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O governo Bolsonaro cria novas estatais para facilitar o processo de privatização

No último ano de Michel Temer, 2018, eram 134 empresas. No primeiro ano do governo Bolsonaro, o número aumentou para 200

Fila em agência da Caixa no dia de pagamento do Auxílio Emergencial

* Por Rita Serrano

Um observador desatento do futuro que se debruçasse sobre os anos do governo Bolsonaro até 2021 poderia constatar que houve um aumento na criação de empresas públicas. Segundo dados do Boletim das Estatais do Ministério da Economia, em 2016 o País possuía 154 estatais, sendo 106 subsidiárias. Em 2017 passou a 146, caindo para 98 o total de subsidiárias. No último ano de Michel Temer, 2018, houve nova redução, 134 empresas, 88 subsidiárias. Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o número de estatais aumentou para 200, com salto na criação de subsidiárias, que subiram para 154. E no início de 2020 eram 197 as empresas públicas, 151 subsidiárias.

Um pouco mais de atenção revelará, porém, um quadro muito diferente. Longe de defender o patrimônio público nacional, o que o governo federal tem feito é alicerçar uma estratégia para facilitar a venda das empresas públicas sem o aval do Congresso. Uma deliberação do Supremo Tribunal Federal em 2019 proibiu a privatização de estatais sem a concordância do Legislativo, mas permitiu a venda de subsidiárias. A decisão é objeto de contestação por diversas entidades, partidos e pelo Senado.

Para ilustrar a manobra “criativa”, em 2018 a Eletrobras tinha 30 subsidiárias. Pulou para 70 em 2019 e passou a 25 no início deste ano. No mesmo período, a Petrobras foi de 35 a 50 e hoje tem 49, enquanto a Caixa possuía apenas 3 em 2018 e hoje são 10. Com as novas empresas vieram a criação de cargos e indicações do governo à diretoria e conselhos de administração e fiscal. Uma realidade que destoa da diminuição drástica de trabalhadores no setor, quase 100 mil desde 2015.

“Essas novas empresas são criadas com investimentos públicos e em seguida entregues ao capital privado”

Com o surgimento de subsidiárias são transferidas funções essenciais da empresa-mãe, o chamado core business, que passa para a nova empresa a ser vendida ao investidor privado. Hoje, de acordo com levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar e a consultoria Contato, o número oficial de 38 processos de privatização se eleva para ao menos 106 com as operações que envolvem a criação dessas empresas subsidiárias controladas pelo Estado, parte delas com parceiro privado.

Sob o comando do ministro da Economia, Paulo Guedes, que reiteradas vezes deixou explícita sua preferência pela venda do patrimônio público, a lógica desse modus operandi se mostra ainda mais perversa: essas novas empresas são criadas com investimentos públicos e em seguida entregues ao capital privado, onerando o custo pago pela sociedade.

Denúncias de sindicatos de trabalhadores, partidos políticos e ações do Ministério Público apontam controvérsias no preço de venda de operações como as do Complexo Eólico Campos Neutrais, da Eletrobras, da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), da Petrobras, e de ativos do Banco do Brasil, que vendeu uma carteira de crédito para um fundo administrado pelo BTG.

“Em 2018 eram 134 estatais. No ano seguinte, 200”

Ao promover a privatização, o País perde a capacidade de superação da crise econômica e entrega seu patrimônio para multinacionais, muitas vezes estatais nos países de origem, caso dos bancos públicos chineses que têm comprado ativos no Brasil. Perde capacidade de concorrência e profissionais gabaritados, o que ocorre atualmente no Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada, única empresa da América Latina a produzir chips e que acabou de ser liquidada pelo governo federal justamente quando acontece uma das crises mais impressionantes de escassez de microchips para a fabricação de equipamentos eletrônicos, computadores, celulares e mais. Os trabalhadores do Ceitec têm sido demitidos e alguns contratados para atuar fora do País.

Tudo isso prova que o Brasil segue na contramão do mundo. Nos Estados Unidos, os Correios estão sob a direção do Estado e foi por meio deles que os norte-americanos receberam auxílio financeiro para a pandemia do Coronavírus, embora não disponham de um banco público do porte da Caixa para tal operação (receberam o pagamento via cheque). O mesmo governo dos EUA acabou de anunciar medidas para ampliar os investimentos públicos nas áreas de educação, saúde e desenvolvimento, enquanto o Reino Unido acaba de criar um banco público para financiar infraestrutura.

Pesquisa do Transnational Institute traduzida para o português e publicada no livro O Futuro É Público pelo Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas e a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), apresenta em torno de 1,4 mil casos bem-sucedidos de reestatização em mais de 2,4 mil cidades de 58 países.

O apagão no Amapá, ocorrido no fim de 2020, ilustra bem a urgência de se rediscutir esse processo de privatização no Brasil. Em menos de dez anos de concessão sob controle privado, a subestação de Macapá explodiu, incendiou e colapsou. Diante da incapacidade do setor privado para resolver o problema, o governo teve de pedir socorro a uma estatal, a Eletronorte, que pertence ao sistema Eletrobras e que o governo deseja privatizar.

Por fim, neste último ano marcado pela pandemia, os serviços e as empresas públicas foram e continuam a ser imprescindíveis. Do Sistema Único de Saúde à frente do combate da doença, da fabricação de vacinas pelos laboratórios à própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (informações do governo federal apontam que mais de 46 serviços da Anvisa considerados essenciais para combater a pandemia foram digitalizados até meados do ano passado), do desenvolvimento de pesquisas em universidades, à Caixa, com o atendimento a milhões de usuários, tudo revela, de forma explícita, o quanto elas são insubstituíveis na vida da sociedade brasileira.

Sendo públicas, serão sempre para todos.

Fonte: Carta Capital

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