O uso de uniformes ou de um determinado estilo de roupa no trabalho é um tema que ‘dá muito pano pra manga’ quando o assunto é sobre até que ponto a empresa pode exigir um determinado tipo de vestimenta de seus funcionários e funcionárias.
Mas o tema envolve aspectos para além deste ponto. As dúvidas frequentes são sobre qual é o direito e o dever dos trabalhadores, por exemplo, no caso de perda das peças cedidas pela empresa, se o trabalhador deve arcar com os custos, de quem é a responsabilidade em caso de danos e, além de outras, se o trabalhador é obrigado a usar peças que possam colocá-lo em situação de constrangimento.
O Portal da CUT ouviu especialistas em Direito do Trabalho do escritório LBS Advogadas e Advogados, que presta assessoria jurídica à CUT para elucidar tais dúvidas e deixar trabalhadores e trabalhadoras por dentro do assunto.
A Lei
De acordo com o Artigo 456-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), “Cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada”.
Desta forma, empregadores podem exigir que o trabalhador use o uniforme. No entanto, as empresas devem fornecer as peças aos trabalhadores, arcando com todos os custos de confecção do uniforme. Esta regra está prevista no artigo 458 da CLT.
“Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações ‘in natura’ que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornece habitualmente ao empregado”, diz o artigo. Portanto, fica claro que a responsabilidade do custo é, de fato, da empresa.
Desta forma, vender a vestimenta ou descontar do salário do trabalhador o valor total ou parcial referente ao uniforme é prática ilegal.
Cuidados
O parágrafo único do artigo 456-A diz também que a “higienização do uniforme é de responsabilidade do trabalhador, salvo nas hipóteses em que forem necessários procedimentos ou produtos diferentes dos utilizados para a higienização das vestimentas de uso comum.
No entanto são comuns situações em que as peças dos uniformes podem ficar danificadas. Trata-se de um uniforme que, eventualmente, se rasga, desbota, etc. Quem paga por isso?
De acordo com a advogada Maria Gabriela Vicente Henrique de Melo, via de regra, o empregador é responsável pelo fornecimento de uniforme obrigatório, bem como pela garantia de reposição por danos decorrentes de desgaste, sendo o empregador responsável pela substituição das peças de forma regular antes que se tornem inadequadas ao uso.
Mas ela ressalta que há exceções. “O empregado é o fiel depositário das peças recebidas, tendo o dever de zelar por sua boa guarda e conservação. Caso ocorram danos por mal uso ou de forma intencional por parte do empregado, é possível que ao empregador realize desconto no salário de forma proporcional ao valor do dano ou da peça”, diz Maria Gabriela Melo.
Ela explica que o artigo 462 de CLT, em seu Inciso 1º, traz a possiblidade “de descontos salariais decorrentes de dano causado pelo empregado em casos em que houve intenção por parte dele [do empregado] ou por questão que tenha sido expressamente pactuada entre as partes”.
“Ainda assim, a responsabilidade pode variar caso a caso levando em conta questões que tenham sido pactuadas de forma específica no curso do contrato de trabalho ou em razão de negociação coletiva”, ela pontua.
A imagem do uniforme
A Justiça do Trabalho da Bahia condenou, em 2012, uma rede de supermercados que fazia propaganda nos uniformes dos funcionários. Na época, a Justiça entendeu que os trabalhadores estavam fazendo uso do próprio corpo com fins comerciais.
Hoje, esse tipo de situação não é mais passível de ações na Justiça já que o artigo 456-A, que foi alterado na Reforma Trabalhista de 2017, prevê a utilização de marcas.
Mas há outras situações em que trabalhadores são obrigados a, por exemplo, vestir fantasias em épocas de promoção. Há também casos de empresas que imprimem em seus uniformes frases de cunho político e ideológico, ainda que de forma velada.
Um desses casos é a rede de lojas Havan, que desde 2018 adotou um modelo de uniforme que levas as cores verde e amarela e tem estampada a frase “O Brasil que queremos”, em alusão à ideologia política de extrema direita. Luciano Hang, dono da rede, é apoiador declarado do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Pode isso? A advogada Maria Gabriela Melo explica que “a liberdade do empregador é barrada a partir do momento em que o uniforme fornecido seja em algum sentido vexatório ou ultrapasse a função de identificação relacionada à atividade e à empresa”
“O uniforme fornecido não pode expor o empregado a situações vexatórias, o que pode configurar assédio moral no ambiente de trabalho. É vedado, por exemplo, obrigar o empregado a fazer uso de trajes sumários, decotes excessivos, frases insinuantes, de duplo sentido ou que coloque em dúvida a idoneidade moral do empregado”, diz a advogada.
O exemplo citado do caso dos uniformes da Havan, ela reforça, envolve também a questão do assédio eleitoral, uma vez que o empregador não pode se valer de sua autoridade e poder para exigir que seus funcionários votem ou façam apologia a candidatos políticos.
“O voto é secreto, pessoal e intransferível e, portanto, assédio eleitoral é crime conforme conta na Lei Nº 9.504/1997, sendo vedado e punido também na esfera trabalhista”, afirma Maria Gabriela.
Ela cita ainda um caso similar, em que a Justiça do Trabalho do Mato Grosso condenou um supermercado a indenizar seus funcionários em R$ 150 mil por danos morais coletivos por obrigar seus funcionários a usar camisetas nas cores verde e amarela com os dizeres “Deus, Pátria, Família e Liberdade” como uniforme, durante o horário de trabalho, no período das eleições de 2022.
Na decisão, houve o entendimento de que a prática se trata de assédio eleitoral, analisando que os dizeres no uniforme eram “alusivos à campanha de um dos candidatos à Presidência”.
Acordos e convenções coletivas de trabalho
A CLT não traz qualquer vedação para que acordos e convenções coletivas tragam dispositivos que regulamentem a utilização de uniforme e questões específicas não abrangidas pela lei ou pactuem regras de uso aos mesmos, por exemplo. No entanto, via de regra, as regulamentações não podem, em hipótese alguma, significar supressão de direitos garantido na CLT.
Maria Gabriela Melo explica que “cabe à norma coletiva respeitar o limite entre seu poder de regulamentar o uso de uniformes e seu dever de respeitar direitos indisponíveis [irrenunciáveis] dos empregados”.
E reforça que ainda que o artigo 611-A das leis trabalhistas preveja o ‘negociado sobre o legislado’, seus incisos não trazem nenhuma previsão específica sobre uso de uniforme. O artigo dispõe, majoritariamente, sobre jornada de trabalho e verbas remuneratórias.
“Em recente processo, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), invalidou uma cláusula da norma coletiva que permitia aos funcionários da BRF S/A, de Rio Verde, Goiás, ficaram mais de cinco minutos antes e depois do trabalho para troca de uniforme, sem nenhuma remuneração extra, conforme prevê a CLT”, exemplifica o advogado
O relator do recurso, ministro Mauricio Godinho Delgado, explicou que o Supremo Tribunal Federal (STF), já havia firmado o entendimento sobre “observar a jurisprudência consolidada do TST e do próprio STF no exame judicial dos limites da negociação coletiva e na definição dos direitos trabalhistas considerados indisponíveis, por pertencerem ao grupo de normas que estabelecem um patamar mínimo civilizatório dos trabalhadores”.
‘Dress Code’ – o padrão de vestimenta da empresa
Há muitas empresas que exigem um ‘código de vestimenta’ para os trabalhadores. Trata-se desde usar uma roupa social em determinados ambientes de trabalho como bancos, escritórios de advocacia, no judiciário, entre outros até usar vestes ‘modernas e descoladas’, em determinados tipos de comércio.
Nesses casos, até onde a empresa pode exigir um determinado padrão do que o trabalhador deve ou não vestir, ou até mesmo nos aspectos físicos como cabelos, maquiagem, corte de barba, etc.? Esses casos envolvem, inclusive, a responsabilidade de custo sobre essas peças específicas de roupa, ou seja. Se um trabalhador é obrigado a usar camisa social todos os dias, quem paga por isso – é ele próprio ou a empresa arca com custos?
A especialista em Direito do Trabalho do LBS Advogadas e Advogados lembra que o artigo 456-A, CLT prevê que quando o empregador exige um padrão de roupa, como calça e camisa social, por exemplo, cabe ao empregado adaptar-se às regras e arcar com o custo da vestimenta.
No entanto, uma extrema ‘especificidade do código de vestimenta’, ou seja, quando a roupa exigida é muito específica, a situação pode acabar configurando que a empresa, na realidade, está exigindo um uniforme dos seus empregados.
Maria Gabriela exemplifica com um caso julgado em uma ação civil pública cujo entendimento do TST foi de que “ao exigir que os seus empregados fizessem uso de calça e sapatos sociais pretos, a empresa, estaria, em realidade, impondo um uniforme aos seus funcionários, devendo arcar com os custos da vestimenta”.
A advogada afirma, portanto, que “a exigência de código de vestimenta, conforme disposto pelo TST, deve observar a razoabilidade da exigência, na compatibilidade da vestimenta com a função exercida e a proporcionalidade entre o valor da peça exigida e a remuneração do empregado, de modo que os valores despendidos não representem comprometimento significativo do seu salário”.
Código de aparência
Em relação ao corte de barba ou uso de maquiagem, a advogada afirma que é situação de exigência é passível “de se questionar a relação entre a exigência e a função exercida”.
“Muitas vezes, exigências neste sentido podem vir de forma a parecer uma solicitação para compatibilizar o empregado ao código de vestimenta exigido para sua função, mas, em realidade, trata-se de mera reprodução de estigmas. O uso de maquiagem, por exemplo, tem sido imposto a mulheres como uma forma de impor a extrema perfeição do padrão imposto pela sociedade”, ela diz.
A questão que se impõe, ele complementa, é “até que ponto o ‘código de aparência’ é essencial à função exercida?”
Recentemente, a Gol Linhas Aéreas foi condenada pela Justiça do Trabalho a realizar pagamento mensal no valor de R$ 220,00 a cada empregada aeronauta, devido à exigência feita pela companhia que obriga suas funcionárias a fazer uso de maquiagem.
O que fazer quando o direito é desrespeitado
De acordo com Maria Gabriela Melo, os casos mais comuns de abuso de empregadores em relação ao uso de uniforme se referem sobre tempo utilizado para troca de uniforme e jornada de trabalho.
Outros casos também de referem à tentativa de empresas em se eximirem do custeio de uniforme e da limpeza em caso de uniformes que exijam técnica de higienização especial, fornecimento inadequado ou insuficiente de peças, uso de uniformes que possam ser entendidos como vexatórios e exigências que extrapolam a razoabilidade em relação às vestimentas.
“Caso tenha dúvidas sobre as exigências as quais tem sido submetido ou esteja passando por uma situação de ilegalidade em relação ao uso de uniformes, o trabalhador deve procurar o suporte do sindicato de sua categoria e assistência jurídica especializada. Em cada caso será analisada a viabilidade de um diálogo de forma administrativa ou a judicialização de um processo para se defender das ilicitudes”, pontua a advogada.
Fonte: CUT