Em um cenário de recessão econômica com redução de investimentos, desindustrialização e aumento dos índices desemprego é sempre uma árdua tarefa para os economistas do mainstream explicarem os motivos de o Brasil registrar a maior taxa de juros reais do mundo. Na verdade, o motivo está em um fato pouco comentado pelos mesmos.
Os relatórios anuais do DIEESE sobre o desempenho dos cinco maiores bancos do país demonstram que em 2014 e 2015, anos de crise econômica e declínio do PIB, apesar da restrição de crédito, fechamento de agências e postos de trabalho, o lucro líquido dos cinco maiores bancos segue subindo e batendo recordes históricos, só em 2015 foram R$ 69,9 bilhões. Quando mencionados os cinco maiores bancos do país, trata-se de Itaú/Unibanco, Bradesco, Santander, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil que correspondem, juntos, a 83% dos ativos totais e 86% de todo o dinheiro detido por instituições financeiras no Brasil, denotando assim a grande concentração no setor bancário brasileiro.
Esses mesmos relatórios demonstram que um dos motivos principais da excepcional evolução da lucratividade reside na “expansão das receitas dos bancos com aplicações em Títulos e Valores Mobiliários (principalmente, títulos da dívida pública federal)”, que tem representado em média 43% da receita dos bancos nos últimos dois anos, por conta da alta da taxa básica de juros, ou Taxa Selic.
As receitas com as aplicações em Títulos e Valores Mobiliários, que somadas superaram R$ 229 bilhões em 2015, representam, atualmente, a segunda maior fonte de receita desses bancos, só sendo ultrapassada pelas receitas das operações de crédito, que também são influenciadas pela alta dos juros.
Não por acaso, são essas mesmas instituições financeiras as principais compradoras de títulos da dívida pública interna brasileira, assim como as maiores detentoras do estoque da dívida. Esses títulos são vendidos pelo Tesouro Nacional por meio de leilões e, como já dito anteriormente, a rentabilidade de grande parte deles está atrelada à taxa básica de juros, a Selic.
No site do Banco Central do Brasil é divulgada, a cada seis meses, uma lista com todas essas instituições financeiras habilitadas a negociar títulos da dívida pública interna com o Tesouro Nacional. Atualmente são habilitadas, no máximo, doze instituições por período. É importante frisar que esse processo não passa por nenhum tipo de licitação e é bem restritivo, tendo como critérios o volume de capital social da instituição, um suposto “padrão ético de conduta” e avaliações de desempenho em leilões anteriores – o risco de formação de cartel por tais instituições nos leilões de títulos é evidente.
Essas instituições habilitadas são chamadas de dealers, palavra que em tradução literal significa “negociante”, mas também pode ser traduzido como “jogador que dá as cartas” no pôquer. Ao analisarmos a série histórica que compreende o período entre o segundo semestre de 2010 e 2016[2], verificamos a predominância de bancos e um processo de forte concentração da participação e repetição constante de determinadas instituições.
Os cinco bancos citados anteriormente aparecem em todos os leilões desse período. Outras duas instituições que também aparecem em todos os leilões são o Banco BTG Pactual, presidido por André Esteves até o fim de 2015 quando o mesmo foi preso por suspeita de obstrução das investigações da Operação Lava Jato, que envolveram o seu nome e a RENASCENÇA Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, também uma grande dealer dos títulos públicos[3].
A partir de 2011 começaram a ser divulgadas avaliações de desempenho dosdealers nas ofertas públicas (leilões) das quais participaram[4]. Passaram a serem divulgados rankings top five com essas instituições, que novamente, se repetiam com frequência. Ao elaborar uma lista com instituições que mais apareceram, levando em consideração suas posições em todos os rankings produzidos temos o seguinte cenário:
A partir disso, verificamos novamente a predominância absoluta do setor bancário entre os principais compradores privilegiados de títulos da dívida pública. Tais bancos são os maiores proprietários da dívida pública brasileira, ou melhor, das finanças públicas do povo brasileiro.
Tendo gasto R$ 367,6 bilhões de reais apenas com o pagamento de juros em 2015, ou seja, um crescimento superior a 50% em relação ao que havia sido gasto no ano anterior (R$243,3 bi), o governo se mostra cada vez mais refém do pagamento desses juros absurdos que só beneficiam a prática do rentismo.
O deslocamento do fundo público, com cortes progressivos nos gastos sociais, para alimentar o lucro dos bancos é algo crescente e deliberado na política do Governo Federal de superávit primário e, agora, de congelamento do gasto público e desvinculação das receitas de saúde e educação. Com o cenário de continuidade da crise econômica até o fim de 2017, os cortes de gastos sociais tendem a ser ainda mais dramáticos.
Mas alguém poderia de modo justo indagar o porquê de nenhum desses fatos terem o devido reconhecimento e divulgação que merecem tanto da mídia quanto pela classe política. Pelo contrário, a grande mídia e as principais forças políticas reproduzem o discurso da própria banca privada em favor de “ajustes fiscais”. Talvez, isso se deva à presença dos maiores bancos do país entre os principais patrocinadores dos telejornais dos conglomerados de mídia, bem como ao fato do setor ser o quarto maior em gasto com publicidade no país. Sem esquecer é claro a enorme relevância dos bancos nacionais privados nas doações de campanha para os principais partidos políticos do país.
Os argumentos dos governos se repetem no sentido de que a contenção dos gastos e a formação do superávit seriam condição para a queda da taxa de juros. Mas, o que se observa é a persistência de elevadas taxas e a transferência crescente do fundo público para algumas poucas mãos de “jogadores”. Constata-se, portanto e de modo cristalino, o controle da política fiscal e monetária brasileira por instituições financeiras, não seria por outro motivo que o atual presidente do Banco Central do Brasil é o economista chefe do Banco Itaú/Unibanco.
Gustavo Galvão Pedro é Graduando da Escola de Ciência Política da UNIRIO e pesquisador do ECOPOL/UNIRIO
João Roberto Lopes Pinto Professor da Escola de Ciência Política da UNIRIO e coordenador do ECOPOL/UNIRIO
[1] Este artigo é produto do Grupo ECOPOL, grupo de pesquisa da Escola de Ciência Política da UNIRIO, que se dedica a estudar as relações entre Estado, grupos econômicos e políticas públicas no Brasil. [2] O período que tratamos aqui se deve a unificação da divulgação dos dealers em uma única categoria a partir de 2010, de acordo com a Decisão Conjunta N° 18 publicada pelo Banco Central do Brasil juntamente com a Secretaria do Tesouro Nacional. [3] Agradecemos à Maria Lucia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, por alguns esclarecimentos prestados durante a coleta de dados. O conteúdo do artigo é de inteira responsabilidade de seus autores. [4] De acordo com o Ato Normativo Conjunto N° 22 de 06/08/2010, ficou estabelecido que poderiam ser divulgados rankings das 5 (cinco) instituições dealers com melhor desempenho, em um ou mais fatores de avaliação, acumulado no semestre. As publicações ocorreram duas vezes a cada semestre, até o Ato Normativo Conjunto N° 30 de 30/01/2015 revogar a necessidade de produção dos rankings de avaliação, prejudicando assim a transparência do processo e o acesso à informação por parte da população.
Fonte: Brasil de Fato