Quando chegou à confecção em que trabalha, no último sábado (22), Mariana ouviu de um superior que deveria manter distância de uma colega. A mulher, disse ele, está com Covid-19, confirmado por um teste rápido de farmácia feito dias antes.
Afastada durante a semana, quando a lotação do espaço é maior, a funcionária contaminada pelo coronavírus foi chamada a repor a produção no fim de semana. A decisão temerária da confecção resultou em pelo menos mais três infecções pelo vírus confirmadas e outros quatro casos suspeitos.
“Estou desde sexta-feira com dor no corpo, náusea e quase sem voz. Soube na segunda que mais quatro pessoas estão com suspeita de Covid e estão trabalhando. Ainda não sei o que fazer”, diz Mariana. Ela, como outros trabalhadores citados nesta reportagem, pediu para ter o nome preservado, pois ainda é funcionária da empresa.
A nova onda de contaminações por Covid-19 impulsionada pela variante ômicron vêm deixando desfalcadas empresas em diversos setores. Com a gravidade menor das infecções, o tempo de isolamento caiu de 14 dias para 10 dias, mas a obrigação de afastar todos aqueles que estejam contaminados ou com suspeita de contaminação continua valendo.
Além disso, patrões se recusam a pagar pelos testes, segundo os empregados.
“Estamos cercados de casos positivos. O que importa é que, independentemente de não haver tantas internações ou óbitos, a primeira obrigação do empregador é cumprir a lei”, diz o procurador-geral do trabalho José de Lima Ramos Pereira. “A relação trabalhista tem direitos e obrigações do empregador, e uma delas é manter o ambiente saudável e seguro.”
Na fábrica em que Regina trabalhava –ela pediu demissão–, foi o dono da empresa quem apareceu para trabalhar com Covid-19. Dias depois, quatro pessoas manifestaram sintomas e foram afastadas pelo médico do trabalho. Aqueles que, dias depois, descobriram resultados negativos em seus testes, tiveram os dias de afastamento descontados.
Na loja em que Juliana está empregada, a ameaça chegou em tom de brincadeira. Uma gerente avisou à equipe que se mais alguém aparecesse doente, todos “ajoelhariam no milho”. A vendedora calcula que mais da metade da equipe de 30 pessoas esteja afastada atualmente.
Somente no setor em que ela atua, três, de cinco, estão com Covid-19. No cadastro, somente dois, entre oito funcionários, ainda estavam trabalhando na última semana.
QUAIS OS DIREITOS DO TRABALHADOR NA PANDEMIA
Na terça (25), o governo Jair Bolsonaro (PL) formalizou a atualização das portarias 19 e 20, que estabelecem um conjunto de medidas para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão. A mudança central foi a redução no tempo de isolamento obrigatório e a possibilidade de os funcionários retornarem antes ao trabalho.
Na volta antecipada, o afastamento ainda precisa ser de pelo menos sete dias para os casos assintomáticos. Enquanto cumpre a quarentena, o trabalhador continua recebendo a remuneração e não pode ter os dias descontados.
O chefe do Ministério Público do Trabalho diz que o descumprimento das medidas de segurança no enfrentamento à crise sanitária tem sido tratado com prioridade pelos procuradores do trabalho.
As empresas podem ser responsabilizadas judicialmente na esfera cível pela exposição dos trabalhadores ao risco.
COMO DENUNCIAR RISCO À SAÚDE
Ele também recomenda que os trabalhadores denunciem os casos de violação de direito. A formalização das reclamações pode ser feita por qualquer pessoa que tenha conhecimento do assunto e não precisa obrigatoriamente partir de um funcionário da empresa.
“No mundo perfeito, o trabalhador comunica a contaminação ou a suspeita ao RH ou ao departamento médico, manifesta o desejo de fazer o home-office, nos casos em que isso é possível. No mundo real, esse trabalhador fica sob risco de ser dispensado”, afirma.
Além do próprio MPT, as denúncias podem ser feitas à fiscalização trabalhista, hoje novamente ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego, e nos sindicatos de trabalhadores dos setores.
Para o advogado trabalhista Luiz Guilherme Migliora, do Veirano, a atualização das portarias foi um avanço em relação à norma anterior, que previa 14 dias de afastamento. Com o alto percentual de adultos vacinados, o período agudo de contaminação tem sido menor, gerando uma onda de casos mais leves e de ciclos menores.
Mesmo que seja por menos tempo, a empresa ainda é obrigada a afastar o trabalhador nas três situações previstas pelas portarias do governo: com suspeita de Covid-19, com a contaminação confirmada por teste ou que tiveram contato com alguém com a doença (e que, portanto, são enquadradas como casos suspeitos).
“A empresa fica sujeita à fiscalização e pode ser multada, mas o mais grave é o risco de contaminar uma outra pessoa e o caso se agravar, o que pode resultar em dano moral coletivo”, afirma.
Para Alvaro Furtado, presidente do Sincovaga (Sindicato do Comércio Varejista de Alimentos), a atualização das portarias traz insegurança jurídica para as empresas. Ele considera que o tempo de afastamento deveria ser decidido caso a caso, por um médico.
“Dez dias parece um parâmetro aleatório. As empresas não têm condições de definir isso. Além disso, a portaria não trata de vacinação, exigência essa assegurada até pelo Supremo Tribunal Federal”, afirma.
O dirigente do sindicato patronal afirma que as empresas tentam equilibrar o cumprimento dos protocolos com a viabilidade dos negócios, e admite que, no dia a dia, podem ocorrer desvios. “Mas não é essa nova recomendação.”
Segundo o advogado do Veirano, o tempo de afastamento previsto nas licenças médicas é superior ao que foi definido na portaria. Se o médico definir um prazo maior ou menor de afastamento para um trabalhador, esse é o intervalo a ser seguido.
Fonte: Folha.