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Histórico de violações da Vale vai muito além de Mariana e Brumadinho

Maior mineradora do Brasil e a terceira companhia na indústria global de mineração de metais, a Vale S.A carrega vários crimes ambientais e tragédias humanas em seu histórico. A empresa é responsável pelo rompimento da barragem Mina do Feijão, em Brumadinho (MG) na última sexta-feira (25), que, até o momento, matou 65 pessoas. Há 270 desaparecidos e 192 resgatados.

O rompimento da barragem ocorre após pouco mais de três anos do crime ambiental em Mariana, também em Minas Gerais. O desastre, ocorrido em novembro de 2015, liberou cerca de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração na região e deixou 19 mortos após o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, da qual a Vale é uma das donas, em parceria com a BHP Billiton.

Para a reparação dos danos às pessoas atingidas pelo rompimento em Brumadinho, a Justiça de Minas bloqueou, no total, R$11 bilhões do caixa da mineradora. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) multou a empresa em R$ 250 milhões.

As penalidades, no entanto, representam muito pouco em comparação com os lucros enormes da empresa. Após uma política de reestruturação societária em junho de 2017, com adoção de novas políticas de mercado e de dividendos, as ações da Vale se valorizaram em 83%.

Em 2018, a Vale atingiu o maior valor de mercado dos últimos sete anos, ao atingir o valor aproximado de R$ 300 bilhões, ultrapassando o Itaú e a Petrobras. Em outubro do ano passado, a mineradora anunciou que no terceiro trimestre obteve um lucro líquido de R$ 5,75 bilhões, com o recorde de produção de 104,9 milhões de toneladas de minério de ferro.

Após o crime ambiental em Brumadinho, no entanto, as ações da Vale tiveram queda de 24% — a mineradora perdeu R$ 72 bilhões em valor de mercado.

Criada para a exploração das minas de ferro na região de Itabira, no estado de Minas Gerais em 1942, no governo Getúlio Vargas, atualmente a empresa privada, de capital aberto, está presente em cerca de 30 países ao redor do mundo, e em 13 estados brasileiros.

Privatização

A privatização da antiga Companhia Vale do Rio Doce, no dia 6 de maio de 1997, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), provocou a demissão de milhares de trabalhadores da companhia, até então uma das mais lucrativas estatais brasileiras.

A venda do controle acionário da empresa para o Consórcio Brasil, liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional, de Benjamin Steinbruch, foi fechada em 3,3 bilhões de dólares, o que representava 27% do capital total da empresa. O recurso utilizado para a compra foi disponibilizado aos compradores pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a juros subsidiados.

À época, o governo FHC convidou dois bancos internacionais para avaliar a companhia que seria leiloada. Um dos critérios determinados pelo governo foi de que a avaliação deveria se restringir apenas ao fluxo de caixa existente naquele momento, não levando em conta as reservas de minério de ferro que, segundo especialistas, eram suficientes para abastecer o mercado por mais de 400 anos.

A empresa foi criada em 1942 com recursos do Tesouro Nacional. Durante 55 anos, foi uma empresa mista e o seu controle acionário pertencia ao governo.

O sociólogo Tadzio Coelho, professor da Universidade do Maranhão (UFMA), pesquisou em seu doutorado a relação entre mineração e desenvolvimento em municípios onde a Vale opera. Ele avalia que uma das principais mudanças entre a gestão pública e privada da empresa é a imposição de um modelo de mineração mais predatório e antidemocrático.

Ele conta que após 1997 as escalas de produção e extração da mineração da empresa aumentaram com o maior emprego de aparelhagem tecnológica nos métodos de exploração e extração minerais —  que também aumentou o risco dos projetos. “A escala da geração de rejeitos também é ampliada. E se há uma ampliação da escala de produção, como subproduto da produção mineral tem o rejeito. E daí existe uma maior necessidade da expansão e loteamento das barragens de rejeito”, explica.

Outra mudança que veio com a privatização foi a diminuição da participação dos trabalhadores e das comunidades nos caminhos da empresa, segundo o pesquisador. “A Vale, na medida em que foi privatizada, implementou a lógica rentista e financeira. Ela começou a ser pautada pelos interesses de seus acionistas e do mercado financeiro”, pontua. “E aí há uma diferença de agentes que são centrais nesse processos decisórios.”

Depois do leilão de privatização da companhia, e com incentivo decisivo de José Serra, ministro do planejamento à época, a Vale passou a ser comandada pelo banco Bradesco, integrante do consórcio Valepar, detentor de 32 por cento das ações, enquanto os investidores estrangeiros passaram a somar 26,7% das ações totais da empresa.

Mesmo ponderando que falhas e lobbies de empresas privadas também estão presentes em empresas públicas, Coelho defende o processo de reestatização da Vale como um passo para que a empresa seja guiada pelo interesse público.

“A empresa estatal também é suscetível a este tipo de crime ambiental. No entanto, a maior tendência é isso acontecer com uma empresa privada, porque os trabalhadores e o interesse público, em uma empresa estatal, tem maior preponderância e espaço para ação.

Mas isso deveria ser acompanhado com outras medidas para ampliar o controle sob a atividade”, aponta o pesquisador.

Cerca de 100 processos que contestam a legalidade da privatização da Vale foram abertos na Justiça.

“Cuidado com o planeta”: os impactos sociais e ambientais da Vale

Mesmo antes das catástrofes socioambientais em Mariana e em Brumadinho, as contaminações da atividade mineradora já eram objeto de denúncia.

Publicado em 2014, o livro Recursos Minerais e Comunidade: impactos humanos, socioambientais e econômicos, de organização do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), catalogou 1,5 mil documentos e relatou o estudo de caso de 105 territórios, espalhados em 22 estados brasileiros, que sofreram impactos da mineração. Aumento da dispersão de metais pesados, mudança na paisagem do solo, contaminação dos corpos hídricos, danos à flora e fauna, desmatamentos e erosão, foram constatados como os principais problemas causados ao meio ambiente.

Embora na descrição dos valores da empresa a Vale afirme ter como missão “cuidar do nosso planeta” e “agir de forma correta”,  a atividade da empresa é responsável por parte dessas denúncias.

Em janeiro de 2012, por exemplo, a mineradora foi eleita como a pior empresa do mundo, no que refere-se a direitos humanos e meio ambiente, pelo Prêmio Public Eye, premiação realizada desde o ano 2000 pelas ONGs Greenpeace e Declaração de Berna. O motivo: uma “história de 70 anos manchada por repetidas violações dos direitos humanos, condições desumanas de trabalho, pilhagem do patrimônio público e pela exploração cruel da natureza”, lia-se na indicação da empresa.

Com cerca de 25 mil votos, a mineradora venceu a Tepco, maior empresa de energia do Japão, responsável pela usinas nucleares de Fukushima no Japão.

A Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, grupo de sindicalistas, ambientalistas e acadêmicos de oito países, produziram o Relatório de Insustentabilidade, que reúne as denúncias e violações cometidas pela corporação até 2015.

Em Minas Gerais, a mineradora tenta implementar o Projeto Apolo na Serra do Gandarela, que pode afetar uma reserva de 5 bilhões de metros cúbicos de água na região.

Em 2011, a Vale também comprou parte do Consórcio Norte Energia, responsável pela Hidrelétrica de Belo Monte. O projeto extensamente criticado pelos impactos socioambientais irreversíveis e pelo descumprimento de uma série de condicionantes para a implementação do projeto.

O impacto da empresa é global: em Piura, no Peru, onde a empresa tem uma mina para exploração de fosfato para a produção de fertilizantes para o agronegócio, o transporte da substância causou a dispersão de material particulado no ar e na água, afetando milhares de moradores e pescadores da região. Representantes da Frente de Defesa da Comunidade de San Martin de Sechura denunciaram que a Vale iniciou a exploração de fosfato sem consulta prévia, o que descumpre o Convênio 169 da OIT. A dispersão do material impacta na saúde de pessoas, desequilíbrio ambiental e no trabalho dos pescadores.

Já em Moçambique, na província de Tete, mais de 1,3 mil famílias foram afetadas pela poluição atmosférica decorrente da exploração de carvão. Com dificuldades no acesso à água e com terras impróprias para a agricultura, elas não foram indenizadas pela empresa até o momento. O Instituto de Estudos Sociais e Econômicos Moçambicano (Iese) constatou a presença de poluentes como dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e monóxido de carbono na região.

Em Nova Caledônia, um arquipélago que fica na Oceania, por exemplo, foi constatado o vazamento de efluentes ácidos em um rio próximo à unidade da empresa, causando a morte de cerca de mil peixes.

“Valorizar quem faz a nossa empresa”

Este seria o segundo dos valores da Vale. O Relatório de Insustentabilidade de 2015 também apontou que, com a privatização, aumentaram casos de assédio moral e subnotificação do número de acidentes de trabalhos e trabalhadores acidentados na empresa.

Em 2015, um trabalhador de 43 anos foi vítima de um acidente fatal da mina da Fábrica Nova em Mariana (MG), por causa do aumento da carga de trabalho.

No Canadá, investigações incriminam a Vale pela morte de dois trabalhadores na Mina de Níquel Stobie em Sudbury, em 2013.

Em 2013, a Agência Pública revelou que a Vale espiona funcionários, movimentos populares e veículos de comunicação. Na época, o ex-gerente de segurança da mineradora André Luis Costa de Almeida apresentou ao Ministério Público Federal e-mails, planilhas, fotos que comprovam a atuação da empresa para defender seus interesses.

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria da Vale, para comentar o caso, mas não obteve retorno.

Fonte: Brasil de Fato.

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