O Brasil registrou, em 2024, um aumento de mais de 80% em relação a 2023, das violações motivadas por intolerância religiosa, segundo dados do canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC),
Os dados evidenciam um cenário preocupante, no qual a maioria das vítimas ainda prefere silenciar diante de situações de assédio, seja por falta de confiança nos mecanismos de apuração ou por receio das consequências.
Um caso recente reacendeu o debate sobre liberdade religiosa no ambiente de trabalho, após um trabalhador ter sido demitido por se recusar a participar de um culto religioso promovido pela empresa na qual trabalhava. O caso foi parar na Justiça e está sob sigilo. A discussão com o presidente da Loovi Seguros, empresa, foi gravada pelo próprio trabalhador. O episódio ocorreu em 27 de janeiro, mas só ganhou repercussão após viralizar nas redes sociais neste final de semana.
Veja o vídeo:
Trabalhador é demitido de empresa, por não se sentir bem em participar de culto realizado dentro da empresa, e fora de horário. pic.twitter.com/G2LrfpHMYf
— NESTOR CAVALCANTE FILHO (@NestorCavalcan4) February 8, 2025
A empresa nega que a dispensa tenha relação com intolerância religiosa. Em nota, afirmou que o vídeo foi “gravado sem contexto adequado e divulgado de forma indevida para prejudicar a sua reputação”.
A Loovi Seguros é uma empresa que se apresenta como seguradora, mas na verdade é uma revendedora de seguros da LTI Seguros. A Federação Nacional de Corretores de Seguros (Fenacor), denunciou junto à Superintendência de Seguros Privados (Susep), que a Loovi se passar por seguradora sem estar credenciada como tal.
Segundo o site econômico InfoMoney, a Loovi tem entre seus principais divulgadores o empresário e ex-candidato à prefeitura de São Paulo em 2024, Pablo Marçal, investidor da companhia, e que também se apresenta como “sócio”.
O que diz a lei
Se comprovado que a empresa impõe práticas religiosas aos funcionários, ela estará infringindo a LEI Nº 9.029, DE 13 DE ABRIL DE 1995, que diz: “fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade”.
Para o secretário das Relações de Trabalho da CUT, Sergio Ricardo Antiquera, este caso de discriminação religiosa é alarmante e destaca a importância de denunciar tais práticas e inibi-las. “A liberdade religiosa é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”.
A Constituição Federal garante a liberdade religiosa como um direito fundamental. Prevista no artigo 5º, a norma assegura o livre exercício de cultos e protege contra discriminação por crença. No ambiente de trabalho, embora a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não estabeleça regras específicas sobre o tema, a legislação e a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) indicam a necessidade de respeito às práticas religiosas dos funcionários.
Empresas e trabalhadores podem firmar acordos que conciliem crenças e rotinas profissionais, promovendo um ambiente mais equilibrado. A Justiça do Trabalho entende que espaços corporativos podem ser usados para manifestações religiosas, desde que não interfiram nas funções ou horários de expediente. No entanto, atividades dessa natureza na empresa não podem ser contabilizadas como tempo de trabalho.
Discriminação religiosa persiste no ambiente corporativo
Apesar das garantias constitucionais, relatos de discriminação por crença são frequentes. Casos de assédio e pressão para que funcionários mudem de religião ocorrem desde o recrutamento, quando questionamentos sobre fé podem excluir candidatos de processos seletivos. Trabalhadores de religiões de matriz afro-brasileira estão entre os mais afetados, sofrendo preconceito em seleções e até bullying no ambiente corporativo.
O papel das empresas na promoção da diversidade religiosa
Diante desse cenário, especialistas defendem que as empresas adotem uma postura ativa para garantir que todos os colaboradores possam exercer sua fé sem medo de represálias. Além de evitar discriminação, a valorização da diversidade religiosa contribui para um ambiente de trabalho mais inclusivo e respeitoso.
O Brasil, como Estado laico, mantém separação entre religião e governo, sem adotar uma fé oficial. A Constituição reforça que ninguém pode ser privado de direitos por crença ou convicção filosófica, salvo em situações previstas em lei. O entendimento do TST destaca a necessidade de equilíbrio entre liberdade religiosa e deveres profissionais, assegurando respeito às diferentes crenças dentro das empresas.
Denunciar é preciso
Além da intolerância religiosa, os assédios de todos os tipos têm sido frequentes nos ambientes de trabalho. Um estudo realizado em 2024 pela KPMG, intitulado “Mapa do Assédio”, revelou que 41% dos casos de assédio no Brasil ocorrem nesses locais. O índice representa um aumento significativo em relação à edição anterior da pesquisa, que apontou 33% em 2023.
O levantamento também destaca que 92% das vítimas de assédio optaram por não formalizar denúncias pelos canais adequados. Entre os motivos para o silêncio, destacam-se a descrença na investigação do caso (27%), o medo de retaliação (23%), a preocupação com exposição (22%) e o temor por danos físicos ou psicológicos (18%). Além disso, entre os que decidiram denunciar, apenas 48% receberam algum tipo de retorno.
Os dados evidenciam um cenário preocupante, no qual a maioria das vítimas ainda prefere silenciar diante de situações de assédio, seja por falta de confiança nos mecanismos de apuração ou por receio das consequências.
Por isso, para aumentar a conscientização da população sobre o tema, o governo federal lançou, no ano passado, a Cartilha de Prevenção e Combate ao Assédio Moral e Sexual. O Tribunal Superior do Trabalho também tem uma cartilha sobre o tema, é a Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral e Sexual – Por um Ambiente de Trabalho Mais Positivo.
Para Sérgio Antiquera, é crucial que os trabalhadores saibam que não estão sozinhos. “Eles podem e devem buscar apoio de seus sindicatos no acolhimento e no apoio jurídico para encaminhar as denúncias e buscas por direitos. Os sindicatos desempenham um papel vital na defesa dos direitos trabalhistas e no amparo ao trabalhador”
Como se caracteriza o assédio e exemplos
Algumas situações no ambiente de trabalho podem ser enquadradas como assédio moral e podem gerar reclamações de direitos na Justiça, revisão de condutas de empresas e de gestões no serviço público, além de outras ações com foco em eliminar essa violência do local de trabalho. As principais condutas que se caracterizam como assédio moral são:
- Advertir arbitrariamente;
- Atribuir apelidos pejorativos;
- Criticar a vida particular da vítima;
- Delegar tarefas impossíveis e prazos incompatíveis para finalização de um trabalho;
- Desconsiderar, ironizar, desacreditar injustificadamente as opiniões do trabalhador;
- Espalhar rumores ou boatos ofensivos sobre a pessoa;
- Expor e enviar mensagens depreciativas em grupos de trabalho e nas redes sociais;
- Gritar, xingar ou falar desrespeitosamente;
- Ignorar a presença do trabalhador, dirigindo-se apenas aos demais colegas
- Ignorar problemas de saúde;
- Impor condições e regras de trabalho personalizadas, de caráter humilhante e diferentes das atribuídas aos demais;
- Impor punições vexatórias, como dancinhas;
- Incentivar o controle de um trabalhador por outro, criando um controle fora do contexto da estrutura hierárquica, para gerar desconfiança e evitar a solidariedade entre colegas.
- Isolar fisicamente o trabalhador para não haver comunicação com os demais colegas;
- Limitar o número de vezes que o trabalhador vai ao banheiro e monitorar o tempo que lá ele permanece.
- Manipular informações, deixando de repassá-las com a devida antecedência necessária para que o trabalhador realize suas atividades;
- Obrigar a cumprir tarefas humilhantes;
- Retirar a autonomia do trabalhador ou contestar, a todo o momento, suas decisões;
- Sobrecarregar o trabalhador ou retirar o trabalho de sua responsabilidade como objetivo de provocar a sensação de inutilidade e incompetência.
- Vigilância excessiva;
Fonte: CUT.