Não foram poucos os exemplos da continuidade de uma crise política e institucional sem precedentes na história política do país desde a redemocratização.
Mas a essência do ano foi a do aprofundamento das consequências do golpe parlamentar de 2016, que abriu as portas do inferno para uma onda de ataques sistemáticos e estruturais a toda ordem de direitos; desde a PEC do teto dos gastos no final de 2016, passando pela reforma trabalhista, chegando a extremos como a flexibilização do trabalho escravo, a tentativa de criminalizar todo tipo de aborto, entre outras barbaridades.
A próxima batalha será a da reforma da previdência (principal reforma pretendida pelo capital financeiro). O que está em questão, e apresentamos como primeira conclusão deste período, é que está em andamento um reordenamento ultraliberal e conservador do Estado brasileiro e nas relações capital-trabalho. Este é o sentido principal da ofensiva do capital e da direita, aprofundadas com o impeachment de Dilma em 2016.
Os perigos à direita
A enorme contradição deste período de retrocessos é que a crise política e institucional não se encerra. O ilegítimo governo Temer, dono de enorme rejeição, permanece em pé, apoiado pela maioria parlamentar do baixo clero oligárquico e também pelo “novo” momento político, seletivo e jeitoso do Poder Judiciário, pois após os áudios e delações da JBS e considerando as evidências que vieram à tona neste ano chega a ser inacreditável que Temer e outros como Aécio Neves estejam onde estão.
O pano de fundo dessa instabilidade é uma longa e profunda crise econômica e social. Os três anos recessivos e estagnados, os mais de 13 milhões de desempregados (pra não mencionar os subempregados), o avanço da precarização no mundo do trabalho, um aumento da violência e do extermínio nas periferias das grandes e médias cidades atingindo em cheio a juventude pobre e negra, o ajuste e corte violento nos gastos sociais em tempos de crise (que já resultou no colapso de estados como Rio de Janeiro) estão entre as facetas mais dramáticas de uma crise que não permite estabilidade duradoura. Ainda mais sob um governo e uma ordem que estão aí para aprofundar tal estado de coisas.
O problema desta crise de legitimidade, dessa desmoralização de políticos e poderes de toda ordem, é o crescimento das ideias em favor de saídas autoritárias. Exemplos não faltaram, como vimos nas seguidas declarações do General Mourão durante o ano, a falar abertamente em intervenção militar, e os testes das forças armadas em ações urbanas, como a ocupação da favela da Rocinha.
Ao lado disso, proliferaram movimentos e representações de uma nova direita e uma direita extremada, como o MBL e o indiscutível peso de Bolsonaro na disputa eleitoral. A segunda conclusão é que esta crise crônica política, econômica e social gerou uma base de massas para uma extrema-direita, parte do cenário político, ideológico e social do Brasil nos tempos atuais.
A resistência da social cresceu
De outro lado, 2017 foi um ano de crescimento da resistência da luta social, especialmente no primeiro semestre. Uma das maiores greves gerais da história do país, em 28 de abril, ocorreu exatamente nesta conjuntura adversa, expressando uma ampla frente de ação e resistência e a potencialidade da classe trabalhadora e nos movimentos sociais para enfrentar a direita e sua ofensiva. Para além das lutas gerais, assistimos inúmeras mobilizações: greves de categoria, ocupações por moradia, mobilizações feministas entre outras.
Não fosse a moderação e o extremo conservadorismo – para dizer o mínimo – das grandes centrais sindicais do país, que por duas vezes cancelaram greves gerais marcadas (uma delas contra a reforma da previdência agora em dezembro) o patamar da resistência poderia ser outro porque mesmo com um crescimento importante da resistência social, esta não foi o suficiente para inverter a relação de forças.
Porém, é possível extrair uma terceira conclusão: a resistência social foi um fato de 2017 e mostrou grande potencial de polarização e mobilização, especialmente quando se impõe a frente única na ação. Um novo e decisivo teste irá se apresentar em breve no embate da reforma da Previdência.
Um novo caminho para uma nova esquerda
Uma das consequências e talvez a mais importante do ponto de vista da reorganização nestes tempos difíceis foi que em 2017 consolidou-se uma das iniciativas de frente única social e política mais importantes para o presente e para o futuro próximo, que foi a Frente Povo Sem Medo.
A partir do golpe, desta etapa que impõe a unidade de ação para enfrentar a direita, mas da inadiável tarefa de se construir um novo caminho para a esquerda após o esgotamento do lulopetismo no poder, essa iniciativa se propôs a construir uma amplo ciclo de debates materializado na Plataforma VAMOS, Sem Medo de Mudar o Brasil, que mobilizou horizontalmente mais de 100 mil pessoas na construção da Plataforma e organizou debates em inúmeras capitais e cidades do país no segundo semestre de 2017. Este movimento gerou uma primeira síntese de diretrizes programáticas que apontam para um enfrentamento profundo com o capital e sua ordem ultraliberal.
A reflexão aqui remete ao golpe parlamentar de 2016, uma derrota para todo o movimento, mas serviu também para mostrar o desastre que a política de alianças do PT e o seu modelo de conciliação de classes (enormes concessões ao capital) levou o país e ainda colocou num beco sem saída a maior parte do movimento e da esquerda tradicional. Não por acaso surgiram iniciativas singulares (como é o caso da Povo Sem Medo), unindo movimentos sociais, sindical, de juventude e das pautas de opressões e partidos políticos que buscam fazer um balanço crítico deste período e formatar novos instrumentos e um novo programa de esquerda para o Brasil.
A quarta conclusão é que tão decisivo quanto enfrentar a direita e o capital e seus governos, será superar a conciliação de classes do lulopetismo, sem o qual a esquerda não poderá oferecer um caminho de esperança e renovação para as ideias socialistas e um projeto de massas capaz de voltar a disputar o país.
2017 mostrou que estamos em uma nova guerra de classes de longo prazo no Brasil, algumas batalhas importantes já foram perdidas, mas há força social para resistir e impor derrotas ou ao menos recuos ao Capital. Dependerá da capacidade das forças mais combativas dos movimentos sociais e suas representações políticas conseguirem, sem abrir mão da necessária unidade de ação prática, semear em 2018 um novo e independente caminho nas lutas sociais e nas eleições.
Fernando Silva é jornalista
Publicado originalmente no Correio da Cidadania