Para discutir as ameaças que o governo Michel Temer vem tentando impor para as empresas públicas e analisar as formas de resistência que os trabalhadores vão adotar para combater o retrocesso, o Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas promoveu nesta quarta-feira (7), em Brasília (DF), seminário com base no princípio de que defender as empresas públicas é defender o Brasil. O evento, que contou com o apoio da Fenae, reuniu especialistas, técnicos, parlamentares e dirigentes de entidades sindicais e associativas de todo o país.
Na abertura do seminário, a coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, Maria Rita Serrano, que também é a representante eleita para o Conselho de Administração da Caixa Econômica Federal e conselheira fiscal da Fenae, fez um relato sucinto sobre a importância desse fórum para a luta em defesa do patrimônio público no país. A perspectiva, segundo ela, é a de seguir no caminho da resistência, como já está sendo feito desde a criação do comitê (janeiro de 2016), “para ampliar o debate e intensificar as ações com vistas a evitar novas perdas à sociedade”.
Depois o presidente da Fenae, Jair Pedro Ferreira, lembrou que hoje, diante das ameaças e ações privatistas perpetradas pelo governo Temer (PMDB), prevalece na agenda política e econômica o debate sobre o papel do Estado e de cada empresa pública, a exemplo da Petrobras, BNDES, Embrapa, Casa da Moeda, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Empresa Brasileira de Correios. “Nessa luta, segundo ele, é urgente e necessário envolver os trabalhadores e o conjunto da sociedade, buscando estratégias para fazer o enfrentamento contra os setores que querem dizimar o patrimônio público”.
Debate sobre a realidade brasileira
O primeiro painel do seminário abordou questões relativas à realidade brasileira, com base na análise em torno de dois pontos de vista: o econômico e o político. Coube a Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), analisar a conjuntura brasileira na perspectiva econômica. Ele começou sua intervenção conclamando os representantes dos trabalhadores a jogarem peso em todo um esforço político de construção da unidade sindical para defender as empresas públicas. “Precisamos entender que estamos travando luta em um país que é uma das maiores economias do planeta, tendo ativos que muitos outros sequer possuem”, disse. Ele afirmou que o Brasil e suas estatais não estão de fora do contexto dessa disputa.
Para Clemente Ganz, cada empresa estatal está no centro de algo permeado por forte interesse público, estando tudo isso a ver com uma estratégia de desenvolvimento. Em contraposição a essa dinâmica, o economista do Dieese revelou que, na atual conjuntura, a organização capitalista é coordenada pelo interesse do sistema financeiro, com uma nova lógica de investimento no mundo, baseada no princípio do máximo retorno do lucro no menor prazo possível, completamente fora do controle da sociedade.
“A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um período recente, foi um ponto fora da curva nessa trajetória capitalista. Isso porque foi fomentada uma outra perspectiva, com base na valorização do mercado interno, ampliação dos investimentos públicos e crescimento das faixas salariais e do emprego”, vaticinou. Ele acrescentou que, durante os dois mandatos de Lula, uma outra dimensão importante foi revelada: a da política pública de transferência de renda para as camadas mais pobres da população, diferentemente do que ocorre hoje sob o governo ilegítimo de Temer, que vem criando todo um ambiente institucional para que a economia nacional esteja vinculada a uma estratégia do capitalismo internacional.
O diretor-técnico do Dieese admitiu que o atual governo brasileiro adota a lógica de recolocar o espaço público a serviço da iniciativa privada, dizimando assim as empresas públicas. “Para enfrentar a estratégia de desmonte do patrimônio público, é preciso compreender o papel do Estado, o papel da empresa pública e o papel do investimento público. Nesse sentido, a reforma trabalhista é uma das medidas mais nocivas adotadas hoje no país, tendo em vista que esse modelo reduz estruturalmente o custo do trabalho no Brasil”, concluiu.
Clemente Ganz defendeu ainda a necessidade de investimento em comunicação para fomentar o debate público sobre o papel do Estado. Ele também considera fundamental a organização de um tipo de Observatório com capacidade para intervir em uma determinada realidade, tendo a perspectiva de produção do conhecimento.
Reconstrução da política e da democracia
Ainda durante o primeiro painel do seminário em defesa das empresas públicas, o jornalista Paulo Vannuchi, representante brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), expressou a opinião de que a luta principal é pela dignidade da política, atacada frontalmente, junto com a democracia, pelo projeto representado pelo governo Temer. “A política precisa ser resgatada na campanha em defesa das empresas públicas, com base no princípio da solidariedade. Esse pensamento se contrapõe fortemente ao neoliberalismo”, complementou.
Para Vannuchi, no Brasil de hoje o Estado Democrático de Direito está suspenso, mas a força do povo brasileiro se expressa na capacidade de encurralar as forças conservadores, como ocorreu fortemente em um período recente de 13 anos. “Hoje, porém, estamos vivendo um momento de derrota. A elite brasileira não consegue tirar do seu sangue o DNA escravagista. Nunca houve no mundo, nem mesmo sob o domínio da Roma Antiga, um sistema escravocrata como o brasileiro”, denunciou.
Depois de afirmar que o golpe aplicado por Temer e sua turma tem fragilidades, Paulo Vannuchi disse que a história segue adiante, cabendo à sociedade a tarefa de reconstrução da política, “pois o caminho da mobilização é o único que resta a todos os trabalhadores”. Segundo ele, o cenário conjuntural não é positivo sem o exercício duradouro das regras estabelecidas pela Constituição. E advertiu: “Precisamos fortalecer os canais de comunicação para romper bolhas, tendo claro que a comunicação produzida por entidades sindicais deve perseguir a necessidade de amplitude, de modo a atingir o maior número de receptores, não pregando apenas para os convertidos. A principal e a mais urgente das tarefas é a de reconstrução da democracia”.
Vannuchi, por fim, falou da disputa de hegemonia na sociedade, afirmando que ela ocorre em torno de três autoridades: a política, a intelectual e a moral. “Somos uma geração vitoriosa, pois o que fizemos no Brasil nas últimas décadas era improvável. Viemos das origens indígenas, das lutas camponesas, da resistência dos negros, das mobilizações operárias, da resistência das mulheres. Vamos mudar a sociedade, porque não a aceitamos como ela se encontra hoje”, concluiu.
Percepção da população sobre serviços nas empresas públicas
Outro momento importante do seminário em defesa das empresas públicas foi o da apresentação da pesquisa “Percepções e valores da população sobre serviços nas empresas públicas”, cuja exposição foi feita por Vilma Bokany, coordenadora do Núcleo de Pesquisa da Fundação Perseu Abrahmo. A abordagem foi sobre a dificuldade de comunicação que permeia o diálogo das esquerdas com as camadas mais pobres da população.
Segundo Vilma Bokany, uma pesquisa realizada no fim do ano passado pela Fundação Perseu Abrahmo sobre percepção e valores políticos da periferia de São Paulo detectou que há muita confusão entre a população de baixa renda a respeito do que é direita ou esquerda, bem como para responsabilizar os vários atores sociais sobre os problemas que eles enfrentam. “Ao mesmo tempo que tudo é culpa do governo, há a tendência de não saber bem a responsabilidade do Executivo municipal, estadual ou federal. Também se percebe que eles não atribuem aos conflitos capital e trabalho seus problemas, e muitas vezes se veem como colaboradores do patrão, que teoricamente estariam ‘no mesmo barco’”, afirmou a socióloga. Ela também participou dos debates na manhã desta quarta-feira.
Durante sua exposição, Bokany lembrou que, na verdade, a ascensão da chamada “nova classe média” não significou a cobrança por melhores serviços públicos, mas sim pela contratação de serviços privados, porque está muito arraigada a imagem vendida pela mídia de que o público é “algo que não presta” e não como algo que é direito de todos. E observou: “A pesquisa qualitativa detectou que, além de entenderem que “o inimigo é o Estado”, porque lhe cobra impostos e não restitui em serviços, se identificam muito mais como grupo de consumo do que com os associativos, como sindicatos, associações e coletivos”.
A pesquisadora da Fundação Perseu Abrahmo avaliou também que existe um liberalismo particular das classes populares, que entende o acesso ao consumo como mérito particular e que aposta no sucesso individual, na concorrência, no utilitarismo e na mercantilização da vida. Ao mesmo tempo que reconhece a força do pensamento midiático nessa construção, Vilma Bokanay entende que as esquerdas precisam descobrir e analisar porque o discurso da luta de classes não chega à periferia do país.
Fonte: Fenae