Nesta semana, conversamos com o advogado, historiador e docente de Direito da UESB, Ruy Medeiros, sobre a conjuntura política e a organização dos trabalhadores.
O Sr. Considera que houve um crescimento da direita no mundo e em nosso país? Geralmente se afirma que houve crescimento da direita no mundo e no Brasil. Não há como quantificar o fenômeno, mas é possível dizer que a direita ganhou mais visibilidade na mídia e em manifestações, que chegam a mobilizar contingente de pessoas que antes não mobilizavam. A par disso, houve diminuição da visibilidade da esquerda, refluxo temporário dessa e diminuição de seu auditório, embora em alguns momentos e lugares expressões muito afirmativas em número de pessoas envolvidas e conteúdo de protestos hajam ocorrido, como na Grécia, recentemente na Argentina e, de forma amalgamada com outras expressões, no Irã, etc. A esquerda, diante do medo que toda crise econômica gera na sociedade, vem sendo desqualificada pela grande mídia e por teóricos burgueses, de modo a diminuir a visibilidade de suas propostas e a fecundidade de novas formas de organização. Os novos padrões do modo de produzir e trabalhar trouxeram dificuldades organizativas e de comunicação para setores de base da esquerda. Isso, somado ao massacre do controle da mídia e da intensa divulgação do pensamento fundado no senso comum, diminui visibilidade de ações e leitura de pensamento alternativo na sociedade, além de estabelecer confusão entre pensamento alternativo de setores de classe dominante como se isso fosse expressão da esquerda.
A que o Sr. atribui os pedidos de intervenção militar e a radicalização da direita, inclusive nas cidades do interior? Dentro da revolução tecnocientífica que moldou a forma de produzir atualmente e alterou padrões de melhor visualização de interesses de classe, qualquer crise (e há sucessão de crises) importa em insegurança e os setores de classe média se assustam com a possível evolução para novo estado de coisa em que o nível de descontentamento dos proletários e proletarizados pode ter efeito profundo na organização do trabalho, por isso é cooptada pela produção de ideias realizada pelos setores burgueses e agem como multiplicadores propagadores e ativistas dessas. Por si mesmo a burguesia não teria tanto sucesso na divulgação do ideário de direita e do apoio a medidas adotadas pelos governos. Mas esses setores de classe média tendem a dividir-se quanto ao discurso e à atuação, o que se vê, ainda que timidamente, mesmo no Brasil. Os efeitos políticos da crise explicam essa loucura de intervenção militar propagada por pessoas que certamente tornar-se-iam vítimas de um regime ditatorial.
Os governos Lula/Dilma e suas alianças contribuíram para esse quadro? O PT no poder não politizou a sociedade e, à medida que fez a cooptação de movimentos sociais, diminuiu a força e autonomia desses, deixando vazio e falta de propostas, etc. que favorecem a direita. Mas isso não significa que haja só o Governo do PT para explicar, pois muitos movimentos, grupos, etc. aceitaram de bom grado a situação oferecida, e eles mesmo não se estruturaram política e ideologicamente. Acomodaram-se. Outros movimentos que não foram cooptados remaram contra a maré expansiva das ideias de gradativas reformas sociais arranjadas entre setores de classe.
Como o Sr. Avalia a polaridade Lula x Bolsonaro para a eleição deste ano? Existem outros caminhos? A polaridade Lula x Bolsonaro é como outras polaridades. O conteúdo é o que interessa: Bolsonaro representa o fim de qualquer escrúpulo político e Lula oferece pacificação social, sem formular o confronto, por isso mesmo que é pacificação. A polarização é da sociedade mesma e, atualmente, não se sabe qual o alcance da proposta de paz social diante da crise do Estado e da falência do chamado presidencialismo de coalização. É também provável que alternativa eleitoral a Bolsonaro ocorra. Quem tem figuras como Temer, Maia, Alckmin, etc. não precisa de Bolsonaro, e esse é o espantalho necessário para reunir setores da burguesia e oferecer alternativa mais viável para defesa dos interesses dessa, com maior probabilidade de vencer o pleito eleitoral que se aproxima.
Em relação à luta dos trabalhadores, quais problemas podem ser gerados por uma organização sindical prioritariamente partidária ou governamental? Os trabalhadores conseguirão, a duras penas, construir organizações autônomas, fora da institucionalidade. Os dias atuais se mostram contrários a isso. Mas não é algo definitivo a permanência de formas de organização herdadas de estágios bem anteriores do capitalismo, o qual alterou processo de produzir, alterando o próprio mundo do trabalho. Essa transformação não foi acompanhada por novas formas organizativas.
O Sr. considera que houve um certa omissão das centrais sindicais e sindicatos na época da aprovação da reforma trabalhista e pelo “Fora Temer”? Os movimentos sociais, que viram alargar a não autonomia de suas entidades, não se reorganizaram a tempo para deter a retira de direitos dos trabalhadores, enquanto que os sindicatos bastante burocratizados e acomodados têm a aparência de algo do passado. Continuam agentes de negociação de conflitos, quando conseguem sê-lo. Não souberam se atualizar. As entidades dos trabalhadores encontravam-se despreparadas para responder com atualidade as ofensivas do governo Temer, oriundo do golpe parlamentar.
Existe a necessidade de uma reorganização dos trabalhadores com práticas ideológicas diferentes das existentes nos últimos 15 anos? Observe que, desde o início desta entrevista, a questão da ideologia está posta. É a ideologia que viabiliza a explicação do mundo para tornar essa uma força política e de aglutinação de pessoas. É evidente que há um pensamento de esquerda atualizado, para o nosso mundo, que preserva os métodos de análise do materialismo histórico. Nos últimos 15 anos os trabalhadores foram convidados à acomodação, entretanto, com proposta de incorporação aos órgãos do Estado, esperança de mudança de status e aceitação das formas de atuação fortemente institucionais, especialmente de caráter parlamentar.
As opiniões expressas no artigo não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.