O escândalo da venda ilegal de joias pode levar Jair Bolsonaro (PL) à prisão. Mas o ex-presidente não responde somente a este caso. O processo corre dentro do inquérito das milícias digitais no Supremo Tribunal Federal (STF), que também tem outras quatro linhas de investigações: os atos antidemocráticos, os ataques ao processo eleitoral, a disseminação de desinformação durante a pandemia e a tentativa de golpe de Estado. Há também inquérito sobre o suposto envolvimento do capitão reformado em um esquema de fraude nos seus registros de vacinação contra a covid-19, usado em viagens ao exterior.
Relembre os casos:
As joias
A Polícia Federal (PF) confirmou que o ex-presidente tinha conhecimento das tentativas de seus aliados de vender as joias presenteadas ao Brasil por delegações estrangeiras. As mensagens encontradas no celular apreendido do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, confirmam que o ex-mandatário sabia das negociações.
No último dia 17, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Jair Bolsonaro e de sua esposa, Michelle Bolsonaro, com o objetivo de identificar se o dinheiro adquirido com a venda de joias da Presidência foi repassado ao ex-presidente.
A decisão de Moraes ocorreu no mesmo dia em que o advogado do tenente-coronel Mauro Cid, Cezar Bittencourt, informou que seu cliente admitiria que vendeu as joias da Presidência da República a mando de Bolsonaro e que teria entregado em espécie o dinheiro obtido. O valor pode ter ultrapassado R$ 1 milhão.
Segundo a corporação, foi montada uma ofensiva para driblar o registro dos presentes pelo setor do Palácio do Planalto responsável por catalogar os objetos. Fariam parte do esquema o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid; seu pai, o general da reserva Mauro César Lourena; o segundo-tenente do Exército Osmar Crivelatti, braço direito de Mauro Cid; e o ex-advogado da família Bolsonaro Frederick Wassef.
Eles foram alvo de uma operação da PF – batizada de Lucas 12:2, em referência ao versículo da Bíblia que diz “não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido” –, deflagrada em 11 de agosto, com mandados de busca autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Para o magistrado, há indícios de que o esquema foi realizado por determinação de Bolsonaro.
Em nota, a PF afirmou que “há fortes indícios de que os investigados usaram a estrutura do Estado brasileiro para desviar de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao Presidente da República (…) com o intuito de gerar o enriquecimento ilícito do ex-presidente Jair Bolsonaro”.
Os valores obtidos com as vendas teriam sido “convertidos em dinheiro em espécie e ingressaram no patrimônio pessoal dos investigados, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores”.
A Polícia Federal também está compartilhando todos os detalhes da investigação com o FBI, a agência federal de polícia dos Estados Unidos. Isso pode fazer com que Jair Bolsonaro, Mauro Cid e Mauro César Lourena sejam submetidos a investigações no país da América do Norte por possíveis infrações financeiras, como lavagem de dinheiro e utilização de contas bancárias para esconder valores ilícitos. Além disso, o FBI deverá conduzir investigações sobre as empresas, lojas e indivíduos que adquiriram as joias, a fim de determinar se tinham ciência da origem ilegal dessas peças.
Inquérito das milícias digitais
A operação de busca realizada em 11 de agosto foi um desdobramento do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a atuação de milícias digitais, relatado no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Alexandre de Moraes. O inquérito começou a partir da investigação dos atos antidemocráticos de 2020. Segundo a PF, a organização responsável por aqueles atos foi responsável por toda a escalada golpista até chegar aos ataques ao sistema eleitoral em 2022.
No total, o inquérito tem cinco linhas de investigação que se relacionam entre si: os atos antidemocráticos, os ataques ao processo eleitoral, a disseminação de desinformação durante a pandemia, a tentativa de golpe de Estado e o uso do Estado para obter vantagens pessoais, como a venda dos presentes. Todos esses eventos teriam sido mobilizados pelo mesmo grupo de aliados e colegas de Jair Bolsonaro, o que justifica a Operação Lucas 12:2 ter partido do inquérito das milícias digitais.
No caso de suspeita de utilização do aparato estatal para obter vantagens, até o momento não havia evidências suficientes para implicar diretamente Jair Bolsonaro nas investigações. Isso se deve ao fato de que a apuração das transações suspeitas realizadas por membros da equipe liderada por Mauro Cid ainda estava em curso.
As novas descobertas da PF, no entanto, podem implicar Bolsonaro diretamente na comercialização ilegal das joias e outros objetos de valor presenteados ao Estado brasileiro, já que há mensagens que mostram que o ex-presidente teria recebido o dinheiro da venda dos itens.
Gabinete do ódio
Também no âmbito do inquérito das milícias digitais, a Polícia Federal enviou um relatório ao Supremo Tribunal Federal (STF) no qual aponta para a existência de uma milícia digital responsável por um “gabinete do ódio” que atuava contra as instituições democráticas do país e opositores.
“Observa-se também que, além de promover ataque aos veículos tradicionais de difusão de informação (jornais, rádio, TV etc.) e de estimular a polarização e o acirramento do debate, a organização utiliza essa estrutura para atacar de forma anônima diversas pessoas (antagonistas políticos, ministros do STF, integrantes do próprio governo, dissidentes etc.), tudo com o objetivo de pavimentar o caminho para alcance dos objetivos traçados (ganhos ideológicos, político-partidários e financeiros)”, escreveu a delegada da PF Denisse Ribeiro, que assina o documento.
Ribeiro ainda resumiu como se dá a atuação do grupo em quatro processos. O primeiro é a eleição: quando o grupo escolhe quem são os alvos. Depois a preparação, ou seja, a elaboração dos conteúdos a serem publicados. Em terceiro, o ataque em si com a publicação de agressões e notícias falsas. Por fim, o gabinete faz a reverberação, que é o cruzamento das postagens e as retransmissões.
A delegada também informa que o grupo atuou na difusão de informações falsas sobre a pandemia de covid-19. “Como exemplo, entre outros, pode-se citar a questão do tratamento precoce contra a covid-19 com emprego de hidroxicloroquina/cloroquina e azitromicina.”
Apesar de apontar para a existência do gabinete de ódio, a delegada explicou que a investigação deve prosseguir. “Há, da mesma forma, lacunas que precisam ser preenchidas, indicadoras da necessidade de realização de novas diligências voltadas à individualização dos fatos praticados, com indicação de autores e partícipes”, completou a delegada.
Ataques ao processo eleitoral
O ex-presidente já foi condenado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a oito anos de inelegibilidade por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação ao realizar ataques ao processo eleitoral durante uma reunião com embaixadores pouco antes das eleições de 2022. A propagação de desinformação sobre as urnas eletrônicas, no entanto, também é objeto de investigação no STF no inquérito das milícias digitais.
O ministro Alexandre de Moraes determinou, em maio do ano passado, que as investigações relacionadas aos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas e à suposta atuação de uma milícia digital contra a democracia fossem conduzidas de forma conjunta.
A decisão foi tomada em resposta a um pedido da Procuradoria Geral da República (PGR), que argumentou que unificar as duas investigações é essencial antes de tomar uma decisão sobre a possibilidade de denunciar o capitão reformado. O inquérito referente aos ataques proferidos por Bolsonaro ao sistema eleitoral teve início de 2021, após o então presidente ter disseminado informações falsas sobre as urnas durante uma transmissão ao vivo nas redes sociais.
“A Polícia Federal realizou diversas diligências e concluiu que os elementos de interesse obtidos durante a investigação corroboram a essência da forma de atuar desse grupo de pessoas, em convergência com o modo de agir já apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral por ocasião do inquérito administrativo instaurado também em decorrência da promoção da live”, escreveu Moraes à época.
Fraude em cartão de vacinação
De acordo com a Polícia Federal (PF), há indícios de que Bolsonaro sabia do esquema de fraude nos seus registros de vacinação contra a covid-19, já que as carteiras de vacinação dele e de sua filha mais nova contêm registros falsos de imunização. O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e braço direito do ex-presidente, teria sido o coordenador do esquema. Cid está preso desde o dia 3 de maio.
“Jair Bolsonaro, Mauro Cesar Cid e, possivelmente, [o assessor] Marcelo Costa Câmara tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento”, diz um trecho de uma representação da PF.
O atual assessor do ex-presidente, Max Guilherme Machado de Moura, confirmou em depoimento à Polícia Federal que emitiu um certificado de imunização contra a covid-19 em seu nome, mesmo sem ter se vacinado.
“Da mesma forma que os fatos investigados relacionados a Jair Bolsonaro e sua filha Laura, os elementos informativos colhidos demonstraram coerência lógica e temporal desde a inserção dos dados falsos no sistema SI-PNI [Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações] até a geração dos certificados de vacinação contra a covid-19”, disse a PF sobre Moura.
Fonte: Brasil de Fato.