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Invasões de terras e assassinatos de indígenas aumentam durante a pandemia, mostra relatório

Documento lançado pelo Cimi reúne dados de 2020 e revela que, em um ano, assassinatos de indígenas subiram 61% no Brasil

Seria possível imaginar que, em meio à crise sanitária do coronavírus, os sistêmicos ataques aos povos originários no Brasil arrefeceriam. Não é o que vem acontecendo.

Lançado na última quinta-feira (28), o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil feito pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) com dados referentes a 2020, revela que o segundo ano do governo Bolsonaro foi de intensificação das investidas contra essa população.

“Como se não bastasse, chega essa doença e no meio da pandemia aumentam as invasões e os crimes contra os povos indígenas e nossa mãe terra. Quando acontece com a natureza é conosco também que está acontecendo”, destaca Ernestina Makuxi, da Raposa Serra do Sol, durante lançamento online do documento.

Entre 2018 e 2020, os casos de invasões e explorações ilegais em terras indígenas subiram 137%. O relatório do Cimi, feito anualmente, constatou ser o quinto aumento consecutivo. No ano passado, as invasões atingiram ao menos 201 terras indígenas e 145 povos, espalhados em 19 estados brasileiros.

De acordo com o documento, em muitos casos a covid-19 chegou às aldeias justamente levada por invasores das terras indígenas, que vem atuando “livres das ações de fiscalização e proteção que são atribuições constitucionais e deveriam ter sido efetivadas pelo poder Executivo”.

Garimpo, Coronavírus e mercúrio

“Em muitas aldeias, a pandemia levou as vidas de anciões e anciãs que eram verdadeiros guardiões da cultura, da história e dos saberes de seus povos, representando uma perda cultural inestimável – não só para os povos indígenas diretamente afetados, mas para toda a humanidade”, expõe o relatório.

Somente em 2020 mais de 43 mil indígenas no Brasil foram contaminados pelo coronavírus e 900 morreram por complicações da doença. Os números são contabilizados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

O caso dos povos Yanomami, Ye’kwana e Munduruku são sintomáticos, segundo a pesquisa do Cimi, da “estreita relação entre a ação dos invasores, a omissão do Estado e o agravamento da crise sanitária”.

Na Terra Indígena (TI) Yanomami, localizada na Amazônia e fazendo fronteira com a Venezuela, é estimada a presença ilegal de cerca de 20 mil garimpeiros.

“Nossa situação não está nada bem”, alerta Dário Kopenawa Yanomami durante o lançamento do relatório. “Estão nos ameaçando de morte, a terra está ameaçada e todas as comunidades estão correndo risco. A violência está crescendo”, descreve.

Dário Yanomami denuncia, ainda, a contaminação dos rios provocada pelo garimpo. “A gente não tem como tomar água. Uma água barrenta cheia de mercúrio. Os nossos peixes estão morrendo e os animais que bebem água morrem também. E a situação das crianças: estão tomando banho, pegando coceira e doenças estranhas”, afirma.


Cerca de 20 mil garimpeiros estão, atualmente, fazendo extração ilegal em Terra Indígena Yanomami / Chico Batata / Greenpeace

No dia 13 de outubro a Hutukuara Associação Yanomami denunciou, em carta, a morte de duas crianças da comunidade Makuxi Yano, que teriam se afogado no rio por terem sido sugadas pela draga de garimpo ilegal.

Conforme a Associação, a área de floresta destruída pelo garimpo na TI Yanomami até setembro de 2021 supera os 3 mil hectares, representando um aumento de 44% em relação a dezembro do ano passado.

“Esse problema não é de hoje”, contextualiza Dário: “Vem desde quando os primeiros não indígenas invadiram esse país e chamaram de Brasil. Mas vamos continuar lutando”.

Assassinatos e suicídios

Em 2020, 182 indígenas foram assassinados no Brasil. Em comparação com o registro de 2019, o relatório identificou um aumento de 61%. Os estados com a maior taxa de assassinatos foram Roraima, Amazonas e Mato Grosso do Sul.

Nesse tema, o relatório destaca dois casos ocorridos com ações da Polícia Militar. O “massacre do rio Abacaxis” aconteceu em agosto de 2020 no Amazonas. Em resposta à ação de indígenas e ribeirinhos contra a pesca ilegal praticada por turistas, uma desproporcional ação policial resultou na morte de quatro ribeirinhos e dois indígenas Munduruku, além de duas pessoas desaparecidas.

Também em agosto do ano passado, no Mato Grosso, quatro indígenas do povo Chiquitano estavam caçando ao lado da aldeia quando foram mortos por policiais do Grupo Especial de Fronteira (Gefron).

A taxa de suicídios identificada pelo levantamento é também alarmante. Em todo o país, houve 110 suicídios entre indígenas em 2020.

“O governo age dentro de uma tática de guerra contra povos indígenas”

“A pandemia é o desvelamento desse processo que já vinha se dando no país”, caracteriza Roberto Liebgott, missionário do Cimi, para quem “o governo brasileiro age dentro de uma tática de guerra contra os povos indígenas”.

“O Estado deixa de ser aquele que propicia mecanismos de proteção e fiscalização e passa a ser o proponente, aquele que age no sentido de incentivar a depredação dos territórios indígenas”, resume Liegbott.

O Projeto de Lei (PL) 191/2020, que prevê a abertura das terras indígenas para atividades tais como mineração, exploração de gás e petróleo e a construção de hidrelétricas é um dos exemplos que ilustram o que Liegbott define como “o estabelecimento de uma anti-política indigenista no país”.

A Instrução Normativa (IN) 09/2020, publicada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em abril do ano passado para permitir a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas, também é citada no relatório.

Em sua fala no evento de lançamento, a antropóloga e assessora do Cimi Lúcia Rangel lembrou que, das 1299 terras indígenas identificadas e reivindicadas no Brasil, apenas 470 são homologadas ou oficializadas. “Já fazem seis anos que nenhuma TI é demarcada no país”, denunciou, ao criticar a normativa da FUNAI que, para Rangel, “não é mais o organismo de proteção do Estado para os povos indígenas. Ela atua no sentido contrário”.

Ao comentar a decisão dos senadores que retirou o indiciamento do presidente Bolsonaro por genocídio aos povos indígenas do relatório final da CPI da pandemia, Lúcia Rangel gesticula negativamente com a cabeça.

O Estado brasileiro, os fazendeiros e empresários “que cobiçam terras indígenas”, além de “todo esse exército de trabalhadores ilegais e violentos – que são os garimpeiros, madeireiros – e que cometem violências bárbaras”, elenca Rangel, “são todos cúmplices e promotores” das violências aos povos indígenas detalhadas no relatório.

“Sinto muito”, salienta Lúcia Rangel: “Dizer que não tem genocídio no Brasil não dá”.

Fonte: Brasil de Fato

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