Tendências nas novas relações de trabalhistas apontam para um tipo de trabalho intenso, vínculos fugazes e empregos efêmeros. Confira o artigo, publicado originalmente na revista Carta Capital, de Thomaz Wood Jr., doutor em Administração de Empresas.
Contrato psicológico de trabalho é um conceito conhecido no mundo corporativo. Trata-se dos pressupostos implícitos que norteiam a relação entre empregados e empregadores. Um contrato psicológico de trabalho vai além do contrato formal de trabalho e das descrições de cargo. Envolve, de parte a parte, atitudes, comportamentos e ações.
Na prática, entretanto, muitos contratos de trabalho transformam-se em contratos de aparências. Enquanto os empregados simulam dedicação e esforço, os empregadores fingem consideração e respeito.
Nos últimos anos, algo novo surgiu no horizonte. Algo que está fazendo com que os quadros profissionais das empresas se assemelhem a certos gabinetes presidenciais, com portas rotativas permanentemente movimentadas por gente que vem e gente que vai.
O fenômeno é tema de Ilana Gershon, professora de Antropologia da Universidade de Indiana, em Bloomington, em seu recente livro Out in the New Economy: How People Find (and don’t Find) Work Today (University of Chicago Press, 2017). Na obra, a pesquisadora relaciona a origem das mudanças na relação entre empregados e empregadores à ascensão do neoliberalismo, a partir dos anos 1990.
Junto a princípios econômicos, o neoliberalismo trouxe a ideia segundo a qual cada pessoa deve se ver como empreendedora de si mesma, uma miniempresa com capital intelectual próprio e uma marca a ser promovida.
Simultaneamente à disseminação desses conceitos, houve uma progressiva mudança nas práticas gerenciais. Movidas pela necessidade de gerar resultados a curto prazo, as empresas passaram a alocar maiores quinhões do lucro aos acionistas, em detrimento dos empregados.
Gershon observa que o contexto levou à desvalorização das relações de longo prazo. Hoje, para as empresas, é essencial ter profissionais que trabalhem com intensidade e gerem bons resultados em projetos de curto prazo e que a deixem sem fazer barulho quando sua missão estiver cumprida. Isso vale mais do que contar com funcionários leais, interessados em vínculos estáveis e carreiras longas.
Também para os profissionais, a possiblidade de estabilidade e carreiras longas (e frequentemente lentas) deixou de ser atraente. O ideal é ter um emprego que permita fazer bem o que se gosta e que possibilite o salto para o próximo passo. Mais trocas implicam, geralmente, maiores incrementos salariais.
A decorrência é de que os profissionais esperam cada vez menos das empresas. É menos frustrante e mais seguro pensar em si mesmo como nômade que busca empregos que permitam se preparar para novos saltos. Segundo a autora, “bons empregos eram aqueles com bom salário, benefícios etc. Agora, são aqueles que preparam você para o próximo emprego”.
Hoje, o que parece atrair os profissionais são empresas com boa reputação, que não exijam competências específicas demais (e por isso dificultem novas mudanças) e proporcionem tempo livre para a preparação e a busca de novas posições. Consequentemente, um bom gestor é aquele que reconhece que cada funcionário trabalha para si mesmo e facilita os futuros passos de carreira de seus liderados, provavelmente em outras empresas.
Esse novo ambiente de trabalho enfraquece os vínculos entre colegas, e destes com a empresa. Permanece, supostamente, o vínculo com a tarefa, o projeto ou o trabalho em si, ou seja, tudo que permitirá voos posteriores.
Segundo essa lógica, alguém incapaz de construir um vínculo forte com o próprio trabalho não será, provavelmente, de interesse para as empresas. Mesmo que a paixão não seja grande coisa, é melhor demonstrá-la convincentemente.
O fenômeno retratado por Gershon parece atingir especialmente as empresas de tecnologia e outras nas quais o trabalho intelectual tem primazia. Entretanto, pode alcançar contornos peculiares, e mais dramáticos, em organizações e setores nos quais a terceirização e a precarização do trabalho já estão presentes.
O possível fim da hipocrisia do discurso sobre valorização do capital humano e da lealdade, ainda presente em muitas empresas, é boa notícia. A emergência de contratos psicológicos de trabalho baseados em relações cada vez mais efêmeras pode, porém, gerar perdas e danos difíceis de assimilar, tanto para empregados como para empregadores. É mais um capítulo da história do avanço do individualismo contra o coletivismo. Outros virão.
As opiniões expressas no artigo não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.