaquecimento, há uma queda de produtividade”, afirma.

Papel multiplicador

A indústria cumpre ainda um papel multiplicador na economia já que as cadeias produtivas são longas. Para produzir um bem, é preciso um conjunto relativamente amplo e diversificado de insumos, que vem da indústria, da agricultura e do setor de serviços. Dessa forma, quando a atividade avança, ela é capaz de disseminar crescimento para o restante da economia como um todo. Dados de 1947 a 2018 indicam que uma alta sustentada de 1% da indústria de transformação tende, em média, a aumentar em cerca de 2% o valor adicionado das demais atividades econômicas.

A estagnação atual do setor também explica em parte a lenta retomada do mercado de trabalho no país ―que hoje possui uma taxa de 11,3% de desocupados―, já que a chamada indústria de transformação, que abrange a maior parte das atividades desenvolvidas no setor industrial na produção de bens intermediários e de consumo, assume um papel relevante do ponto de vista empregador. O setor se destaca dos demais por pagar salários mais altos e também por manter relações trabalhistas mais estáveis, geralmente concentrando trabalhos formais com carteira assinada. O emprego no setor da transformação teve uma leve reação no ano passado, avançando 3% em relação 2018, após muitos trimestres negativos. “Não foi um grande aumento, mas o emprego formal andou junto com a indústria, o que é uma boa notícia. Há 2 anos não havia criação”, explica Renata de Mello Franco, economista da FGV Ibre.

Além dos impactos da recessão brasileira de 2015 e 2016, Franco aponta que a indústria sofreu no ano passado um baque diante da crise na vizinha Argentina, principalmente em relação ao setor automobilístico. “As exportações de automóveis chegaram a cair 30%, o que tem um peso grande na indústria da transformação. Neste ano, nos primeiros dois meses a confiança do empresariado melhorou com a sinalização de uma melhora na demanda interna, mas agora já há receio quanto ao futuro por conta da disseminação do coronavírus”, explica. Ainda é cedo para avaliar o tamanho do impacto da doença na China, principal parceiro comercial do Brasil, e no mundo. Sem receber componentes chineses importados, fabricantes de eletrônicos já reduziram, inclusive, a produção aqui no país. “Acho que podemos ter mais impactos do corona no choque de oferta do que de demanda”, explica.

Apesar da perda de espaço da indústria na economia ser um movimento estrutural, o economista Rafael Cagnin, do Iedi, ressalta que, nas últimas décadas, esse fenômeno foi fortalecido no Brasil por crises econômicas, inflacionárias e do câmbio. Para Cagnin, faltam mecanismos de financiamento e resolver os gargalos na infraestrutura e no sistema tributário para alavancar novamente a indústria e tornar o Brasil mais competitivo. “O Brasil continua sendo o nono parque industrial do mundo, o que não é pouca coisa. Precisamos ter uma condição de estabilidade para permitir investimentos tão arriscados como em inovação. A reforma tributária está sob a mesa e temos uma janela política, é preciso avançar em uma agenda de reforma”, afirma.

 

Fonte: O Estadão

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