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O Plano Individual ou o Plano Social?

Artigo de Carlos Nascimento, bancário da Caixa Econômica.

Das visões cotidianas às quais nos habituamos a conviver e que de tão comuns deixaram de nos causar espanto, relato aqui um episódio que teve forte impacto em meu pensar e veio a motivar às reflexões postas neste texto.

Ainda outro dia estava eu às 7 na manhã numa fila para a marcação de uma consulta médica. Onde moro este é um fato comum, independentemente da condição ou da necessidade do paciente e naquele dia, à minha frente, um homem de trajar simples e jeito humilde aguardava sua vez de ser atendido enquanto segurava do pela mão a filha de 6 ou 7 anos. Ao chegar sua vez, a recepcionista informou que a consulta lhe custaria R$ 360,00. De instantâneo, aquele pai passou a apertar a mão de sua filha e a alternar seu olhar entre esta e a profissional que aguardava por uma confirmação. Estava claro que havia ali um dilema: a saúde de sua menina o colocava contra a parede e o desafiava a pagar uma quantia que de certo lhe faria um rombo no orçamento, se é que dispunha daquele dinheiro.

Levar a filha a uma clínica particular certamente não seria sua primeira opção caso não se tratasse de uma necessidade urgente, e pagar tanto por um atendimento médico parecia estar fora de sua condição financeira, assim como está para a maior parte da população brasileira.

Dos pensamentos que se sucederam àquele episódio, refleti que ao relatá-lo a conhecidos, ouviria algo do tipo “dê graças a Deus que você tem plano de saúde”. Sim, é verdade, tenho plano de saúde, bancado em maior parte pelo meu empregador como forma de benefício acessório de salário. Sim, sou um privilegiado e, por sorte ou por mérito, dificilmente passarei por situação semelhante à daquele pai que me impregnava a memória.

Contudo, ter meu plano de saúde não resolverá o problema daquela família. Ter meu plano de saúde não impedirá que aquele pai aflito, na ausência de alternativas, venha a cometer uma loucura para resguardar a saúde de sua filha. Também não mudará o fato de que aquele personagem (sem plano de saúde), num ato de insanidade possa vir a violar a minha vida, ou a de tantos outros (que tem plano de saúde) para tentar proteger a si e aos seus.

No entanto como solução, eu, salvaguardado pelo meu plano de saúde, pelo muro do meu condomínio, pelo meu trabalho e pelo meu carro do ano, no direito legítimo de também proteger minha família e meu patrimônio, poderei sacar minha arma legalizada e eliminar este “fora da lei” que me ameaça. Forma curta e inteligente(?) de resolver os problemas de “minha” vida.

Em A Expulsão do Outro (Relógio D’Água, 2018), Byung-Chui Han discorre sobre como o neoliberalismo promove e valoriza o individualismo como meio de atingimento do sucesso e da realização pessoal. Em objeção a esta ideia, traz à luz ponderações sobre a necessidade da existência do negativo (representado pelo outro) para a legitimação identitária do indivíduo. Segundo o que coloca: o contraponto, o enfrentamento e o diferente presentes no sujeito oposto é que validam a alteridade de cada ser humano e justificam a necessária busca pelo relacionamento interpessoal.

Não obstante a isso, é justamente na contramão deste argumento que nos inserimos neste momento. Marcadamente através das relações digitais, procuramos cada vez mais interagir com o que nos é familiar, igual, positivo. Selecionamos na vida, no Google e nas ditas “redes sociais” apenas o que nos agrada, e em um click excluímos tudo o que não é espelho, mergulhando em um gozo instantâneo mas solitário, depressivo ao final.

Fácil entender então o como é interessante para este modelo neoliberal o incentivo e a manutenção da cultura do ódio, minando e destruindo encontros e interações diretas entre opostos. Elimina-se assim a possibilidade de se pensar coletivamente e ponderar que talvez um “fora da lei” esteja “fora dos planos” não por opção própria, mas porque as leis dos planos (ou os planos da lei) não estejam dispostas a acatá-lo.

Penso que a sociedade dos indivíduos não resgatará a sociedade dos seres humanos. Salvará talvez a sociedade do consumo (de antidepressivos principalmente) mas fatalmente destruirá o sentido de comunidade, ora confundido e temido como comunismo.

É preciso enxergar que um projeto de vida e de segurança pessoal necessita forçosamente passar pela busca de uma sociedade igualitária, rompendo os limites da
visão individualista que nos impede de ver que o outro, com ou sem plano de saúde, necessita como nós, de coisas simples mas significantes como respeito e dignidade. Logo, entender a acatar a negatividade do ser oposto talvez seja um caminho para a  nossa própria aceitação como seres humanos em um mundo que é mais rico pelas diferenças do que pelas semelhanças.

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