O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teme uma enxurrada de processos contra a nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. No final de semana, Bolsonaro decidiu se antecipar a eventuais ações judiciais.
Segundo assessores palacianos, auxiliares do presidente fizeram consultas informais a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o risco de a indicação ser barrada.
Ramagem é próximo da família Bolsonaro e amigo do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o filho 02 do presidente.
Carlos é investigado pela PF, conforme revelou a Folha no sábado (25), como um dos articuladores de um esquema criminoso para espalhar fake news. Bolsonaro quer Ramagem à frente da corporação que apura a conduta do próprio filho.
Atual diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Ramagem foi chefe da segurança de Bolsonaro em 2018, então candidato à Presidência da República, quando se aproximou de Carlos.
Neste domingo (26), o presidente respondeu a uma seguidora nas redes sociais que questionou a relação de amizade de Ramagem com os filhos. “E daí? Antes de conhecer meus filhos eu conheci o Ramagem. Por isso, deve ser vetado? Devo escolher alguém amigo de quem?”, escreveu Bolsonaro.
Em reunião com aliados e auxiliares neste domingo, o presidente avisou que nomeará nesta segunda-feira (27) outro amigo da família para um cargo-chave do governo. Jorge Oliveira, atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, substituirá Sergio Moro à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Ramagem ficará subordinado a Oliveira, que foi chefe de gabinete do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), além de padrinho de casamento do filho 03 do presidente. Oliveira é formado em direito e major da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal.
O pai do ministro, o capitão do Exército Jorge Francisco, morto em abril de 2018, trabalhou no gabinete de Jair Bolsonaro por mais de 20 anos quando ele ocupou uma das cadeiras da Câmara.
Em relação a Ramagem, o governo recebeu sinalização positiva de membros do STF. Bolsonaro reafirmou a aliados que não pretende desistir da nomeação do amigo do filho.
Integrantes do Supremo ponderam, no entanto, que a relatoria de um questionamento da nomeação seria sorteada. Se cair com um ministro não tão simpático ao governo, o Planalto pode vir a sofrer um revés na corte.
Na visão de ministros ouvidos reservadamente pela Folha, não há impedimento legal para o diretor da Abin assumir o cargo. Integrantes da corte lembram, no entanto, que o histórico recente do Supremo demonstra que o cenário político também é levado em consideração em decisões desta natureza.
Quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) nomeou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para chefiar a Casa Civil, por exemplo, o petista não tinha sido nem denunciado pelo Ministério Público ainda. Em tese, Lula preenchia os requisitos constitucionais para a função: brasileiro, mais de 21 anos e não tinha até então os direitos políticos cassados —mas foi barrado, em decisão de Gilmar Mendes.
Hoje, a maioria dos ministros diz acreditar que não há motivos para movimento semelhante. Outros mecanismos, afirmam, podem ser usados para assegurar a autonomia da PF.
Um exemplo isso é a decisão do ministro Alexandre de Moraes de determinar à corporação que mantenha à frente dos casos os delegados das investigações sobre atos pró-golpe militar e que apuram notícias falsas contra o STF. Esse recado foi passado, inclusive, por ministros do Supremo a integrantes do governo.
Apesar da sinalização positiva ao nome de Ramagem, o receio de contestações judiciais é real. Segundo assessores palacianos, Bolsonaro acionou neste fim de semana o advogado-geral da União, André Mendonça, para já deixar pronta uma defesa.
Isso porque o próprio presidente tem afirmado, em conversas reservadas, que não desistirá da indicação do amigo depois de já ter pago um preço alto para viabilizá-la: a demissão de Moro, ex-juiz da Lava Jato e até então o ministro mais popular do governo.
Moro anunciou na última sexta-feira (24) que deixaria o cargo por causa da tentativa de interferência política de Bolsonaro na PF. Ele disse que o presidente queria um diretor-geral da PF que o informasse sobre investigações e relatórios de inteligência.
Bolsonaro disse em rede social na noite deste domingo: “Uma coisa é pedir informações sobre inquéritos sigilosos em curso (o que nunca houve) e outra coisa ter acesso a conhecimento de inteligência produzido nos termos da lei (o que sempre me foi sonegado)”.
A nomeação de Ramagem foi uma das condições estabelecidas por Bolsonaro para a escolha de Oliveira para o comando da Justiça.
Para substituir Oliveira na Secretaria-Geral da Presidência, o presidente disse que nomeará o almirante Flavio Rocha. Para a Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ), também comandada por Oliveira, está em dúvida entre a tesoureira da Aliança pelo Brasil, a advogada Karina Kufa, e o chefe de gabinete da Presidência, Pedro de Sousa.
Bolsonaro tem lembrado a deputados bolsonaristas que Ramagem contempla a única condição legal para assumir a função: o diretor da Abin é delegado de Polícia Federal integrante da classe especial.
Desde o início do mandato, o presidente já pretendia indicar o amigo para comandar a PF. Com a resistência de Moro, ele o nomeou para o posto na agência de inteligência.
Além da proximidade com Carlos, o diretor da Abin ainda pode enfrentar outro foco de resistência. A esposa dele, a procuradora Rebeca Teixeira Ramagem Rodrigues, foi acusada, no passado, de se beneficiar de erro jurídico do governo para ter o direito a R$ 660 mil do estado de Roraima.
Enquanto isso, a oposição e o MBL (Movimento Brasil Livre), que apoiou Bolsonaro na eleição, anunciaram que entrarão com ações pedindo a suspensão da nomeação de Ramagem e a anulação da exoneração de Maurício Valeixo, homem da confiança de Moro, da direção-geral da PF.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ingressou na sexta-feira com ação popular na 22ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal para barrar a exoneração de Valeixo.
O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) irá ingressar com ação na Justiça Federal do Distrito Federal para anular a nomeação de Ramagem do cargo de diretor-geral da PF. A escolha de Bolsonaro ainda precisa ser publicada no Diário Oficial da União.
“O objetivo de Bolsonaro ao nomear Ramagem, um amigo íntimo da família, para o comando da Polícia Federal é controlar e transformar a instituição numa polícia política a seu serviço”, afirmou.
Já o MBL ingressou com uma ação popular que pede a suspensão da nomeação de Ramagem.
O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos coordenadores do grupo, critica a intenção de Bolsonaro de usar o cargo para fins pessoais. “A ação se baseia na violação do princípio da moralidade”, disse ele.
“A partir do momento em que mensagens divulgadas pelo ex-ministro Sergio Moro explicitam que a intenção da nomeação é ter alguém para fazer relatórios e promover investigações para uso pessoal do presidente, o interesse público fica de lado e a função de uma instituição de Estado é deturpada”, afirmou.
Partidos de oposição também avaliam entrar com um mandado de segurança no STF. Além disso, se tiverem sucesso nas ações em primeira instância, o governo deve recorrer diretamente à corte.
Enquanto as nomeações são aguardadas, Moro entra no alvo de grupos bolsonaristas.
“Tenho visto uma campanha de fake news nas redes sociais e em grupos de WhatsApp para me desqualificar. Não me preocupo; já passei por isso durante e depois da Lava Jato”, escreveu em rede social neste domingo.
Em uma releitura do slogan de campanha de Bolsonaro (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”), Moro escreveu ainda: “Verdade acima de tudo. Fazer a coisa certa acima de todos”.
Manifestantes bolsonaristas reunidos na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, incendiaram uma camiseta com a imagem do ex-ministro neste domingo. O protesto começou por volta das 10h30 e teve palavras de ordem contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o STF.
ENTENDA TODAS AS INVESTIGAÇÕES NO ENTORNO DE BOLSONARO
Inquérito das fake news
Em março de 2019, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito para investigar a existência de fake news que atingem a honra e a segurança dos membros da corte e de seus familiares. Paralelamente, em setembro do mesmo ano, a CPMI das Fake News foi instaurada no Congresso.
Desde então, a família Bolsonaro tem se colocado contrária ao funcionamento da comissão, que investiga perfis que fazem parte do arco de apoio do presidente da República. Tanto a apuração do STF quanto a da comissão envolvem a suspeita de que o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) estejam por trás do “gabinete do ódio” supostamente mantido pelo Palácio do Planalto para atacar desafetos políticos.
Dentro da Polícia Federal, não há dúvidas de que Bolsonaro quis exonerar o ex-diretor da PF Maurício Valeixo, homem de confiança do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, porque tinha ciência de que a corporação havia chegado ao seu filho Carlos, chamado por ele de 02.
A partir de depoimentos e indícios já coletados, a PF agora busca um conjunto de provas que sustente um indiciamento de Carlos Bolsonaro ao fim da investigação
Caso Queiroz
Em agosto do ano passado, Bolsonaro anunciou que trocaria o superintendente da Polícia Federal no Rio, Ricardo Saadi, por questões de gestão e produtividade.
A corporação passava por momento delicado na ocasião, especialmente após vir à tona o caso Fabrício Queiroz, policial militar aposentado e ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia do Rio.
Ele é o pivô da investigação do Ministério Público do Estado que atingiu o senador, primogênito do presidente. A suspeita da promotoria é de que o dinheiro seja de um esquema de “rachadinha” —quando funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários aos deputados.
Queiroz afirmou que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.
Esse caso específico não está com a PF, mas o órgão tocava investigações envolvendo personagens em comum
Caso Marielle
O nome de Bolsonaro foi associado às investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), ocorrido em março de 2018, a partir do depoimento de um porteiro do condomínio onde vivia, no Rio, antes de assumir a Presidência.
Segundo a TV Globo revelou em outubro de 2019, o relato indicaria que um dos acusados pelo assassinato teria dito que iria à casa do então deputado federal horas antes da morte de Marielle.
O Ministério Público, porém, disse que o depoimento não condizia com as provas obtidas. Dias depois, o porteiro afirmou à Polícia Federal ter cometido um erro.
Laudo da Polícia Civil do Rio de fevereiro deste ano indica que o porteiro que interfonou para Lessa não é o mesmo que apontou o envolvimento de Bolsonaro
Ato pró-golpe militar
A pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, corre uma investigação sobre os atos antidemocráticos dos quais Bolsonaro participou no domingo (19), em Brasília. O presidente pode ter cometido mais um crime de responsabilidade ao discursar na manifestação que pedia um novo AI-5 e o fechamento do Congresso.
A investigação mira empresários e ao menos dois deputados federais bolsonaristas por, possivelmente, terem organizado e financiado os eventos. Os nomes são mantidos em sigilo
Partidos do centrão
O isolamento político de Bolsonaro o levou a começar a negociar com os partidos do centrão (PP, PL, Republicanos, PTB, Solidariedade e PSD). Vários integrantes das siglas que formam o bloco são alvos da Operação Lava Jato, que teve em Sergio Moro seu principal personagem até o final de 2018.
Alguns parlamentares suspeitam que o afastamento de Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal e o consequente enfraquecimento de Moro tenha entrado no acerto que Bolsonaro tem costurado com o bloco. Com a saída de Moro, o centrão assumiu a linha de frente da defesa do presidente