Em jantar reservado com grandes empresários no último dia 15, o ministro da Casa Civil Jacques Wagner teria declarado que a presidenta Dilma quer deixar como grande legado do seu governo a reforma da Previdência Social. Ainda segundo o ministro, a presidenta teria consciência de que não irá mais recuperar a alta popularidade até o final do seu mandato e o que mais importava agora seria deixar esse legado.
Convenhamos que há inúmeras outras razões para que a popularidade de Dilma nunca mais retorne, como, por exemplo, a profunda recessão econômica e o colapso dos serviços públicos provocados pela rota do ajuste neoliberal. Mas quem pretende deixar esse tipo de legado não pode merecer mesmo qualquer popularidade relevante ou confiança do povo.
Ainda que o projeto de reforma do governo não esteja pronto, a ideia é apresentá-lo em abril ao Congresso Nacional com ideias chaves tais como: aumentar o tempo da idade mínima para aposentadoria e buscar unificar em um único regime homens e mulheres, trabalhadores do setor público e privado, trabalhadores urbanos e rurais.
Vamos resumir a conversa: trata-se de atacar o direito a uma aposentadoria digna fazendo as pessoas trabalharem mais, buscando para isso uma unificação que vai retirar direitos constitucionais de setores como, por exemplo, os trabalhadores e trabalhadoras rurais que podem se aposentar com 60 e 55 anos de idade, respectivamente. Pela lógica da reforma governamental o regime jurídico único dos trabalhadores e trabalhadores do setor público também iria para o espaço.
A armadilha que o governo, grandes capitalistas e seus porta-vozes apresentam é que esta reforma seria para as gerações futuras, para começar a valer ao final da próxima década, como se projeta na unificação dos regimes, e que não se mexeria nos direitos de quem já está trabalhando. De certa forma é ainda mais grave um governo petista querer deixar como legado para as gerações futuras uma previdência social com menos direitos e mais a caráter do aumento do tempo de exploração no trabalho.
Por mais que mesmo gente séria aponte que o envelhecimento da população vai aumentar os gastos da Seguridade Social, nenhuma discussão, do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras, pode começar com a lógica do mercado e do capital: esta sempre versa a retirada de direitos.
Mas é exatamente isso que faz o governo Dilma, como tinha feito o governo Lula no início do seu primeiro mandato com a reforma da Previdência do setor público; que, a propósito, gera um ciclo vicioso, pois após a reforma previdenciária em 2003, diversos governos estaduais da direita tradicional, especialmente do tucanato, passaram anos buscando executar a reforma na previdência no setor público estadual, como vimos nos casos notórios e relativamente recentes de São Paulo e Paraná sob a batuta do PSDB.
Poderíamos começar o debate com outros parâmetros, como, por exemplo, acabar com a verdadeira fraude que é o discurso e os números distorcidos do suposto rombo da Previdência Social, que não leva em consideração o quanto foi roubado dos cofres da Seguridade Social, por décadas, através de mecanismos como a DRU (Desvinculação de Receitas da União) a serviço de, por exemplo, pagar juros da dívida pública. Sem falar na crescente precarização dos direitos sociais e trabalhistas, que afeta também a Previdência Social.
O mais assustador é que esse pode não ser o único legado que a presidenta pretenda deixar para o futuro. Pelo que foi divulgado, o governo desistiu de apresentar agora um projeto de Reforma Trabalhista por razões puramente táticas, para não ter que comprar duas brigas ao mesmo tempo com duas reformas tão impopulares. Ou seja, pode ser que no próximo ano, especialmente se conseguir passar a Reforma da Previdência, venha o outro pilar da destruição futura de direitos.
Seria perfeito para o capital: uma amplíssima nova classe trabalhadora cada vez mais precarizada nos seus direitos trabalhistas e trabalhando praticamente até morrer. Que legado! Chega a ser espantoso que ainda há gente que considere esse governo como de “esquerda” ou “progressista”.
Mas em termos práticos, a luta parar barrar a Reforma da Previdência que retira direitos deve ser um dos centros da agenda dos movimentos e representações não cooptadas da classe trabalhadora. Reforma esta proposta pelo governo federal (que deverá ser apoiada pelos governos estaduais tucanos). E, portanto, trata-se de uma luta de primeira grandeza contra o governo Dilma, não cabendo qualquer contorcionismo político de quem quer pegar carona nessa bandeira para defender um governo cada vez mais indefensável.
Notas
O ajuste no presente. Enquanto prepara seu legado futuro ao lado do grande capital, o ajuste do governo Dilma no presente destrói direitos e vidas. As epidemias avançam, na brecha do saneamento básico precário para mais da metade da população e do colapso da saúde pública, e o governo federal e 17 governos estaduais cortam recursos para a prevenção de epidemias. A queda em 2015 destes recursos foi de quase 10% em relação a 2014. Instaladas as epidemias neste ano, corre-se atrás, mobilizando até o exército para combater o mosquito. Mas o buraco desta crise é muito mais embaixo e dramático. Lembremos que para o Orçamento de 2016 o governo cortou R$ 3,8 bilhões da Saúde… Não é de se espantar que em pleno andamento de três epidemias a espera para um atendimento na rede pública chegue a ser de 10 horas.
Vem mais por aí. Vamos ver o que vem para março, quando o governo Dilma vai anunciar o tamanho dos cortes e contingenciamentos finais ao Orçamento de 2016. Detalhe: de todos os cortes lançados pelo governo sobre o Orçamento de 2016, já desde o ano passado, de todos os decretos governamentais para conter gastos de custeio e investimento (como o publicado no último dia 12), nenhum deles, nada, coisa alguma, diz respeito a cortar, reduzir ou tocar no religioso pagamento dos juros da dívida pública. As epidemias que devastem o país, os banqueiros não podem esperar. Que legado!
Fonte: Correio da Cidadania