Liminar da Justiça ignora os mais de 200 anos que comunidade vive no local, manda despejar e ainda proíbe as famílias de pegar água para consumo próprio no Rio dos Macacos
A comunidade bicentenária Quilombo Rio dos Macacos, localizada no município de Simões Filho (BA), corre risco de despejo por decisão liminar decretada pela 10ª Vara Federal a pedido da Marinha do Brasil.
A liminar foi concedida apesar da comunidade quilombola, com 43 famílias e mais de 160 crianças, viver na região há mais de 200 anos e ter sido certificada pela Fundação Cultural Palmares desde outubro de 2011. Já a Marinha, se instalou na região há apenas 50 anos.
Para além do despejo, a juíza federal, Mei Lin Lopes Wu Bandeira, em seu despacho proibiu a chegada dos quilombolas ao Rio dos Macacos, fixou multa diária de R$ 1.000,00 “por indivíduo que permanecer injustificadamente na área em questão” e concedeu o pedido de uso de força policial para que a ordem seja cumprida.
“Retiraram o nosso direito à água. O povo preto ficou sem pode acessar à água. A água da barragem, que era para servir a comunidade e a periferia de Salvador, está sendo usado somente para os navios da Marinha e uma parte do rio dos Macacos ainda é usada para receber o esgoto da Base Naval”, diz a moradora e líder da comunidade, Rosimeire Silva.
Entidades envolvidas diretamente na luta pelo direito à água estão mobilizadas para ajudar os quilombolas, realizando atos públicos e abaixo-assinados. O Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), que reúne, em seu quadro de associados, sindicatos de trabalhadores do saneamento de vários estados, irá formalizar denúncia à ONU por violação aos direitos humanos.
“Estivemos reunidos com lideranças do quilombo para discutir essa séria violação que retira um bem essencial para o modo de vida e alimentação, que a comunidade faz uso historicamente. A decisão está impedindo os moradores de utilizarem à água para consumo humano, mas também para atividades de pesca, manifestações religiosas e tantas outras”, explica Edmilson Barbosa, coordenador de Comunicação do ONDAS e do Sindae-BA.
Nesta quarta-feira (25), o ONDAS realizou uma live que debateu o caso no enfoque do racismo ambiental e o direito de acesso à água.
Clique aqui para assistir.
Entenda a disputa judicial
Em meados do século passado, a União desapropriou, por falta de pagamento de dívidas, as terras da Fazenda dos Macacos e o terreno foi doado à prefeitura. A comunidade quilombola já vivia no local, mas a presença dos moradores não foi considerada no contrato de doação.
Mais tarde, o município doou as terras para a Marinha que, na década de 1970, construiu no local a Base Naval de Aratu e uma barragem no Rio dos Macacos, que hoje é a fonte de abastecimento para os serviços da Base.
Em 2009, a Marinha protocolou a primeira das quatro ações de desapropriação de terra e, em novembro de 2010, conseguiu decisão favorável. O Ministério Público Federal recorreu da decisão e a Marinha e a Justiça assinaram um acordo para evitar o despejo dos quilombolas em 2012.
Em novembro de 2019, a pedido do MPF e da Defensoria Pública da União, a Justiça Federal confirmou decisão liminar sobre demarcação e titulação das terras. Na sentença é determinado que o Incra conclua o procedimento de demarcação e titulação das terras no prazo máximo de 540 dias. No entanto, no último dia 18 de novembro, a Justiça expediu uma liminar favorável à Marinha para a reintegração de posse da área.
Fonte: CUT