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Procurem nos bancos os responsáveis por Bruxelas

As “explicações” mais comuns e genéricas sobre a escalada dos atentados terroristas em solo europeu – incluindo o atentado em Bruxelas, em 23 de março, e o de Paris, em 13 de novembro de 2015 -, sobretudo as “explicações” proferidas por “especialistas”, “orientalistas”, “islamistas”, “arabistas” e vários outros “istas” convocados pela mídia beiram o risível.

Alguns batem na tecla do “fanatismo religioso”, ecoando elucubrações sobre um suposto “choque de civilizações”; outros responsabilizam a “incompetência dos serviços de informação” ocidentais, e aproveitam para defender o uso da tortura em interrogatório de suspeitos; outros, ainda, responsabilizam o fluxo de refugiados que teria permitido a entrada de milhares de terroristas; os mais espertos, finalmente, fazem um “mix” de tudo, sem querer se comprometer com uma perspectiva que em pouco tempo poderá se provar falsa. O risível é o fato de que eles sequer arranham o problema real. E têm razões para isso.

Os “teóricos” do “choque de civilizações” têm que explicar, no mínimo, o fato de que os atentados não ocorrem apenas em solo cristão ocidental, mas se multiplicam pelo mundo, produzindo uma imensa maioria de vítimas islâmicas e não cristãs (mais de 90%, segundo alguns cálculos). Os que responsabilizam os refugiados pela crescente violência deveriam observar que os atentados em solo europeu (como nos citados casos de Bruxelas e Paris) foram organizados e/ou praticados por jovens europeus, descendentes de segunda ou terceira geração de imigrantes. Os que advogam a militarização das fronteiras para conter a onda dos refugiados – incluindo pensadores como Slavoj Zizek – jogam água na caldeira do nacionalismo xenófobo. E os que defendem a tortura e o fortalecimento do caráter repressivo dos Estados, bem, estes que fiquem na companhia de Donald Trump, Ted Cruz e Jair Bolsonaro.

A “explicação” não está na religião, nem no fluxo de refugiados, nem na suposta incompetência dos serviços de espionagem e nem numa mistura disso tudo. Está na brutal e insustentável desigualdade que cresce no planeta de forma vertiginosa e eleva a uma escala inédita os níveis de fome e miséria em que vive a imensa maioria da população mundial.

Exagero? De modo algum. Basta lembrar que o 1% mais rico da população mundial acumula mais capital do que os restantes 99%, ao passo que as 62 famílias mais ricas têm tanto quanto a metade mais pobre da população mundial. Há cinco anos, eram 388 famílias; em 2014, eram 85. Isto é, a concentração de renda na mão de um punhado de seres humanos aumenta em ritmo exponencial.

Os dados atualizados, apurados pela organização não governamental britânica Oxfam, foram organizados na forma do relatório “Uma economia a serviço de 1%”, divulgado às vésperas do Fórum Econômico Mundial de 2016, que reúne justamente os bilionários do planeta, realizado em Davos, na Suíça. "O fosso entre a parcela dos mais ricos e o resto da população aumentou de forma dramática nos últimos 12 meses. No ano passado, a Oxfam estimava que isso fosse ocorrer em 2016. No entanto, aconteceu em 2015, um ano antes", destaca o texto.

Cumpre-se o impressionante e exato prognóstico feito por Karl Marx e Friedrich Engels, em 1848, no Manifesto Comunista: “Horrorizai-vos (os burgueses) porque queremos abolir a propriedade privada. Mas em vossa sociedade a propriedade privada está abolida para nove décimos de seus membros. E é precisamente porque não existe para estes nove décimos que ela existe para vós. Acusai-nos, portanto, de querer abolir uma forma de propriedade que só pode existir com a condição de privar de toda propriedade a imensa maioria da sociedade”.

A tendência à concentração cada vez maior da renda, detectada pelo relatório da Oxfam – e também demonstrada pelo trabalho de Thomas Piketty (O capital no século 21, 2014) – é um componente estrutural do capitalismo. Isso não vai se alterar com apelos à “boa-vontade” ou ao “humanismo” dos capitalistas, como pretende a Oxfam. Não se trata de uma questão moral. Para preservar a sua riqueza, as 62 famílias, liderando o 1% mais rico, não hesitarão em manter uma ordem que implica, necessariamente, a destruição dos recursos naturais, a condenação de 1 bilhão de seres humanos a uma situação de fome e subnutrição, a multiplicação de guerras e pilhagens, a extorsão, por meios financeiros, das economias de bilhões de seres humanos condenados a um trabalho bruto, alienado e sem sentido. Este é o caldo de cultura em que cresce o recurso ao terrorismo.

Mas nada disso aparece de forma transparente aos olhos do público. Cada crise é tratada pelos “especialistas” como se fosse um caso à parte, sem qualquer relação com o contexto geral da acumulação do capital. E a razão é simples: a “grande mídia”, ela própria propriedade de grupos e corporações, atua como porta-voz e agente organizador dos interesses do capital. É claro que os “especialistas”, em geral muito bem pagos para dizer o que dizem – seja em dinheiro, seja por meio de garantir uma visibilidade que lhes renderá prestígios, contrato de palestras e viagens, entre outras regalias -, não têm o menor interesse em tratar o tema de forma transparente e honesta.

Claro também que sempre há uma ou outra exceção, um articulista que aparece como um “estranho no ninho”, mas cuja função acaba sendo a de garantir credibilidade democrática ao veículo que o emprega, num mecanismo algo perverso.

É óbvio que a preservação de um sistema que assegura a 62 famílias o direito de ter tanto capital quanto 3,5 bilhões de seres humanos é totalmente incompatível com qualquer traço de democracia. Daí a necessidade de o Estado ser cada vez mais controlador, vigilante, opressor e autoritário, e daí a necessidade de tornar palatável ao público o uso da tortura, por exemplo. O pretexto é a “guerra ao terror”, ironicamente movida por aqueles que são o próprio terror. Comparados aos efeitos catastróficos causados pelo capital financeiro, o Estado Islâmico, a Al-Qaeda e tantos outros, todos somados, não passam de um grupo de colegiais inocentes.

 

Fonte: Correio Cidadania

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