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Pandemia faz sumir trabalho e renda de catadores: “Somos grupos de risco. Tem idoso, fumante, diabético e cardíaco”

Elos frágeis da economia, trabalhadores responsáveis por 90% da coleta de material reciclável do país vão depender de auxílio emergencial do Governo. Associação organiza campanha.

As três carroças do catador de material reciclável Rodrigues Lucena de Souza, 34, estão vazias desde o início de março. Uma delas, estacionada em uma travessa da avenida São João, região central de São Paulo, tem servido de cama para este morador de rua que trabalha com coleta desde os 8 anos. “Meus contatos com lojistas [de quem ele recolhia o papelão] pararam desde março. Eu estou sobrevivendo não sei nem como… Vendi uma televisãozinha que eu tinha e usei meus últimos 20 reais pra comprar comida”, lamenta. Ele agora depende de doações para não passar fome. A pandemia do coronavírus teve um efeito devastador em toda a cadeia que envolve os catadores. Comércios, restaurantes e fábricas são a maior fonte geradora de material para esses trabalhadores. Com os estabelecimentos fechados para evitar a proliferação da doença, os mais de um milhão de catadores do Brasil viram uma redução média de 80% em sua renda, que gira em torno de um salário mínimo, segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis (MNCR).

A homeless man washes his hands in a sink installed in Rio de Janeiro's downtown, part of a project sponsored by Real Madrid soccer player Marcelo, during the coronavirus disease (COVID-19) outbreak, in Rio de Janeiro, Brazil, April 8, 2020. REUTERS/Ricardo Moraes

Eles agora dependem das “sacolinhas”, nome dado ao lixo reciclável residencial, que exige mais trabalho de separação e tem um retorno financeiro menor. Além disso, o material doméstico apresenta mais riscos para os catadores. “O reciclável de sacolinha é de pouco volume, é mais trabalhoso, e principalmente mais perigoso, porque passou pela mão de muita gente dentro de casa, a chance de estar infectado com coronavírus é maior do que o papelão do lojista”, explica o catador Alex Cardoso, 40, da Cooperativa dos Catadores de Carvalhada, em Porto Alegre. Além do impacto econômico negativo, a pandemia pode ter um efeito sanitário danoso para eles: “Boa parte dos catadores já tem um sistema imunológico baixo em função de uma alimentação ruim e das condições de moradia. Muitos não têm acesso a saneamento básico, outros moram em lixão ou na rua. Então o catador é grupo de risco para coronavírus. Tem idoso, fumante, diabético e cardíaco”.

As empresas que compravam o papelão separado e prensado e outros materiais recicláveis também suspenderam as atividades ou reduziram drasticamente o valor pago aos catadores. “Antes pagavam em torno de 350 reais o quilo de papelão e agora não passa de 200 reais. A latinha de alumínio pagavam 3.800 reais e agora é 2.000 a tonelada”, diz Cardoso. O cenário que se desenha é dramático para estes trabalhadores que são responsáveis por quase 90% de toda a reciclagem feita no Brasil, de acordo com levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Vão trabalhar sem máscara e sem luva [e se expor aos riscos] ou vão morrer de fome. Não temos pra onde ir, especialmente os que não estão em cooperativa. Para muitos, o máximo que eles tem é sua carrocinha, e muitas vezes mesmo ela é do ferro velho”.

Nos galpões das cooperativas o material reciclável se acumula, à espera de dias melhores quando as empresas compradoras retomem as atividades. “Deixamos tudo pronto porque isso facilitará a obtenção de renda rápida e urgente aos nossos cooperados quando as empresas voltarem a comprar”, explica o catador Marco Antonio de Lima, 38, presidente da Cooperativa de Reciclagem Unidos pelo Meio Ambiente (Cruma), de Poá, região metropolitana de São Paulo. “Temo o impacto para as famílias dos cooperados em razão da paralisação do processo de reciclagem. Todos estão sem renda e o galpão está lotado sem podermos vender os materiais”, lamenta. No momento, apenas os supermercados continuam fornecendo papelão para as os catadores da Cruma. “É uma situação muito triste a que estamos passando, é daqui que eu tiro o sustento da minha família. Sem produzirmos não ganhamos”, diz Alessandra Morais dos Santos Silva, 47, uma das cooperadas.

Boa parte dos catadores vai depender do auxílio emergencial para trabalhadores informais, autônomos e desempregados aprovado pelo Congresso, no valor de 600 reais. “Esse dinheiro é muito importante para nós, porque garante o pagamento de algumas despesas básicas como água, aluguel e luz. Mas não é o suficiente, especialmente nos grandes centros urbanos, onde o dinheiro necessário é quase o dobro”, diz Cardoso, de Porto Alegre. Para ajudar na complementação da renda destes trabalhadores a Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis lançou uma campanha online para receber doações e garantir a segurança alimentar das famílias que dependem da reciclagem.

Apesar da situação, Cardoso espera contar com a solidariedade da população. “É preciso ter um olhar humano sobre a nossa situação. A pandemia fez com que cuidássemos dos idosos, para quem nunca demos bola enquanto sociedade. Os pais passaram a valorizar a presença das crianças, e também a importância da escola. Nós valorizamos as coisas quando perdemos. Será que só vão valorizar o catador quando perdermos ele para o coronavírus ou para a fome?”, indaga.

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