Fogos para chamar o “dono” da festa, fogueira para anunciar um nascimento e até dança inspirada na aristocracia europeia. Os festejos juninos celebrados massivamente pelos pernambucanos têm origens curiosas que fogem do conhecimento de muitos, apesar de completamente inseridas no cotidiano de quem espera ansioso pelo mês de junho. Voltando várias centenas de anos, chegamos aos nórdicos, gregos e romanos, responsáveis pelo começo das celebrações. A origem da festa, no entanto, é pagã e celebrava o solstício, dia mais longo do ano, que marca o início do verão no hemisfério norte e também a época de colheitas. Fogueiras eram acesas para espantar os maus espíritos e saudar a mudança da estação.
O catolicismo, então, vendo a força dessas celebrações, resolveu se apropriar da festa já tradicional, dando um contorno religioso, adicionando os festejos ao calendário litúrgico. Em artigo publicado pela Universidade Católica de Pernambuco, o já falecido folclorista e pesquisador de cultura popular, Roberto Benjamin, ressalta que a festa de São João ganhou tamanha atenção da Igreja que funcionava como uma espécie de “prévia” do Natal. “A Igreja Católica situou a festa de São João nas proximidades da mudança de estação (solstício de verão) procurando absorver os cultos agrários pagãos. Para a hierarquia da igreja, a festa de São João constitui uma antecipação do anúncio do Advento, considerando o papel de João Batista, como precursor de Cristo”, apontou.
As fogueiras, por exemplo, foram ressignificadas pela tradição católica. Passaram a simbolizar o aviso de Isabel, mãe de João Batista, a Maria, sobre o nascimento do filho que, anos mais tarde, batizaria Jesus. Outros costumes foram inseridos, muitos deles ganhando viés religioso, como os fogos que, para muitos, servem para “acordar” São João e chamá-lo para sua festa. As bandeirinhas, por sua vez, são versões coloridas e menores das grandes bandeiras que eram lavadas nos rios e carregavam as imagens dos santos do mês de junho: Santo Antônio, São João e São Pedro.
O começo da tradição voltada à festa como um todo no Brasil remete à chegada dos portugueses ao País. O pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) César Pereira explica que, em Pernambuco, os primeiros festejos ocorriam nos grandes engenhos de açúcar. “Com o tempo, com a migração das pessoas para o Recife, o costume de festejar São João se espalhou na capital”, ressalta. A festa em solo brasileiro ganhou características próprias.
Na Europa, os colonizadores tinham a tradição de celebrar o início da colheita do trigo. Por aqui, porém, o grão era artigo quase de luxo, com produção insuficiente por conta do clima, ainda mais no Nordeste. A solução foi adaptar e miscigenar. Veio o milho como grande responsável pela pujança culinária dos festejos, base de tantos alimentos que entraram completamente no gosto nordestino. “As comidas de milho se somam ao bolo da mandioca cultivada pelos índios, ao coco que remete à origem africana e as especiarias, como cravo e canela, que os portugueses traziam”, explica Pereira.
Com a mesa posta, hora da diversão, os balões subiam para avisar à vizinhança que o festejo estava para começar. E, como em toda festa, a dança está presente. A quadrilha mais tradicional, que serve de inspiração para as chamadas quadrilhas estilizadas, na verdade, também é fruto de uma adaptação. Os mais atentos já devem ter ligado o “anavantú” e o “anarriê”, dois dos principais passos da dança típica junina, à língua francesa.
Acontece que com a chegada da família real ao Brasil, hábitos da aristocracia europeia vieram ao País. No século XVII, esses passos já eram aportuguesados nos grandes salões nobres de Portugal, até que cruzaram o Oceano Atlântico. “Essa dança era realizada na Europa em grandes festas como casamentos. Então, por isso vemos o casamento nas quadrilhas juninas”, conta o pesquisador da Fundaj.
Nas quadrilhas, o noivo, a noiva e o padre são tão tradicionais quanto o dente pintado de preto para fingir ser banguelo e a calça jeans remendada para a fantasia de “matuto”. “Historicamente, o São João sempre foi uma época de muita importância para quem vivia no Interior. As pessoas juntavam dinheiro para ficar bem, vestir roupa nova. Na Capital, o pessoal fez essa adaptação pejorativa, mas o ‘matuto’ sempre fez o possível para estar bem trajado para os festejos juninos”, afirma Pereira.
De Norte a Sul
Extremamente tradicional no Nordeste, as festas juninas também existem nas outras regiões do País, apesar de possuírem características distintas. No Norte, por exemplo, o maior destaque é dado para a festa de Parintins, que ocorre no Amazonas, com a tradicional disputa entre os bois Caprichoso e Garantido. No Centro-Oeste e Sudeste, é mais forte a tradição “caipira”, já no Sul, especificamente no Rio Grande do Sul, a festa ganha caráter tradicionalista.
“Aqui, o caipira dá lugar ao gaúcho, a mulher caipira dá lugar à mulher vestida de prenda (roupa tradicional). Depois da Semana Farroupilha, o São João é a época mais forte de disseminação da cultura gaúcha. Não traz tanto as festas urbanizadas com a ideia do caipira do centro do Brasil”, explica o sociólogo e professor da Universidade de Santa Cruz do Sul, Cesar Góes.
Natural de Aracajú, ele conhece as diferenças dos festejos juninos nas regiões e destaca que as tradições acabam ganhando contornos particularizantes. “Há, por exemplo, modificações por oferta de produtos da natureza. No Nordeste é muito forte o milho e no sul comemos muito pinhão, fruto da araucária. Além disso, temos o quentão, uma bebida típica trazida por imigrantes italianos, que as pessoas fazem em casa, própria do inverno. E a fogueira também é diferente, aqui normalmente ela é comunitária, não se vê na frente das casas como em alguns locais do Nordeste”, ressalta Góes.
Ritmo do “rei”
Sanfona, triângulo e zabumba. É praticamente impossível imaginar os festejos juninos sem a “tríade” de instrumentos musicais que faz todo mundo dançar forró. Entretanto, nem sempre foi assim. De acordo com o pesquisador, e professor do Conservatório Pernambucano de Música e da pós-graduação em Música da Universidade Federal de Pernambuco, Climério de Oliveira, essa formatação dos trios, ao que todas as pesquisas indicam, foi criada pelo rei do Baião, Luiz Gonzaga.
Ele explica que até meados da década de 1940, o forró sequer era chamado por esse nome. “O termo forrobodó era usado para festas populares, um termo considerado pejorativo, tinha uma conotação de furdunço, definia uma festa realizada pelas pessoas de classes desfavorecidas”, aponta o professor. “O forró virou a narrativa desse tipo de baile, o Gonzaga começou a chamar as músicas que narram esse tipo de festa de forró. Outra pessoa que fez muito isso também foi Jackson do Pandeiro”, acrescenta.
O festejo de São João, até então, era musicado de acordo com a disponibilidade daqueles que faziam a festa. “Era utilizado qualquer agrupamento de instrumentos acessíveis à população, podia ser pandeiro, clarineta, violão, qualquer coisa. O que aconteceu foi que Gonzaga saiu de Exú, na Serra do Araripe, e aportou no Rio de Janeiro quase dez anos depois, em 1939”, explica Climério.
A viagem de Luiz Gonzaga tinha como objetivo a fama por meio da música. Inicialmente, ele tentou a sorte tocando e cantando ritmo como samba, bolero e foxtrote, mas ao levar a música que cantava no Sertão, Gonzaga começou a ficar conhecido e ganhar fama sobretudo na comunidade de migrantes nordestinos. “As pessoas que estão em outras cidades querem ouvir coisa da sua terra, ele começou a preparar isso para agradar ao público, ele vivia de rodar o chapéu. Até que em um programa de calouros ele decidiu mudar, tocou o que ele preparava para a comunidade nordestina e ganhou o programa”, aponta o professor.
Abraçado pelas gravadoras, o baião de Gonzaga se multiplicou por meio de outros artistas e passou, aos poucos a ser chamado de forró, como é conhecido hoje. Ao longo do tempo, começou a ganhar corpo, com forte atuação de Gonzaga na associação mais que bem-sucedida do ritmo ao mês de junho, que faz o “arrastapé” tomar conta do São João. “O forró que a gente escuta é uma mistura do que era feito com o que passou a ser feito. Quando Gonzaga foi ao Rio, ele buscou fazer sucesso com as cantigas do jeito que eram, ainda sem o instrumento dos oito baixos, em formato de canção. Ele depois se adapta ao padrão da indústria, que hoje temos como muito tradicional, mas é recente, é da década de 1940”, destaca.
Fonte: Folha PE