Três dos ministros até o momento consideraram que ataques ao sistema eleitoral têm gravidade suficiente para condenação
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) caminha para tornar Jair Bolsonaro (PL) inelegível, pelo período de oito anos, por usar seu cargo como presidente para promover uma apresentação a embaixadores com foco em deslegitimar as eleições.
Dos 4 ministros que votaram até esta quinta-feira (29) no julgamento, 3 consideraram que o ex-presidente buscou se beneficiar eleitoralmente do evento, atacando bases da democracia, como a confiança no processo eleitoral.
O único voto divergente, do ministro Raul Araújo, foi no sentido de que, apesar da conotação eleitoral da reunião, ela não teria gravidade o bastante, um dos aspectos necessários para configurar os ilícitos eleitorais dos quais Bolsonaro é acusado.
No encontro, em julho de 2022, o então presidente repetiu mentiras sobre o processo eleitoral e buscou desacreditar ministros do TSE. Além de ter sido transmitido pela TV Brasil, o evento realizado no Palácio da Alvorada foi divulgado nas redes sociais de Bolsonaro.
Faltam se manifestar outros 3 integrantes do tribunal. A sessão será retomada nesta sexta (30), a partir das 12h. Faltam votar outros 3 integrantes do tribunal: Cármen Lúcia, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
Caso condenado, o ex-presidente estará apto a se candidatar novamente em 2030, aos 75 anos, ficando afastado portanto de três eleições até lá (sendo uma delas a nacional de 2026).
Para Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, ex-procurador regional eleitoral em São Paulo, um aspecto interessante da ação em julgamento é que ela gira em torno de um fato incontroverso, no caso a ocorrência da reunião com embaixadores.
“A divergência é como aquilatar a gravidade desse fato”, diz ele. “A lei exige gravidade, mas não traz uma métrica para a sua consideração. O que se tem são aportes da doutrina e da jurisprudência, mas que não afastam o espaço próprio de avaliação de cada ministro.”
Em seus votos, os ministros discutiram a gravidade sob dois aspectos, o qualitativo, que se refere à reprovabilidade da conduta, e o quantitativo, que trata do alcance e repercussão sobre a eleição.
Para o ministro Raul, único a votar pela não condenação de Bolsonaro, não houve gravidade na conduta do ex-presidente.
O ministro argumenta que, embora não se possa negar o “contexto de instabilidade oriundo de discursos de conteúdo inverídico”, do qual a fala do então presidente seria exemplo significativo, isso não teria afetado a condução do pleito pela Justiça Eleitoral.
Ele também considerou a baixa abstenção no segundo turno da eleição como demonstração de que as falas contra o sistema eleitoral não teriam tido maiores consequências.
No aspecto quantitativo, ele argumenta que o fato de o discurso de Bolsonaro no encontro com embaixadores ser semelhante ao de ocasiões anteriores reduziria sua capacidade de “produzir forte e surpreendente impacto e resultados danosos”.
O ministro Floriano de Azevedo Marques, por sua vez, considerou que o discurso de Bolsonaro aos embaixadores tem gravidade qualitativa por produzir um “efeito antagônico com a função do chefe de Estado”.
“O que pode ser mais grave no agir de um chefe de Estado que, visando a objetivos eleitorais, mobilizar o aparato da República para passar internacionalmente a ideia de que as eleições brasileiras não são limpas?”, questionou.
Para ele, também o aspecto quantitativo da gravidade ficou configurado, visto a reunião foi transmitida com uso da rede pública, com cortes veiculados pelas redes sociais que seriam “reproduzidos em progressão geométrica entre os apoiadores da chapa”.
A advogada eleitoral Carla Nicolini, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), diz que o argumento do ministro tem peso jurídico por trazer a gravidade do conteúdo da fala de Bolsonaro aos embaixadores.
Também o ministro André Ramos Tavares destacou, em seu voto no TSE, que o fato de o discurso aos embaixadores ter sido protagonizado pelo chefe do Executivo do país provaria a gravidade das falas trazidas na ação.
Ela estaria estampada no uso da estrutura pública para fazer um discurso anti-institucional com fins eleitorais.
De outro lado, uma diferença entre os votos dos ministros que decidiram pela inelegibilidade é a dimensão dada a elementos exteriores ao encontro em julho do ano passado.
Floriano, por exemplo, centrou sua decisão no evento apenas. Para ele, a minuta golpista incluída na ação e outras lives ou entrevistas de Bolsonaro servem apenas marginalmente para ilustrar condutas. Ele se refere a esses elementos como “periféricos, prescindíveis, até irrelevantes” e não os explora.
Já o ministro Tavares apresentou em seu voto mais pontos de contato com a argumentação do relator da ação, o corregedor-geral eleitoral Benedito Gonçalves.
Em seu voto, Benedito cita acampamentos diante de quartéis e os 8 de janeiro e argumenta que a “banalização do golpismo” é um desdobramento grave de ataques infundados ao sistema eleitoral de votação, dizendo ainda que, para além da organização do evento, Bolsonaro é responsável pelos “efeitos pragmáticos” do teor da mensagem difundida.
Além da divergência sobre a gravidade da conduta, o ministro Raul também teve posição distinta sobre a inclusão entre as provas da minuta golpista encontrada pela Polícia Federal na casa do ex-ministro Anderson Torres.
Em seu voto, ele disse não ver conexão entre o objeto do processo e o documento, argumentando que votou anteriormente, em fevereiro, a favor da inclusão nos autos para que fosse investigada essa relação, o que não teria ficado demonstrado.
Já Floriano, apesar de não fazer uso dela em seu voto, rejeitou o argumento da defesa de que a minuta seria uma ampliação do objeto da ação apresentada pelo PDT, em agosto do ano passado.
Também Benedito refuta que tenha havido ampliação da petição inicial, questionamento que é parte da estratégia da defesa de Bolsonaro. Para ele, as demais situações apenas contextualizam o episódio.
Fonte: Folha de São Paulo