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Pandemia faz condições trabalhistas das mulheres recuarem uma década na América Latina

CEPAL estima que a taxa de atividade feminina nos postos de trabalho ficou em 46% em 2020, seis pontos percentuais a menos que antes da crise do coronavírus

Foto: Uma mulher com máscara acomoda frutas em sua banca no mercado de Corabastos, em Bogotá, em 27 de julho de 2020. GUILLERMO LEGARIA / GETTY IMAGES

 

Um ano de crise significou uma década de retrocesso em matéria trabalhista para as mulheres latino-americanas. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) adverte que as mulheres foram as mais prejudicadas pelo impacto econômico da covid-19, por serem maioria naquelas profissões com maior precarização e risco de destruição de emprego —como o comércio, a hotelaria, a indústria e o serviço doméstico— e ter escasso acesso ao crédito para manter ou recuperar seus negócios. Em outros setores profissionais muito feminizados, como a saúde e a educação, os empregos não estão em perigo, mas as trabalhadoras muitas vezes contam com preparação e proteção insuficientes contra o coronavírus.

Em um relatório intitulado A autonomia econômica das mulheres na recuperação sustentável e com igualdade, apresentado nesta quarta-feira em Santiago, a CEPAL, uma agência da ONU, pede aos Governos que adotem políticas de recuperação econômica com perspectiva de gênero para reduzir a desigualdade e não deixar ninguém para trás. “Os setores em alto risco concentram cerca de 56,9% do emprego das mulheres e 40,6% do emprego dos homens na América Latina”, descreve o relatório. Em alguns países, a disparidade é ainda maior, como no caso do México: 65,2% das mulheres trabalhadoras estão empregadas em setores muito golpeados pela crise, contra 44,9% dos homens.

A CEPAL propõe reativar setores gravemente afetados, como o comércio, o turismo e os serviços, por considerar que “além de redinamizar as economias eles têm um potente efeito na recuperação do emprego das mulheres”. Pede também investir em infraestruturas de cuidado para fomentar o crescimento econômico: “Por um lado, o investimento dinamiza a demanda interna de consumo e, com ela, o nível de atividade. Por outro, ampliam-se as possibilidades de crescimento no longo prazo e de desenvolvimento na medida em que se libera tempo das mulheres e se profissionaliza e regula a qualidade do cuidado, o que contribui para que os países saiam da armadilha do baixo crescimento”.

A ampliação e acessibilidade dos serviços de cuidado (creches etc.) é crucial para ampliar a participação das mulheres no mercado de trabalho. Antes da pandemia, a taxa de atividade feminina era de 52%. Agora, o organismo estima que ronda 46%. À perda de autonomia econômica se soma uma sobrecarga de trabalho não remunerado, em especial o vinculado ao cuidado e apoio nas tarefas escolares dos filhos depois da suspensão das aulas presenciais.

Entre os dados reunidos no relatório destacam-se alguns que dão conta da magnitude do impacto desta crise nas mulheres, como o desabamento do trabalho doméstico registrado. No Chile e na Colômbia, 4 de cada 10 trabalhadoras domésticas ficaram sem emprego desde que a pandemia de covid-19 eclodiu. No Brasil, 2 em cada 10. Quem conservou o trabalho muitas vezes viu suas tarefas aumentarem, seja por maiores exigências de higiene pelo coronavírus ou pela necessidade de cuidar de familiares que antes não estavam permanentemente em casa.

O setor da saúde ganhou especial relevância desde que o coronavírus se expandiu por todo o mundo. Na América Latina e Caribe, 7 de cada 10 trabalhadores neste âmbito são mulheres, mas seus salários são pelo menos 25% inferiores aos de seus colegas homens. “Diante da atual crise, as jornadas de trabalho se intensificam, e em alguns casos as pessoas ocupadas neste setor não contam com equipamentos de proteção suficientes, o que aumenta as possibilidades de contágio e também agudiza o estresse do pessoal”, adverte a Cepal.

O organismo vê também com preocupação o retrocesso na área educativa, onde 70,4% dos postos estão ocupados por mulheres. “O corpo docente (altamente feminizado) teve que responder às novas formas de educação, em muitos casos sem a possibilidade de formação ou capacitação prévia e sem as competências ou os recursos suficientes para poder adaptar seu trabalho às exigências do ensino à distância e o uso de plataformas”, diz o relatório. O fato de em muitos lugares da América Latina o papel das escolas ir além da educação —por exemplo, ao garantir a alimentação das crianças— obrigou o pessoal educativo a colaborar também em tarefas como distribuição de alimentos, produtos sanitários e materiais escolares.

Perante este panorama, a Cepal propõe que os Estados concebam políticas de reativação econômica com perspectiva de gênero. Isso implica que os cuidados não sejam vistos como um gasto social, e sim como um investimento para gerar emprego, e que também se leve em conta a necessidade de reverter as discriminações no mercado de trabalho.

Fonte: El País

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