O Ipec, fundado por diretores do antigo Ibope, será o primeiro, nesta quarta, a divulgar pesquisa nacional de intenções de voto para presidente. Contratada pela TV Globo, a pesquisa foi registrada no TSE com o número de BR-02736/2022 e ouvirá 2 mil eleitores em todo país em três dias – o levantamento começou na segunda-feira (3).
Na sexta, o Datafolha divulga o resultado de sondagens feitas a partir desta quarta-feira. Sob encomenda da empresa Folha da Manhã e da Rede Globo, o instituto divulgará pesquisa nacional para presidente. E também levantamentos específicos para presidente feitos nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Pesquisas na berlinda
As principais pesquisas eleitorais anteriores ao primeiro turno de votações acertaram e erraram. No cenário nacional, por exemplo, Ipec, Datafolha e Quaest acertaram, dentro da margem de erro, o percentual obtido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de 48,4% dos votos válidos. Contudo, erraram em relação à votação dada a Jair Bolsonaro, que segundo os institutos flutuava em torno de 36%, mas cravou 43,2% no final. O governo, inclusive, em mais um ataque ao direito à informação, cogita criminalizar levantamentos que “se equivocarem”.
Nas disputas nos estados, diferenças foram notáveis em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, entre outros. Inicialmente, os institutos esclarecem que as pesquisas registram a tendência de votos em um momento específico. Ou seja, os dias em que as entrevistas são feitas. Mas que fatores como a taxa de indecisos e movimentos de “onda” em redes sociais nos dias – e até mesmo horas – que antecedem a ida às urnas podem causar diferenças.
Além disso, o Brasil está atrasado com seu censo demográfico, o que dificulta aos institutos definir com mais precisão o tamanho de cada estrato populacional. Entre esse estratos, os por renda e religião, por exemplo.
Para entender melhor como a defasagem no censo pode impactar nas pesquisas, em 2010 os evangélicos eram 22% da população. Contudo, de acordo com o Datafolha, em 2019 os evangélicos já representavam 30% da população.
“É possível que a campanha dentro das igrejas ou nas redes sociais direcionada aos fiéis evangélicos tenha tido um papel relevante nos resultados. Muitas pessoas ainda indecisas acabam tomando a decisão no último dia, influenciadas pelas igrejas”, afirmou a professora da Universidade Estadual de Iowa (EUA) Amy Erica Smith, em entrevista à BBC, sobre o desempenho dos institutos de pesquisas nas eleições brasileiras.
Boicote às pesquisas?
Amy mencionou ainda a possibilidade de bolsonaristas terem promovido um boicote às pesquisas eleitorais. “Bolsonaro em vários momentos pregou desconfiança em relação às pesquisas. Isso pode ter feito com que alguns de seus eleitores não respondessem aos questionários e aos pesquisadores.”
O jornalista Marcelo Soares, da empresa de inteligência Data Lagom, reforça a visão de Amy. “As pesquisas só captam a opinião de quem topa responder; se há boicote tácito, o erro acaba virando uma profecia autorrealizada. E mesmo assim as dimensões dos outros candidatos, em média, não ficaram tão fora da margem de erro (…) Acho ocioso o debate quase ‘futebolístico’ de qual instituto errou mais. Curioso que os apoiadores de Bolsonaro nem lembrem dos erros de Brasmarket e Veritá. Institutos sérios e visados podem até ser alvo de boicote organizado, prejudicando o resultado.”
A diretora do Ipec Márcia Cavallari atribuiu o que considera um “erro ligeiro”, em parte, ao chamado “voto útil” contra Lula. “A última pesquisa divulgada na véspera da eleição mostrava que Lula poderia ganhar no primeiro turno, e de fato faltou 1,6 ponto percentual. Bolsonaro, por sua vez, teve 6 pontos a mais do que a pesquisa apontava. E analisando os resultados, houve migração dos 3 pontos de indecisos que ainda havia na véspera da eleição”, disse em entrevista à TV Globo. Os índices de Ciro Gomes e Simone Tebet também ficaram menores, mas dentro da margem de erro das pesquisas eleitorais.
Em São Paulo, as pesquisas colocavam Fernando Haddad (PT) à frente na corrida para governador. Com Tarcísio de Freitas (Republicanos) em segundo, se distanciando do terceiro, Rodrigo Garcia (PSDB). E viu-se uma rápida desidratação de Garcia em benefício do candidato bolsonarista. “Tínhamos dois candidatos antipetistas, e na véspera, 38% ainda não sabiam dizer espontaneamente em quem pretendiam votar. Teve uma movimentação desses eleitores para Tarcísio”, afirmou a diretora do Datafolha Luciana Chong à Globo.
“Ondas” e tendências
Chong explica que as pesquisas, mais do que tentar prever o resultado, servem de base para entender tendências. Foi o caso da Bahia. Os institutos verificaram um crescimento de Jerônimo (PT), que vinha atrás de ACM Neto (UB). O petista acabou na frente, perto de ganhar em primeiro turno. “Na Bahia, a gente já estava mostrando a tendência de crescimento do candidato Jerônimo e queda do candidato ACM Neto. Essa tendência continuou até na hora da votação lá, porque esse movimento não para na hora que a gente para de fazer a pesquisa.”
Uma tendência, ou “onda”, bolsonarista foi percebida em muitos estados, em especial na disputa para o Senado, onde o presidente elegeu 16 das 27 cadeiras em disputa. Em Goiás, por exemplo, as pesquisas apontavam vitória de Marconi Perillo (PSDB), com 25,8%, 5 pontos à frente de seu opositor bolsonarista Wilder Morais (PL). A realidade foi exatamente oposta. “Na última pesquisa, o Bolsonaro se distanciou bem do Lula (no estado) e acabou levando os indecisos a votar nos candidatos apoiados pelo presidente”, disse o diretor do Instituto Serpes, Braulio Martines, em entrevista ao jornal local O Popular.
O CEO do instituto Quaest Felipe Nunes reforçou a relevância das pesquisas para entender os movimentos do eleitorado, muito mais do que cravar o resultado das urnas. “A gente passou a campanha inteira dizendo que pesquisa não é prognóstico (do que vai acontecer), é diagnóstico (do momento). Mas chega a eleição, as pessoas esquecem disso e cobram das pesquisas algo que elas são incapazes de fazer, que é adivinhar o que o eleitor vai fazer”, disse em entrevista ao UOL.
Abstenções
Outro fator de influência nos erros das pesquisas eleitorais foi a alta abstenção. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 20,9% dos eleitores não compareceram às urnas. Trata-se do maior índice desde 1998 e equivale a 32 milhões de brasileiros que aptos a votar não o fizeram.
Mesmo antes do primeiro turno, o cientista político Jairo Nicolau disse, em artigo publicado em sua página pessoal, que as abstenções poderiam impedir a vitória de Lula ainda no primeiro turno. Ele aponta a preferência de Lula entre pessoas de baixa renda. Justamente estas pessoas que enfrentam dificuldades em se locomover às urnas.
Em São Paulo, por exemplo, se a pessoa precisar de duas conduções para votar, já são quase R$ 10 só em tarifa do transporte público. “Pode ser que em 2022 a vitória seja de Lula, mas é fundamental que seus potenciais eleitores compareçam para votar. A convocação para que os eleitores de baixa escolaridade (e baixa renda) saiam de casa pode ser decisiva”, disse Jairo na ocasião.
Revisão
Dado o volume de fatores capazes de comprometer a ciência estatística, especialistas começam a defender a revisão das metodologias e a interpretação com cuidado dos dados daqui em diante. “Temos que relativizar os resultados das pesquisas e os institutos precisam rever suas metodologias. Elas não foram capazes de captar a força da direita no Brasil. É preciso buscar outras fontes de informação”, disse o comentarista da GloboNews Mauro Paulino, ex-diretor do Datafolha.
Fonte: Rede Brasil Atual.