Jair Bolsonaro pretende colocar o Brasil em um alinhamento firme com os Estados Unidos de Donald Trump, uma guinada sem precedentes na história recente das relações bilaterais. Um graduado membro da equipe de transição do presidente eleito, que tem acesso direto ao futuro ministro das Relações Exteriores, o trumpista e antiglobalista Ernesto Araújo, descreve a ambição: há a intenção de se apresentar como o principal aliado de Washington na América do Sul e servir, inclusive, de intermediador entre os países os vizinhos e a Casa Branca.
A aproximação, já sinalizada em trocas amistosas nas redes e telefonemas, tem seu primeiro encontro de peso nesta semana. Na quinta-feira, John Bolton, assessor da Casa Branca para a política externa e de segurança nacional, chega ao Rio de Janeiro para encontrar com Bolsonaro, dias depois de elogiar as afinidades de pensamento entre o mandatário eleito brasileiro e Trump.
Bolton faz uma breve parada no Rio a caminho da reunião do G20, na Argentina, no dia 30 –a equipe de transição ainda analisa se é viável e positivo enviar o futuro ministro Araújo para o encontro das principais forças globais. Ao menos outras três autoridades internacionais de peso que participarão do encontro em Buenos Aires também pediram reunião com Bolsonaro, mas ele, que prefere não sair do país ainda por motivos de saúde, alegou falta de tempo na sua agenda para não recebê-los. Quer se resguardar e mostrar para os norte-americanos que a preferência, agora e no Governo, sempre será deles.
O desejo por uma relação tão íntima com os Estados Unidos pode ser uma tradição na Colômbia, o país que mais recebe ajuda militar norte-americana na região, ou ter referências na Argentina, que nos anos 90 falava de uma “relação carnal” com Washington. Mas, para o Brasil, a segunda maior economia do hemisfério ocidental, com choque de interesses em matéria de comércio e indústria com a potência do norte, a guinada representa toda uma revolução. Não há nada do estilo desde o início da ditadura militar (1964-1985). Por mais que tenha tentado uma aproximação nos últimos dois anos, o frágil Governo Michel Temer jamais chegou nem perto de conseguir tamanha atenção da Casa Branca e marcou diferenças ao, por exemplo, rejeitar a ideia de qualquer intervenção militar na Venezuela.
Já de olho em tantas mudanças, os países vizinhos se apressam em ter o primeiro contato com Bolsonaro e sua equipe, num cenário em que não faltam ruídos. Há dúvidas se o núcleo mais “trumpista” em torno do futuro chanceler e do filho de Bolsonaro, Eduardo, terá a maior preponderância ante vozes que se apresentam como mais moderadas e até críticas da retórica do eleito, como o vice Hamilton Mourão. Já estiveram em reuniões com a equipe de transição embaixadores do Chile e do Paraguai, além de representantes do Uruguai, Colômbia, Equador, Argentina e Peru. “Só Bolívia e Venezuela não demonstraram interesse em aproximação, até o momento”, afirma um membro do futuro governo. A lista dos interessados não causa surpresas. Exclui a Bolívia do esquerdista Evo Morales que, há 12 anos no poder, tem que agir com cautela por causa dos enormes interesses em jogo: o Brasil é o principal destino de exportação de gás boliviano. O outro é o Governo de Nicolás Maduro, em plena deriva autoritária.
O filho como interlocutor internacional
No desenho dessa interlocução externa, chama atenção o papel que Eduardo Bolsonaro chama para si. Além de ter convencido o pai a se converter ao liberalismo econômico com Paulo Guedes, foi o deputado federal mais votado da história do Brasil que começou a buscar contato com militantes e lideranças conservadoras nos costumes e liberais na economia pelo mundo mesmo antes da escolha do novo chanceler. Foi Eduardo quem fez os primeiros contatos com aliados e representantes do presidente americano, Donald Trump. Em agosto, esteve com Steve Bannon, um radical de direita, ex-assistente de Trump e líder do The Movement, grupo que promove populismo de direita e nacionalismo econômico pelo mundo.
Eduardo também negociou uma viagem a Washington para se encontrar com o vice-presidente Mike Pence e com o secretário de Estado, Mike Pompeo. Não obteve êxito e justificou que teria de ficar no Brasil para ajudar na transição governamental. E, como o presidente eleito ainda não pode se ausentar do país por conta de sua saúde — ele precisará passar por uma nova cirurgia para se recuperar da facada que levou em setembro — o filho espera fazer essa viagem até o fim do ano.
Em contrapartida, recebeu uma sinalização de que John Bolton estava disposto a se reunir com seu pai. O próximo fato que o o grupo sonha em comemorar é a presença de Trump na posse de Bolsonaro, em 1º de janeiro. Na equipe de transição dizem haver indicações positivas para a participação do norte-americano no evento – o que seria inédito. Um mandatário que teria confirmado presença é o ultradireitista Viktor Orbán, o xenófobo primeiro ministro da Hungria. Nesta semana, em uma ligação telefônica, ele disse a Bolsonaro que pretende “ser um grande parceiro do Brasil”.
Cúpula conservadora das Américas
Antes mesmo da posse, o primeiro teste para saber o tamanho da influência que a gestão Bolsonaro na região será em dia 8 de dezembro. Nessa data, ocorrerá a Cúpula Conservadora das Américas, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, promovida pelos Bolsonaro – a primeira chamada do evento, em julho, acabou cancelada. Entre os seus participantes estão um filósofo cubano exilado nos Estados Unidos, um senador paraguaio que foi sequestrado pela facção criminosa Exército do Povo Paraguaio, um militar colombiano que comandou a luta contra as Forçar Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Está ainda na lista o ex-candidato presidencial de extrema direita no Chile, José Antonio Kast, que surpreendeu ao ficar em quarto lugar na eleição deste ano. “O Brasil sempre teve influência na região. Talvez tenha algum reflexo nos outros países agora também”, ponderou o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília.
Tudo ainda está na zona de testes, para os especialistas. Enquanto Bolsonaro tenta imitar Trump em ao menos duas frentes – diminuir a influência econômica da China e intensificar o relacionamento com Israel, ao transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém – ainda pairam dúvidas sobre a execução das medidas até o fim. O mesmo vale para as sinalizações de que a gestão brasileira poderia enfraquecer o Mercosul e se retirar de alguns dos acordos internacionais. Leonardo Barreto, da consultoria Factual, acredita que o futuro governo irá se deparar com algumas barreiras como a impossibilidade de se desvencilhar da China ou do Mercosul, a dificuldade em manter relações com países árabes caso privilegie sempre Israel. “Sozinho o Brasil não se senta em muitas mesas”, alerta. Os primeiros meses de 2019 mostrarão a diferença do discurso para a prática.
Fonte: El País