Ações reclamando direitos fundamentais como o uso do banheiro têm sido cada vez mais frequentes, de acordo com o Tribunal Superior do Trabalho. Prática pode se configurar como dano moral
O simples ato fisiológico como o de usar o banheiro está sendo cada vez mais motivo de ações trabalhistas porque patrões têm desrespeitado esse direito fundamental de todo ser humano. O alerta é dos ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que se queixaram das ações cada vez mais frequentes sobre o tema, em virtude das exigências das empresas para que trabalhadores e trabalhadoras batam metas de produção.
O abuso de controle de trabalhadores no ambiente de trabalho causa constrangimento e a depender do entendimento da Justiça pode-se configurar como dano moral. No entanto, muitos trabalhadores, vítimas de tal assédio, ou se calam ou simplesmente não tem conhecimento desse direito.
O caso em que os ministros expuseram a crescente quantidade de ações foi durante o julgamento do recurso de uma teleatendente da Telefônica Brasil S.A, de Araucária (PR), que denunciou a sua chefe, para receber um prêmio denominado Prêmio de Incentivo Variável (PIV), impedia funcionário de ir ao banheiro para ‘continuar produzindo’.
Segundo a trabalhadora, o PIV do supervisor depende diretamente da produção de seus subordinados e, dessa forma, havia muita pressão, humilhação e constrangimento para manter a produtividade. Para o relator do processo, ministro Alberto Balazeiro, a prática representa abuso de poder e ofende a dignidade da trabalhadora, que foi indenizada em R$ 10 mil por dano moral.
Para o secretário de Relações do Trabalho da CUT Nacional Sérgio Ricardo Antiqueira, a decisão do TST é um bom indicativo.
“Isso, é importantíssimo. Tomara que a linha que o TST está adotando seja mantida, por se tratar de uma ilegalidade, de um abuso que está acontecendo”, diz Sérgio Antiqueira.
Conheça seus direitos
Além de ir ao banheiro, há diversos direitos básicos que o trabalhador tem, mas que muitas vezes são descumpridos. Em entrevista ao Portal da CUT, a advogada especialista em Direito do Trabalho, Louise Helene de Azevedo Teixeira, do escritório LBS que assessora a CUT Nacional, explicou quais os limites que as empresas têm de ter na hora de exigir o cumprimento de suas atribuições. Veja abaixo.
Horários de descanso e almoço
Um dos direitos mais desrespeitados é a hora do almoço, por conta da agilidade que a tecnologia oferece. O direito do trabalhador que cumpre oito horas de carga horária é de uma hora de almoço. A chefia não pode interromper esse período nem mesmo por mensagens de WhatsApp. Quem trabalha seis horas tem direito a 15 minutos de pausa para lanche.
“O trabalhador não consegue descansar, se alimentar adequadamente. Muitas vezes se alimenta correndo e isso gera problemas de saúde sejam físicos, mentais e todos os que a gente pode imaginar para uma pessoa que não tem nenhum tipo de descanso e não consegue parar para se alimentar adequadamente”, diz Louise Helene.
A advogada afirma que é obrigação do empregador cuidar para que isso não aconteça e recomenda ao trabalhador quando for almoçar, de preferência, deixe o celular, principalmente se tiver um corporativo, dentro do ambiente do trabalho.
“É um ponto importante para ter esse controle. Acabou a sua jornada de trabalho, saiu da empresa, voltou para casa? Então deixa o celular na gaveta, desligado”, diz a especialista.
A mesma recomendação vale para os trabalhadores que atendem clientes por meio do WhatsApp quando ele é demandado a noite, aos finais de semana e em horários fora do seu expediente normal.
“Infelizmente as empresas enxergam o tempo de descanso como menos tempo de produtividade e essas demandas fora do expediente acontecem de forma muito corriqueira. É um sistema que move a produção e faz o trabalhador submeter a sua dignidade a esse sistema, principalmente aqueles que precisam bater metas”, diz.
Para a advogada trabalhista, mesmo que o trabalhador seja remunerado financeiramente, o sistema acaba “violando” as próprias condições de trabalho por ter a necessidade daquele retorno financeiro e, para isso, precisa entregar o trabalho, ser bem avaliado e tem receio de ser desligado se não produzir o que a empresa demanda, apesar de muitas vezes, ser inatingível.
“O empregador fecha os olhos para essas ocorrências e depois o trabalhador que não consegue ter esse direito resguardado tem de ser indenizado por ação na Justiça do Trabalho, ou por meio de pagamento das horas extras e até mesmo pagamento de indenização por dano moral, pelos descansos que ele não conseguiu usufruir”, explica.
A advogada, no entanto, ressalta que, infelizmente, a Justiça do Trabalho não tem reconhecido como uma violação da dignidade. Apesar de ter um horário de almoço e aos descansos, porque o entendimento maior hoje é que o pagamento da hora extra em si já é a indenização.
“A jornada exaustiva, extensa, impede até mesmo o convívio social com a família ou do trabalhador desenvolver outro tipo de atividade como estudo, qualquer outra coisa que ele queira fazer. Então, essa jornada muito extensiva limita a vida social”, afirma Louise.
Essas situações que geram adoecimento físico, mental e violam a dignidade numa perspectiva moral, são coisas que o dinheiro não é capaz de reparar
Regulamentação de metas
O secretário das Relações de Trabalho da CUT, Sérgio Antiqueira, defende que haja uma regulamentação para que o valor dos salários não gire em torno das metas exigidas pelas empresas. Algo que seja “sensato”, sem ser uma proibição.
“Uma lei se faz pelo exercício da prática. Existe toda uma legislação que garante as condições dignas, humanas dentro do trabalho, mas o é quando você transforma uma permissão numa forma de subterfúgio para burlar o direito do trabalhador”, diz.
“É uma forma indireta de mecanismos de produtividade que estão relacionados não ao que o trabalhador entrega, mas é relacionado ao tempo que ele fica no trabalho. É a busca do lucro a todo custo”, critica.
Para ele a Justiça do Trabalho deveria se debruçar em cima dessa questão.
“Inclusive, acho que esses dados de adoecimento, já levantados em determinados setores, são demonstrativos de que está acontecendo um abuso. Isso porque as pessoas ficam constrangidas, o que certamente afeta a saúde“, afirma o dirigente.
No entanto, Antiqueira lembra que uma regulamentação nesse sentido precisa passar pelo o Congresso Nacional para que seja incluída na legislação trabalhista.
“Para garantir direitos é necessário fazer uma legislação que permita garantir a produtividade e os direitos básicos. Mas, sabemos, no nível de Congresso Nacional que a gente tem hoje, é difícil”, diz se referindo à maioria dos parlamentares ser de partidos conservadores e neolioberais que, em sua maioria, propõem matérias antitrabalhadores e antissindicais.
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Direito de cuidar da saúde
Segundo a advogada, há empresas que pedem que o trabalhador marque consultas médicas fora do horário do expediente e esta é uma queixa bastante comum em seus atendimentos aos clientes que a procuram.
“Tem profissões que trabalham aos sábados e nem sempre um médico atende após às 18 horas. No caso de consulta no SUS é o sistema que disponibiliza a data e a hora”, conta.
Idas ao banheiro, pausas e movimentos
Existem outros tipos de pausa para algumas atividades específicas como autoatendimento em bancos, em que a pessoa trabalha em pé. Ela tem direito a descansar 10 minutos a cada 50 minutos em pé. O mesmo vale para um vendedor de loja e outras profissões.
No caso do atendimento por telemarketing há um limite por causa do uso do fone de ouvido, que pode prejudicar a audição e, por isso, são necessários pequenos intervalos.
Sobre as idas ao banheiro, apesar de a questão não ser regulamentada, trata-se de uma necessidade fisiológica e não chega a ser uma pausa.
“Ir ao banheiro jamais é tempo computado na jornada de trabalho, assim como beber água e café. Isso faz parte da boa convivência e da dignidade do trabalhador. Não chega a ser pausa, é uma necessidade”, afirma a advogada Louise Helene.
Impactos na saúde
A secretária de Saúde do Trabalhador da CUT Nacional, Josivania Ribeiro Cruz Souza, alerta para consequências quando as empresas regulam o tempo de idas ao banheiro, em particular, por vivermos em um país tropical, condição que acarreta no aumento da necessidade de maior hidratação ao longo do dia, o que é essencial para manter a saúde e o corpo em bom funcionamento.
“Trabalhadores necessitam ir mais vezes ao banheiro. Ficar muito tempo sem ir causa complicações como as Infecções do Trato Urinário (ITU), que ocorrem quando há retenção prolongada da urina”, diz a dirigente,
Além dessa patologia, ela cita outras como a constipação pelo ressecamento das fezes, que causam desconforto abdominal, inchaço, dor e, em casos graves, pressão nas áreas pélvica e abdominal, dor lombar e disfunções da bexiga. “E até mesmo impactação fecal”, explica Josivania.
Para as mulheres essa necessidade ainda é maior devido às diferenças de anatomia e de fisiologia que envolvem os órgãos reprodutivos como útero e bexiga, além do ciclo menstrual. Elas podem ter maior necessidade de urinar por causa da pressão exercida pelos órgãos reprodutivos sobre a bexiga.
Caso o trabalhador beba menos água para evitar ir ao banheiro, a desidratação acarreta fadiga, tonturas, confusão mental, constipação e até mesmo insuficiência renal em casos extremos.
“Tudo isso afeta a saúde mental, já que ao ser impedido de ir ao banheiro, o indivíduo pode sofrer estresse, ansiedade e constrangimento, levando à irritabilidade, baixa autoestima, depressão e diminuição da produtividade, alerta Josivânia.
Negar o direito de ir ao banheiro, ela observa, dificulta a concentração nas tarefas, resultando em um desempenho inferior e menor eficiência no trabalho.
Cercear o trabalhador e a trabalhadora do direito do uso do banheiro incide na violação de direitos humanos e trabalhistas como o direito à dignidade, saúde e higiene e ainda desrespeita a garantia de condições de trabalho seguras e saudáveis
Normas regulamentadoras
As normas regulamentadoras (NRs) são um conjunto de regras que definem parâmetros de segurança e saúde no trabalho, para diversos tipos de atividades profissionais.
A advogada recomenda que os trabalhadores conheçam essas regras e em caso de descumprimento recorram aos seus sindicatos e ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que aceita que as denúncias sejam anônimas.
“O MPT pode iniciar uma diligência, de conversa com a empresa e eventualmente até a punição com aplicação de multa, ou de um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta], porque mais importante do que a indenização é que o trabalho busque a reparação dos seus direitos na justiça, para que esse ciclo se encerre”, afirma.
Procure apoio dos sindicatos
É importante a relação com o sindicato, porque o sindicato tem mecanismo, como fazer essa avaliação dentro das empresas, se elas estão descumprindo direitos básicos do trabalhador.
“A denúncia é importante para que o sindicato possa tomar providências para que isso não aconteça, para não precisar chegar num ponto de esperar uma decisão judicial que para levar anos para ser tomada e aí o trabalhador já foi prejudicado, e na questão de saúde muita coisa não tem mais retorno”, recomenda Sérgio Antiquera.
Tem uma desqualificação do patronato em relação ao sindicato que faz com que trabalhador não tenha coragem e não acredite que o sindicato é o melhor caminho. Mas é! Um indivíduo sozinho não tem força, por isso a organização dos trabalhadores é o melhor caminho de se fazer um enfrentamento e isso é que o chefe ou patrão opressor e assediador mais teme