Nesta semana entrevistamos Gabriel Landi Fazzio, advogado trabalhista, graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e militante da Unidade Classista.
Passamos por um período de ampla retirada de direitos no Brasil e ataques contra os trabalhadores. Qual a sua avaliação deste momento político e econômico? Desde a crise financeira de 2008, em ritmos e de maneiras distintas, a maior parte dos países capitalistas passou por processos semelhantes: aprovação de leis trabalhistas pró-empregadores, ataques à assistência e à previdência social, endurecimento das leis penais e da repressão policial, etc. As classes proprietárias atuam politicamente de modo cada vez mais direto, a fim de recuperar suas taxas de lucro, e limitam o espaço político para as variantes mais “sociais” das políticas liberais. A título de exemplo, veja-se o Banco Mundial que, desde os anos 90, patrocinou uma série de iniciativas assistenciais em toda a América Latina e, em novembro de 2017, opinou em um relatório seu que as políticas sociais deveriam ser revistas no Brasil. Adentramos um período geral de ataques da burguesia contra a classe trabalhadora.
Nesta conjuntura, quais têm sido os desafios de organização e enfrentamentos para os movimentos sociais? Ao lado dos desafios defensivos colocados, existem ainda desafios organizativos. Por mais de uma década, os movimentos sociais passaram por um relativo apassivamento, baseados na análise de que a melhor tática seria ‘aproveitar’ o governo reformista de esquerda para avançar lentamente por meio de concessões dialogadas. Diferente dos anos 70, 80 ou 90, em que o processo de organização dos movimentos sociais foi marcado pela preparação para enfrentamentos duríssimos com o Estado, esses anos 2000 propiciaram uma desorganização da luta de massas. O maior desafio organizativo dos movimentos, hoje, se traduz nessa necessidade de passar bruscamente de uma organização de negociação para uma organização de resistência.
Os sindicatos e centrais são espaços importantes de organização no mundo do trabalho. Como é possível avaliar o processo de credibilidade dessas entidades neste momento, e qual deve ser o horizonte de luta? O movimento dos trabalhadores foi responsável pelos mais importantes episódios de resistência do último ano: as Greves Gerais de 15 de março e de 28 de abril. No que diz respeito à credibilidade dos sindicatos, esses dias significaram a maior onda de apoio social a mobilizações grevistas em décadas. Ou seja: as camadas populares estão dispostas a apoiar a luta grevista dos trabalhadores, quando ela se manifesta com firmeza, unidade e decisão. A unidade do movimento sindical, que produz essa credibilidade, não é mera unidade das entidades sindicais – é a unidade do movimento sindical com os interesses de todos os trabalhadores, como foi no caso da luta contra a reforma de Previdência em 2017 – e deverá ser novamente, em 2018.
Este será um ano de processo eleitoral federal e estadual. Como organizar os enfrentamentos nesse contexto? Os trabalhadores devem participar ativamente, intervindo nos processos eleitorais: devem denunciar politicamente os candidatos do patronato e examinar rigorosamente as promessas (e trajetória) de todos aqueles que se afirmam “amigos dos trabalhadores”. Mas, em todo caso, a verdadeira força dos movimentos de massa vem de sua organização e ação para além do Estado. A capacidade de efetivar as reivindicações de cada movimento de massa, passadas as eleições, depende apenas dos próprios movimentos, de sua capacidade de mobilização: só assim poderá barrar os ataques de um tal governante que se eleja, ou, por outro lado, acelerar e garantir a aprovação de uma tal reivindicação progressiva.
Como discutir democracia em um cenário de avanço das forças conservadoras na condução de uma reorganização social? A única garantia real da democracia é a mobilização popular, a capacidade de resistência. Se o movimento social quiser fazer frente a todo arbítrio estatal, judicial e policial em favor dos ricos e contra os pobres, precisa derrotar de uma vez em seu interior toda a fé nesta democracia de proprietários: onde todos falam o que quiserem, mas apenas os ricos detêm a imprensa; onde todos votam, mas apenas os empresários podem coagir a sociedade com ameaças de fugas de capital e fechamento de postos de trabalho. Numa sociedade que se organiza assim, nenhuma promessa legal-constitucional pode prevenir, de fato, um golpe das classes dominantes se estas assim desejarem. A pior ilusão que podemos ter, em nossa luta, é de que seria possível barrar a reorganização reacionária da sociedade simplesmente mantendo esta democracia, que conduz à corrupção e ao fisiologismo. Se as forças populares desejam vencer as forças reacionárias na luta política e ideológica, devem ser capazes não apenas de representar a defesa contra um futuro assustador, mas a promessa de um mundo melhor. Representar não o desespero, mas a esperança. O autoritarismo de direita tem apelo frente ao povo porque ele denuncia, à sua maneira moralista e falsa, a falência da democracia dos proprietários. Os movimentos sociais devem ter isso em conta, em seu trabalho de massas. Só o Poder Popular pode barrar a marcha tragicômica da reorganização conservadora.
As opiniões expressas no artigo não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.