O pacote de leis apresentado por Sergio Moro, ministro da Justiça e da Segurança Pública, que ficou conhecido como “anticrime” segue recebendo críticas de diferentes setores. Na noite da última terça-feira (4), foi lançada, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a campanha “Pacote Anticrime: uma solução fake”. O evento, que já havia passado por Brasília, reúne mais de 60 organizações da sociedade civil que condenam o projeto do Executivo.
Apresentado em fevereiro deste ano, o projeto de Moro propõe a alteração de 14 leis federais e gerou questionamentos até do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que acusou o governista de copiar o projeto apresentado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
André Moro, defensor do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública (NESC), foi responsável pela condução dos debates sobre o pacote do ministro na Faculdade de Direito da USP. Em entrevista ao Brasil de Fato, após o encontro, o advogado criticou o projeto e afirmou que é possível enquadrá-lo em três eixos: “Encarceramento”, “Morte” e “Dor, tortura e sofrimento.”
Ainda de acordo com André Moro, o projeto do ministro deve precarizar o trabalho das defensorias, que ainda padecem com o déficit de defensores e estrutura para atender a atual demanda gerada pela política de encarceramento adotada pelo país. “Com esse aumento de demanda, as estruturas das Defensorias Públicas estarão menos organizadas”, explica.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Como o projeto do Moro pode impactar o trabalho das Defensorias nos estados?
André Moro: É uma discussão ainda embrionária. Aumentando o encarceramento, vai aumentar a demanda e o trabalho tanto dos defensores que trabalham na fase de conhecimento, quanto o dos que trabalham na fase de inquérito e dos que trabalham com inspeções em unidades prisionais, assim como os defensores que trabalham na execução penal. Eu tenho dividido em três pilares, a política da morte, a política do encarceramento e o terceiro pilar é a política da dor, tortura e sofrimento. Então assim, o trabalho dos defensores vai aumentar. Você pode imaginar, por exemplo, defensores que atuam na Fazenda Pública entrando com ações indenizatórias por conta de mortes cometidas por agentes policiais, ou mesmo por mortes ocorridas em unidades prisionais.
Além do encarceramento, podemos ter um inchaço na Justiça, no número de processos?
Sim. Por exemplo, nesse eixo que chamo de encarceramento, o Brasil já é o terceiro país que mais encarcera no mundo. Nos dois primeiros, EUA e China, a aceleração não está tão grande. O Brasil é o segundo do mundo em aceleração do encarceramento, somente em São Paulo, nós temos 173 unidades prisionais. Esse projeto do ministro Sergio Moro coloca que o regime inicial seria fechado e obrigatório em alguns casos, essa possibilidade já foi considerada inconstitucional há muitos anos atrás. Então, além do absurdo jurídico, ele está emparedando politicamente o STF. Apenas entre fevereiro de 2016, até agora, no mínimo – digo ‘mínimo’ porque pode haver variações, 25 mil pessoas foram presas.
O governo Bolsonaro tem sido cobrado pela falta de estudos que apoiem os projetos apresentados pelo Executivo. Nesse caso, o senhor acha que o governo federal pensou na estrutura das Defensorias antes de propor o pacote anticrime?
Não houve esse estudo. Já existe uma medida complementar que apontava que deveríamos ter Defensoria Pública em todas as comarcas. Porém, antes desse projeto do ministro, que na nossa opinião não tem qualquer embasamento científico e teórico que valide esse projeto, já existe um problema orçamentário brasileiro, que na verdade é uma crise do capital, uma crise cíclica, antes disso já não havia defensores suficientes em todas as comarcas do país. Com esse aumento de demanda, as estruturas das Defensorias Públicas estarão menos organizadas.
Quais pontos o senhor destaca do projeto, que podem vir a ser implicadores de problemas sociais?
É trazida uma excludente de ilicitude (para policiais), que já existe na lei como “legítima defesa”, coloca-se cláusulas muito abertas como “medo, surpresa e violenta emoção”. Além disso, existe a possibilidade de o delegado conceder a liberdade nesse caso e não o juiz, como hoje acontece.
Há a possibilidade das audiências de custódia, que são importantes instrumentos para combater a tortura e o encarceramento em massa, serem realizada por videoconferência. Primeiro, qualquer audiência não deveria ser realizada por videoconferência, até porque o próprio vocábulo da palavra audiência vem de você trazer alguém à autoridade. Se você realiza a audiência por videoconferência, essa pessoa vai estar em um local e o juiz em outro, é algo totalmente sem sentido.
Há uma vedação a saídas temporárias. Há uma vedação de visitas com contato físico, ou seja, sem afeto. Há também o absurdo de uma previsão para monitoramento de comunicações de familiares e advogados. É uma série de medidas que não vão combater o que é sustentado pelo ministro, pelo contrário, vai endossar o que ele alega combater. Faz 30 anos que endurecemos as medidas, encarceramos em massa e aplicamos leis mais severas, mas não funcionou. Por que funcionaria agora?
Fonte: Brasil de Fato