Nesta semana do Dia Internacional das Mulheres entrevistamos a mestre em Economia pela Unicamp e professora da Uesb, Sofia Mazano, que abordou sobre a luta das mulheres trabalhadoras.
Historicamente as mulheres estiveram presentes nas lutas da classe trabalhadora contra a exploração. Com a atual crise do capital qual o papel do feminismo hoje? Hoje, o papel das mulheres na luta da classe trabalhadora é ainda maior. As mulheres ocuparam definitivamente o mercado de trabalho, tanto por necessidade, quanto para romper com o machismo que relegava à mulher apenas o papel de dona de casa. No entanto, somos nós, mulheres, que enfrentamos as maiores dificuldades, tanto para acessar uma boa vaga de emprego, como a dupla ou tripla jornadas de trabalho; ainda hoje, assim como há 50 anos, nós ganhamos 30% a menos que os homens, e passamos por muitas outras dificuldades como todos os tipos de assédio. Às mulheres negras a situação é ainda pior, pois são as mais discriminadas, têm a maior taxa de desemprego, sofrem com o racismo e o machismo violentos de nossa sociedade. É importante para o capitalismo e o lucro das empresas que exista essa segmentação racista e machista. Por isso, temos que perceber que a luta das mulheres está relacionada diretamente com a classe trabalhadora.
Estamos em um momento de forte presença das forças reacionárias na sociedade. Qual a importância da luta feminista anticapitalista para avançar no fim da violência de gênero? Quem mais sofre com o avanço das forças reacionárias são as chamadas “minorias”. As mulheres, as trabalhadoras, os negros e negras, os pobres, os LGBT, se somarmos todos, por isso eu não chamo de minorias e sim de maioria. Mas as mulheres estão sofrendo de forma tão brutal e ainda não fizeram a relação entre o avanço do reacionarismo e o seu sofrimento. Diariamente assistimos já indiferentes as notícias de assassinado de mulheres por homens, que elas acreditavam ser companheiros, mas que as consideravam um objeto. Temos que pensar: por que, depois de tantos anos de lutas, nesse momento avança o feminicídio? Algumas pessoas vão dizer que hoje há maior visibilidade a esse assunto, mas não é só isso. Hoje vivemos uma epidemia de assassinatos e estupro de mulheres. Na minha opinião, isso tem relação com a crise mais geral de esgotamento do modo capitalista. Quando tudo se transforma em mercadoria, para a valorização do capital, nós também nos transformamos e, assim, como mercadorias, somos usadas e descartadas, como qualquer aparelho celular que não corresponde mais ao último modelo. Por isso, é importante fazer essa ligação entre a luta anticapitalista e a luta das mulheres. Nós não somos mercadoria, e temos que lutar para um mundo livre das mercadorias.
A Reforma da Previdência apresentada pelo governo Temer condenará a população brasileira a trabalhar até a morte. Tendo em vista que as investidas são mais duras para as mulheres, especialmente as negras, quais os principais impactos dessas medidas para as trabalhadoras? Na área da Previdência Social as mudanças que prejudicam as mulheres já vinham sendo feitas mesmo antes de Temer tomar a presidência. As medidas que modificaram a pensão por morte, por exemplo, impactam diretamente sobre a mulher, aumentaram os requisitos para se ter acesso a essas pensões, em caso de morte do companheiro. Agora, essa proposta atual é brutal. Não só pretende determinar uma idade mínima para se aposentar, aos 65 anos, como também quer equiparar homens e mulheres. O argumento é que as mulheres são trabalhadoras iguais aos homens. Isso não é verdade, não só porque as mulheres trabalham 8 horas semanais a mais que os homens, recebem 30% a menos, mas, depois de uma extensa jornada de trabalho, ao chegarem em casa, têm todos os afazeres domésticos sob sua responsabilidade. Mesmo que o companheiro ajude, veja bem, ele “ajuda”, mas não assume a casa e os filhos como fazem as mulheres. E isso não tem nada a ver com a “natureza” feminina, isso é uma construção social, uma imposição cultural que é difícil de romper.
A Reforma modifica ainda mais as pensões, tanto por morte como por acidente de trabalho, reduzindo o acesso e os benefícios. A desvinculação das aposentadorias do valor do salário mínimo é outro fator que vai levar a um enorme empobrecimento dos aposentados e da população em geral.
Diferente dos homens, o corpo das mulheres é tratado como uma propriedade do Estado. O direito à reprodução é uma pauta que está sendo levantada por mulheres do mundo inteiro. Enquanto isso, o Congresso brasileiro avança com o Estatuto do Nascituro, que retrocede na legislação do aborto. Diante disso, a legislação contribui para o aumento da desigualdade de gênero na sociedade? A legislação brasileira, quando trata das questões da mulher, é extremamente machista. Até bem pouco tempo ainda vigia o “direito” do homem matar em defesa da honra!O direito acabou, mas eles continuam matando. Com relação ao corpo da mulher, vivemos um machismo ainda mais forte, não só pela mercantilização de um padrão de beleza feminina, exposição do corpo como mercadoria, mas, fundamentalmente quanto ao direito ao aborto. Se uma pessoa tivesse saído do planeta nos anos 1980 e voltado agora não entenderia como pode uma sociedade retroceder tanto nesse debate. Eu defendo o direito ao aborto como um direito individual sobre seu corpo. No entanto, o que mais me deixa chocada é a hipocrisia. Nesse país, qualquer mulher que quiser faz aborto, as mulheres ricas o fazem nas melhores condições, mas as pobres são submetidas à mais brutal das violências e morrem, muitas morrem. Com o Estatuto, a penalização é ainda maior do que o que já temos hoje. Mas será que as mulheres ricas, que certamente também continuarão a fazer aborto, serão punidas?
Qual a importância mulheres trabalhadoras estarem organizadas para barrar os ataques às trabalhadoras e trabalhadores? Todos os assuntos que tratamos aqui não podem ficar apenas na esfera do conhecimento, ou seja, você se informar, até concordar, ou não, e pronto. Nada muda na sociedade sem a luta. Aqueles que estão no poder, ganharam a luta por enquanto, então, estão mudando a sociedade com suas reformas avassaladoras. E nós? O que vamos fazer? Muitos de nós acreditam que o Estado, o governo é neutro, os políticos é que são ruins. Mas isso não é assim, o Estado não existe sem os políticos e, a maioria dos políticos que está ocupando o Estado, está atuando fortemente em defesa dos interesses da sua classe, a classe capitalista. Mas todos nós somos políticos, o que nos falta é organização para enfrentar o grupo que está no poder. Por isso, a organização é fundamental. No entanto, eu penso que devemos nos organizar tendo como centro da luta o que é crucial para nossa emancipação, ou seja, organizar e lutar pelo poder, não um poder da mulher em oposição ao homem, mas o poder do ser humano emancipado de todas as opressões, principalmente da opressão do capital.
As opiniões expressas no artigo não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.