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Na crise política e econômica todos perdem

Por João Paulo Cunha*

 

É curioso observar a evolução das notícias no Brasil. Depois da enxurrada de manifestações contra a democracia, vindas de todos os setores e apresentadas sob os mais diferentes modelos jornalísticos – entrevistas, reportagens, artigos e mentiras deslavadas – chega, enfim, o momento do refluxo.

A cada dia se observa um setor da economia de mercado, um político conservador, uma entidade de classe e um representante do pensamento jurídico reacionário desapear do cavalo da aventura golpista. O que pode parecer mudança de rumo talvez seja apenas acomodação.

É preciso entender as diferentes temporalidades da vida em sociedade. Toda crise afeta em primeiro os mais pobres. São eles que sofrem na carne as ondas inaugurais de toda a forma de injustiça. Se há um abalo na economia, a falta será sentida em primeiro lugar entre os que estão mais próximos dos padrões de sobrevivência.

A crise global, por exemplo, é um conceito no primeiro momento para os ricos e uma catástrofe imediata para os trabalhadores. Toda forma de injustiça, dessa maneira, sempre se manifesta como injustiça social.

Por isso, a crise, que hoje chegou até o topo dos interesses do capital, depois de ameaçar os empregos com a paralisação da economia, começa a ser reconhecida como tal. Com isso, está trazendo para o cenário uma posição garantista por parte dos conservadores equilibrados.

À exceção, é claro, dos tipos propensos ao delírio, como Aécio Neves, Gilmar Mendes e Eduardo Cunha. A população que vive do próprio suor já havia sentido o baque e se manifestado a favor do enfrentamento da crise e não da exacerbação de seus efeitos.

Já que parece existir um consenso provisório em torno da condução política, nem por isso existe – nem deve existir – alinhamento automático. A defesa do mandato de Dilma Rousseff por parte dos movimentos populares não abandona, nem por um momento, as bandeiras que compõem sua história e perspectivas de luta.

É preciso clareza em condenar as políticas de ajuste recessivas e tributárias aos ganhos rentistas; afirmar os interesses nacionais em torno da exploração do petróleo; manter as lutas pelas políticas sociais em todos os campos; defender direitos trabalhistas; manter independência na política externa e protagonizar um grande movimento em torno da reforma política, com convocação de constituinte exclusiva.

A situação é clara: existem lados em disputa e não é mais possível pensar num projeto em que todos ganhem, mesmo que haja a percepção de que com a crise política e econômica todos acabem perdendo.

O projeto que foi representado historicamente pelo PT não é mais capaz de abarcar as necessidades de mudança expressas pelos trabalhadores e movimentos sociais.

Além disso, o nível de comprometimento com o sistema político (expresso em alianças detestáveis) e a sideração pela economia de mercado (com a obsessão pelo consumo) são hoje marcas indeléveis da ação do partido. Talvez a tarefa do PT tenha sido trazer o país até o atual estágio de urgência pelas transformações sociais. Como uma escada cujo último degrau já foi superado.

O filósofo norte-americano Richard Rorty criou há alguns anos os conceitos de “política de campanha” e “política de movimento”, que podem nos ajudar a entender o atual momento brasileiro.

Na política de campanha, segue-se uma estratégia emergencial, voltada para uma espécie de necessidade urgente: localiza-se uma forma de injustiça e age-se, de maneira imediata, para resolver a questão.

No caso da política de movimento, a injustiça é compreendida em todo o seu potencial e estrutura e o objetivo é alterar o estado de coisas, de modo a permitir sua extirpação na vida da sociedade. A política de movimento não quer apenas afastar a injustiça, mas construir uma sociedade justa.

A saída da crise brasileira vinha cobrando uma atitude de campanha, por meio de consensos primários e passageiros. Só há sentido, hoje, em valorizar a ação política na perspectiva do movimento.

Há um modelo de sociedade justa que passa necessariamente pela esquerda e só por ela. A tarefa, descartadas as cassandras e hienas, é trilhar esse caminho de forma determinada e sem concessões. Sem radicalismo, a partir de agora, não vamos a lugar nenhum.

*João Paulo Cunha é jornalista.

 

Fonte: Brasil de Fato

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