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A lei sou eu, disse então o fundamentalista religioso

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Bolsonaro e Sérgio Moro sancionaram sua primeira Lei (texto abaixo). Ela garante ao aluno, mediante requerimento prévio motivado, o direito de faltar às atividades escolares por razões religiosas.

O texto dessa Lei criou um direito cujo exercício depende exclusivamente da declaração unilateral do interessado. Sendo assim, qualquer pessoa pode se declarar judeu num mês e católico, islâmico, espírita, budista e macumbeiros nos meses seguintes. Ninguém é obrigado a conservar a própria fé e, em razão dessa curiosa Lei a consciência religiosa do interessado pode ser ajustada às suas necessidades de faltar às aulas ou às provas.

Outro aspecto curioso da Lei em questão é que nenhuma penalidade foi instituída para o caso de o requerente emitir uma declaração falsa. Suponha que o aluno seja judeu, mas no dia que ele pretende faltar só existe uma comemoração católica. Em razão do texto da Lei, ele pode perfeitamente se declarar católico. E ninguém poderá exigir que ele exiba a circuncisão para provar que é judeu ou puni-lo porque ele trocou de fé apenas por um dia.

Um terceiro problema ainda mais delicado merece atenção. Suponhamos que a instituição indefira o requerimento do interessado alegando que a declaração é falsa (o interessado se declarou judeu quando da matrícula e requereu o direito de faltar no dia de uma celebração budista, por exemplo). O prejudicado poderá recorrer ao Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88). Como o judiciário vai resolver a pendência?

A mudança de orientação religiosa é garantida pelo princípio da liberdade de consciência e de crença. Portanto, ninguém pode ser obrigado a permanecer numa religião. Em razão da ausência de sanção legal contra o abuso, o Judiciário não poderia considerar inadequada a mudança de religião por algum tempo ou, mesmo, por um dia. E neste caso, além de ganhar na Justiça o direito que lhe foi negado pela Escola o interessado poderia exigir indenização por danos morais escudando-se apenas e tão somente na declaração unilateral que ele emitiu e que foi rejeitada pela direção a instituição.

Além das faltas justificadas que foram discriminadas de maneira taxativa no art. 473, da CLT, o empregado somente pode faltar ao trabalho nos dias considerados feriados por Leis Federais, Estaduais ou Municipais. Ninguém pode, por exemplo, deixar de ir trabalhar porque pretende comemorar o Chanucá ou o Dia de Tupã. Entretanto, se requerer à Escola o direito de faltar naquele dia ele poderá ser dispensado das obrigações escolares apesar de ter que cumprir suas obrigações profissionais.

O mesmo raciocínio empregado para dispensá-lo das atividades escolares não é empregado para desobriga-lo das atividades profissionais. Como reparar essa injustiça? Uma das maneiras seria forçar a Justiça do Trabalho a decidir a questão. Mas se os juízes do trabalho atenderem o requerimento do trabalhador neste caso ocorreria o mesmo problema da proliferação de abusos, pois ficaria a cargo de cada um escolher quando faltar e quando ir ao trabalho.

No mundo antigo, toda vida social era regulada pela religião. A distinção entre política, guerra, atividade comercial e culto religioso era tênue ou simplesmente não existia. Em Esparta, por exemplo, em duas oportunidades os Éforos impediram a convocação do exército para combater os persas alegando que o festival da Carnéia era mais importante https://es.wikipedia.org/wiki/Carneas.

Durante a transição da antiguidade para a Idade Média os ritos antigos foram abolidos ou substituídos por adaptações cristãs. O predomínio da crença no espaço público, entretanto, continuou a ser uma realidade. Isso só deixou de existir quando a Idade Média chegou ao fim.

Ao que tudo indica em 2019 mergulhamos novamente nas trevas. A Lei 13.796/2019, que sancionada pela dupla Bolsonaro/Moro, abre caminho para todo tipo de abuso unilateral por razões religiosas. Não só isso, em algum momento a nova orientação começará a reverberar na Justiça do Trabalho e a dar prejuízo para os próprios empresários que colocaram um palhaço na presidência e um pseudo-jurista no Ministério da Justiça.

Todos nós sabemos quais são os dias considerados comemorativos pelos católicos e judeus. Mas ninguém pode dizer aos pastores quando eles irão realizar suas “fogueiras sagradas”, “exorcismos coletivos”, “benção de vassouras”, “venda de sabão em pó ungido” etc… Sendo assim, a Lei Bolsonaro pode se tornar uma nova fonte de renda para os pastores evangélicos. No princípio, apenas os próprios evangélicos obterão atestados para instruir requerimentos feitos com base na Lei. Mas não vai demorar muito para esses atestados começarem a ser vendidos ou falsificados pelos próprios pastores. Com o tempo, apenas eles irão dizer quando o suposto fiel irá trabalhar ou frequentar a escola. Qual será a punição imposta aos abusos que eles cometerem? Nenhuma.

Fonte: GGN

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