Neste mês de dezembro, a intervenção militar no estado do Rio de Janeiro completa dez meses. A ação, que inicialmente foi vista como promissora por boa parte da população, não trouxe resultados satisfatórios para aqueles que esperavam a implantação de uma nova política de segurança pública no estado.
Dados do último relatório apresentado pelo Observatório da Intervenção, uma iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (CESeC/Ucam), mostram que o número de tiroteios entre os meses de fevereiro e novembro na região metropolitana do Rio aumentou 59% se comparado com o mesmo período de 2017. Além disso, o número de pessoas mortas pela polícia também cresceu 40,5% segundo a entidade.
Para Silvia Ramos, que é coordenadora do Observatório da Intervenção, a medida de força do governo federal, prevista na Constituição, intensificou problemas estruturais na área de segurança pública que já existiam no estado do Rio de Janeiro.
“Os problemas da segurança pública do Rio de Janeiro que já existiam nos últimos anos e suscitou na intervenção, não foram alterados, pelo contrário, alguns desses problemas se acentuaram, como a política de segurança baseada em tiroteios, operações, mortes decorrentes de ação policial, presença e expansão de controle de territórios por grupos armados ilegais, como a milícia, problemas de corrupção policial. Esses problemas, que são estruturais da segurança do Rio, não foram alterados”, destacou a pesquisadora.
A intervenção nas favelas
A análise de Silvia é compartilhada também pela Comissão Popular da Verdade, organização composta por entidades da sociedade civil e movimentos populares que se dedica a monitorar violações de direitos humanos dentro da intervenção militar no Rio. Há oito meses a Comissão vem promovendo atividades públicas para denunciar o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e Anderson Gomes, as megaoperações em favelas cariocas que afetam o dia a dia dos moradores das comunidades e também um relatório com dados sobre os impactos sociais da intervenção.
Ana*, que integra a Comissão Popular da Verdade, afirma que a população negra e periférica tem sido a mais atingida após o Exército assumir a segurança pública no estado do Rio. Segundo ela, as megaoperações das forças de segurança nas favelas geraram mortes de inocentes, como foi o caso do adolescente Marcus Vinícius da Silva que foi morto a caminho da escola durante uma operação da Polícia Civil no Conjunto de Favelas da Maré, na zona norte da cidade do Rio.
“A política de confronto dentro das comunidades traz mais prejuízo para as pessoas que moram nas favelas e não têm mais paz e sossego. Claro que o crime deve ser combatido e deve ser feita a prisão de grandes traficantes de arma e drogas. (corta) Na nossa opinião, o que precisa ter é uma política de inteligência, quando essa política é efetuada, os resultados aparecem sem a necessidade de invasão e confronto”, explicou.
Quanto custa a intervenção?
A decisão do governo federal de intervir na autonomia do estado do Rio foi baseada no artigo 34 da Constituição Federal e está orçada, segundo o Portal da Transparência, em R$ 1,2 bilhão. A 26 dias do fim da ação, o Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro, utilizou R$ 53,95 milhões em despesas de custeio e manutenção da atividade. Cerca de R$ 430 milhões do orçamento já estão comprometidos para o futuro.
No Portal da Transparência, é possível também identificar as empresas e órgãos que mais receberam recursos com a intervenção. De acordo com as informações do site ligado ao Ministério da Transparência e a Controladoria Geral da União, o Comando do Exército recebeu cerca de R$ 29 milhões para executar a ação.
Já do ponto de vista empresarial, a Verint Systems Inc, líder no fornecimento de soluções de segurança de dados e espionagem, presente em mais de 180 países, foi a maior favorecida. Até o momento, a Verint arrecadou mais de R$40 milhões com a intervenção militar no Rio de Janeiro.
A empresa se popularizou após a tendência mundial de controle e vigilância pelas redes. De acordo com a Associated Press, o governo peruano chegou a gastar US$ 22 milhões com a Verint para o desenvolvimento de um programa de espionagem. A companhia opera em países da América Latina e já realizou transações com Colômbia, Equador e México.
Silvia Ramos acredita que falta transparência no critério do uso dos recursos da intervenção. Ela questiona também que as Forças Armadas recebem um repasse maior do que a área de segurança pública do Rio de Janeiro. Segundo ela, as Forças Armadas já se beneficiam com repasses referentes à Garantia da Lei e Ordem (GLO).
“Quando vemos caminhões na Via Dutra e Pavuna para diminuir o roubo de carga o que estamos vendo são recursos da GLO utilizados. Cada operação dessas com mil ou dois mil homens custa mais de R$ 1 milhão. Nós, do Observatório da Intervenção, monitoramos 584 operações, usando 195 mil agentes com a apreensão apenas 695 armas. É quase a apreensão de uma arma por operação”, relatou.
A intervenção militar no Rio de Janeiro segue até o dia 31 de dezembro sem perspectiva de renovação por parte do novo governo federal de Jair Bolsonaro (PSL) que já disse não ter interesse em prorrogar a ação no estado. A ação segue também sem dar respostas, após nove meses, sobre o crime político que tirou a vida de Marielle Franco e Anderson Gomes.
*Ana é o nome fictício utilizado para preservar a identidade da fonte.
Fonte: Brasil de Fato.