Com crescimento fraco e deterioração do cenário econômico, o Brasil pode ter de conviver por uma década com desemprego alto e só voltar ao chamado pleno emprego a partir de 2026.
O cenário consta de uma análise do economista Bráulio Borges, do Ibre FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas) e da LCA, feita a partir de projeções de um relatório do Latin Focus Consensus, publicado na primeira semana de novembro.
Pelos cálculos do economista, o chamado pleno emprego no Brasil considera que a taxa de desemprego deveria estar entre 8% e 10%. Esse ponto de equilíbrio, em que os salários reais crescem em linha com a produtividade, só deve ser alcançado a partir de 2026, quando a taxa de desocupação cairia para 10,1%.
O período mais recente de desemprego abaixo dessa banda, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, foi registrado entre 2012 —primeiro ano da pesquisa— e 2014, ainda no mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Em 2015, com o início de uma recessão, a desocupação cresceu, ficando acima do ponto de equilíbrio já no trimestre encerrado em fevereiro de 2016 —cenário que se manteve desde então.
Confirmada essa expectativa, portanto, o Brasil teria uma década de excesso de desemprego, com a taxa de desocupação mais alta que a banda de pleno emprego.
Segundo a mais recente Pnad Contínua, o desemprego era de 13,2% no trimestre encerrado em agosto de 2021. Ela aponta, ainda, que 31,1 milhões de pessoas estavam subutilizadas e 73,4 milhões estavam fora da força de trabalho.
“Para voltarmos ao pleno emprego em 2026, o PIB [Produto Interno Bruto] teria de crescer a 2,2% de 2022 em diante, na média. Mas já sabemos que o Brasil não vai crescer nem perto disso no ano que vem, e as expectativas se reduzem a cada semana, por conta do aperto de juros, dólar alto, ruído político e a incerteza em relação à próxima eleição”, diz Borges.
A década perdida do mercado de trabalho, portanto, deve se prolongar.
Ele ressalta que, embora o desemprego entre 8% e 10% possa parecer alto, é preciso considerar que países com regras trabalhistas menos flexíveis tendem a atingir o ponto de equilíbrio a partir de um patamar maior.
Neste caso, o nível de emprego pleno em países, como o Brasil, tende a ser mais alto do que em outros com um mercado de trabalho mais flexível e menos mecanismos de proteção ao trabalhador, como os Estados Unidos. Lá, esse ponto estaria entre 3,5% e 4,5%.
Borges explica que, quando os salários reais crescem acima da produtividade, isso gera uma pressão inflacionária e de “hiperemprego” —como a que ocorreu até o começo de 2015.
No cenário oposto, quando os salários reais crescem abaixo da produtividade da economia, o trabalhador perde poder de barganha para cobrar salários justos, algo mais próximo do momento atual.
As estimativas do Latin Focus também apontam que a população brasileira deve subir de 213 milhões para 219 milhões nos próximos cinco anos, e que a dívida pública —fator que inibe investimentos e aumenta o risco— fique em 85,1% do PIB em 2026.
NOVA GERAÇÃO JÁ LARGA NO MERCADO DE TRABALHO EM DESVANTAGEM
Com nove desempregados na família, Beatriz Ferreira, 19, começou a trabalhar mais cedo do que planejava. “Passei a vender panos de prato quando ainda estava na escola, para ajudar a minha mãe.” Aos 25 anos, Alexandre Soares ganha a vida, entre um bico e outro, tocando violino em estações de trem e metrô em São Paulo, enquanto busca um trabalho fixo na construção civil.
Ambos ajudam a compor uma realidade em que a geração que chegou ao mercado de trabalho nos últimos cinco anos já largou em desvantagem.
Borges afirma que o Brasil ter uma década inteira de desemprego alto não é aceitável. “Dez anos com uma economia abaixo do pleno emprego leva ao aumento do empobrecimento e da precarização, o que vem ocorrendo desde antes da pandemia.”
Ele ressalta que quando o mercado de trabalho fica tanto tempo em desequilíbrio, a tendência é que se comece a forçar para cima o limite do pleno emprego, e o país se acostume a conviver com desemprego cada vez mais alto.
“Com o tempo, a gente vê os mais qualificados fugindo do país, pela falta de oportunidades melhores; na base, parte do capital humano também é prejudicada pela falta de experiência no mercado de trabalho.”
Infelizmente, a volta ao pleno emprego ainda está distante, diz o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
“Não só o quadro é dramático do ponto de vista do desemprego e da precarização, mas a economia não tem musculatura para sair dessa crise desde 2015, com uma dinâmica muito abaixo do potencial. A pandemia só serviu para agravar esse contexto regressivo.”
O professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) João Sabóia concorda que a volta de um crescimento econômico sustentado será o fator decisivo para a recuperação do mercado de trabalho nos próximos anos. Este ano, a volta do emprego se dá com o mercado formal em um ritmo de geração de vagas abaixo do necessário para reverter os efeitos da pandemia, resume Sabóia.
“O brasileiro está voltando a conseguir trabalhar, mas sem recuperar o que foi perdido no ano passado. O crescimento se dá a partir de uma base muito fraca e já se fala em recessão para 2022. É muito difícil esperar uma recuperação do trabalho além do medíocre.”
O professor da UnB (Universidade de Brasília) Carlos Alberto Ramos reforça que mesmo os últimos anos de crescimento econômico foram de desempenho baixo, o que adia a recuperação do emprego.
“O modelo de crescimento da década passada se esgotou em 2013, mas com a pandemia, além dos problemas anteriores, o nosso mercado de trabalho ainda vai sofrer por novos choques tecnológicos.”
Os analistas lembram que os próximos anos vão exigir uma maior qualificação e mais investimentos em tecnologia, e que a entrada do Brasil na economia internacional depende de uma estratégia de aumento de produtividade por meio de políticas direcionadas.
Segundo Borges, o caminho para o retorno a um mercado de trabalho aquecido no pósCovid-19 passa por aproveitar as oportunidades que surgem com a transição energética que o mundo planeja e o investimento em capital humano para os novos empregos que irão surgir com a chamada economia verde.
“Para isso, a gente precisa de uma ação coordenada que torne a economia brasileira mais sustentável e aproveitar o potencial de geração de empregos a partir disso. É preciso ter liderança e coordenação, duas coisas que não temos hoje.”
“Com o governo atual, a gente está flertando com a instabilidade, o que se nota com a aventura do furo do teto de gastos. Ao desorganizar o lado fiscal, o que nos espera é uma disparada de juros e inflação, o que nunca é bom para o mercado de trabalho”, diz o economista Bruno Ottoni, da consultoria IDados.
Fonte: Folha SP