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“A tripla jornada é uma das maiores cobranças sofridas” pelas mulheres”

A psicóloga, doutora em Psicologia Social do Trabalho e professora da UFBA, Rayana Santedícola, aborda, nesta edição, aspectos ligados à saúde mental das mulheres trabalhadoras. Confira.

Quais são os principais transtornos mentais que acometem as mulheres trabalhadoras, sobretudo as bancárias? Em termos de transtornos mentais relacionados ao Trabalho, seguindo a lista do Ministério da Saúde, a síndrome de burnout lidera as causas de afastamento por parte das mulheres. A síndrome acomete principalmente pessoas que lidam com o público e com intensas exigências de produtividade, e gera sofrimento psíquico intenso, que leva ao esgotamento emocional, despersonalização e baixa realização no trabalho. Se o burnout não recebe atenção, ele pode desencadear outros transtornos, como a depressão, os transtornos de ansiedade e até a síndrome do pânico, que incapacitam as mulheres para o exercício laboral.

Os assédios moral e sexual, assim como o estabelecimento de metas inatingíveis, podem ser apontados como motivo para o desencadeamento destas doenças? Sim, e além disso, nos bancos ainda há a discriminação das mulheres no que diz respeito à promoção e ascensão na carreira, o que contribui para os maiores níveis de sofrimento psíquico no trabalho, que é em si a causa da maior parte das doenças ocupacionais ligadas à saúde mental. O assédio sexual também ocorre na maioria dos bancos privados, nos quais a exploração da imagem sexual da mulher é muitas vezes utilizada como um diferencial nas estratégias de marketing, uma vez que as bancárias estão em contato com clientes não só para atendimento, como também para a venda de produtos.

De que forma a conjuntura social, política e econômica interfere na saúde das mulheres que estão inseridas no mercado de trabalho ou que estão buscando essa inserção? Interfere de inúmeras formas, a começar pelo desemprego, pela ausência de políticas públicas de educação para o trabalho que tornam a mulher vulnerável a postos mais desqualificados. Por outro lado, a divisão sexual do trabalho nas organizações e a tripla jornada ainda contribuem para intensificar o conflito trabalho-família nas mulheres. Tudo isso as leva a ocupar os cargos menos qualificados nas organizações, a ter poucas oportunidades de desenvolvimento profissional e a experimentar níveis altos de angústia por ter que dar conta de demandas profissionais e domésticas. Soma-se a isso, o baixo investimento em qualidade de vida no trabalho por parte das próprias empresas. Isso diminui a sua qualidade de vida e leva aos mais diversos tipos de agravos ocupacionais.

Além do trabalho, as mulheres sofrem outros tipos de cobrança no dia-a-dia? Como elas podem lidar com isso de forma a minimizar os impactos em sua saúde mental? A tripla jornada é uma das maiores cobranças sofridas pelas mulheres. No Brasil, a cultura do machismo ainda se constitui em um empecilho para que o homem compartilhe de sua responsabilidade doméstica com a mulher (cônjuge, companheiro, filho, etc), gerando sobrecarga física, emocional e psíquica. Individualmente, a mulher precisa fortalecer a crença no direito de um tempo para si, para cuidar de sua saúde e da auto-estima, resistindo às pressões. Coletivamente, falar sobre o assunto com outras mulheres e com a sociedade continua sendo a melhor forma de combater este traço da nossa cultura, forte herança do patriarcado, mas, que não se encaixa mais nos novos papéis ocupados pelas mulheres no mercado e na sociedade em geral.

A nossa sociedade coloca sobre as mulheres toda a responsabilidade pela produção e manutenção da vida. De que forma isso contribui para o processo de adoecimento? Contribui no sentido da sobrecarga nas tarefas relacionadas ao cuidado e educação doméstica das crianças. Há uma crença de que a mulher, para se realizar, precisa procriar e que, uma vez procriando, ela tem que provar a sua competência materna, absorvendo todos os cuidados com os filhos. Estes cuidados são ininterruptos, e variam em cada fase da vida das crianças, tornando-se cada vez mais complexos. Considerando que a quantidade de famílias chefiadas por mulheres é expressiva no nosso país, essas chefes de família além do cuidado, precisam oferecer às crianças a orientação e o limite, o acompanhamento das atividades escolares, aumentando ainda mais as chances de desenvolvimento de transtornos e agravos.

Quais são os primeiros sinais a serem identificados pela trabalhadora para que ela busque auxilio profissional (médico e/ou psicológico)? Todos os sinais relacionados ao estresse, que incluem sinais físicos como taquicardia, alterações no sono, no apetite, no desejo sexual, dentre outros, já são um alerta de que algo não está bem e que há a necessidade de um ajuste. Sinais psicológicos como angústia, preocupação, ansiedade, irritabilidade, dificuldade de concentração e baixo rendimento no trabalho também acendem o alerta amarelo. Caso a mulher não consiga por conta própria ajustar a sua rotina, deve buscar auxílio psicológico no sentido de compreender a sua situação e elaborar estratégias de enfrentamento do estresse. Não se deve esperar a piora dos sintomas para a busca do auxílio profissional, uma vez que a evolução destes sinais pode ser permanentemente incapacitante.

As opiniões expressas não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.

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